Já parou para se perguntar como que às vezes nós temos a sorte incrível de, por um passo, não sermos atingidos por um vaso que caiu da janela de alguém? Ou quando, no último segundo, paramos para olhar as horas no relógio e, por um triz, não somos atingidos pela água da rua que um carro em velocidade jogou? Pois bem, para estas e outras coisinhas menores do nosso cotidiano os seres humanos contam com os angelus, que seria o nome correto daqueles a quem damos o nome de anjo.
É a partir daí que se desenvolve a nova série nacional da Dona Netflix, ‘Ninguém Tá Olhando’, que traz o carismático Victor Lamoglia no papel principal do angelus Úli, um novato que chega no departamento 5511, chefiado por Fred (Augusto Madeira, que parece bastante rejuvenescido). Já no primeiro dia, Úli se mostra questionador, levantando perguntas muito óbvias mas que aparentemente ninguém ali nunca se preocupou em fazer (como, por exemplo, o por quê de eles usarem um uniforme estilo ‘Rebeldes’ – que, aliás, vira piada no episódio 7), e, aos poucos, esses questionamentos viram pontos cruciais que colocam em xeque a estrutura do departamento. É assim que o caos se instala.
O argumento da trama se assemelha bastante com um filme lançado pelo Leandro Hassum no início desse ano, chamado ‘O Amor Dá Trabalho’, em que ele é um funcionário público mau humorado que, em um acidente, acaba falecendo e vira um anjo, mas para ter a oportunidade de viver de novo ele precisa aproximar um casal que está separado. Também se assemelha bastante com a série da TNT estrelada por Daniel Radcliffe, ‘Miracle Workers’, que também apresenta os anjos como funcionários de um departamento público focados em cuidar das pequenas coisas dos humanos, não das importantes. Aos curiosos, temos as críticas deles aqui e aqui no CinePOP.
O primeiro episódio de ‘Ninguém Tá Olhando’ eleva o nível da expectativa, com piadas genuínas e diálogos ligeiros, num pingue-pongue que faz a gente ficar de um lado pro outro, rindo. Porém, ao final do segundo episódio o ritmo cai, e o que antes era comédia rapidamente se inclina para o drama, a partir do momento em que Úli e os angelus Greta (Júlia Rabello, melhor pessoa, realmente uma comediante genuína) e Chun (Danilo de Moura, bastante convincente no papel de um angelus inseguro e tímido) começam a travar contato com os humanos – mais especificamente, Miriam (Kéfera Buchmann, nervosa e ligada no 220) e Sandro (Leandro Ramos, fazendo a mesma coisa que faz em ‘Choque de Cultura’). Aliás, é bastante irônico ver a Kéfera como uma humana que trava relações com um anjo da guarda, uma vez que a carreira dela no cinema começou justamente com ‘A Fada’, em que ela faz o papel de uma fada do dente que precisa auxiliar uma adolescente excluída. Parece que o jogo virou, hein!?
Um dos trunfos da série é conseguir reunir os principais nomes da comédia nacional contemporânea, e ainda conseguir encaixar as participações especiais de Projota, Thati Lopes e Kevin Vechiatto (o Cebolinha de ‘Turma da Mônica: Laços’, só que ruivo). Isoladamente, todos os personagens funcionam, porém, quando se relacionam amorosamente, a coisa fica superficial, sem química, sem profundidade. Claro que em parte é porque os episódios são curtinhos e não dá tempo de desenvolver muito, mas tem também a construção dos personagens em polos opostos, como a Miriam, que, muito sinceramente, é uma chata, centrada nos próprios gostos e escolhas, querendo impor seu estilo de vida aos outros.
Maaaas, apesar de focar na comédia e acertar no drama, ‘Ninguém Tá Olhando’ é recheada de referências do universo pop brasileiro – uma assinatura do diretor Daniel Rezende, responsável por ‘Bingo – O Rei das Manhãs’ e ‘Turma da Mônica: Laços’. Portanto, aos caçadores de referências, a série é um verdadeiro deleite, com emoção especial na festa à fantasia do 4º episódio. O trabalho que Daniel está fazendo em construir um universo pop nacional e dar-lhe visibilidade é admirável, e deve ser valorizado.
Com um pano de fundo mitológico-religioso (afinal, a história dos anjos caídos é bastante popular), ‘Ninguém Tá Olhando’ traz sutis porém geniais críticas sociais, e esse é o grande mérito desta série que tem tudo para se intensificar na próxima temporada – até porque o final nos deixa com aquela sensação de “como assim?”. Alô, Netflix, libera aí a segunda temporada pra ontem!