domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | No Portal da Eternidade – Willem Dafoe impressiona como van Gogh minimalista

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Com Amor, van Gogh

É inevitável para os cinéfilos recordar de Com Amor, van Gogh ao adentrar a sessão de No Portal da Eternidade. E não só pelo fato de ambos tratarem da biografia do pintor holandês Vincent van Gogh, mas por terem gerado repercussão em época de prêmios. Com Amor, van Gogh é uma animação adulta incrível, toda criada nos traços das pinturas do artista. O filme recebeu indicação na categoria – mas difere (e muito) dos demais nomeados no ano passado, por ter uma relevância autoral maior – a obra inclusive poderia ter sido criada em live action (o sistema de produção foi mais ou menos este). E também foi imprescindível para este que vos fala, voltar e ler o texto que escrevi sobre o longa no início do ano passado – que você pode conferir abaixo.

Crítica | Com Amor, Van Gogh – emocionante animação adulta indicada ao Oscar 2018



Esta crítica, no entanto, é sobre No Portal da Eternidade, novo trabalho do cineasta Julian Schnabel (O Escafandro e a Borboleta), com roteiro assinado pelo próprio – em parceria com Louise Kugelberg e Jean-Claude Carrière. É difícil evitar comparações, já que as duas obras biográficas foram lançadas num espaço de tempo muito curto. Enquanto Com Amor, van Gogh é mais original – não apenas pela proposta de criar um quadro do artista em movimento para assistirmos na tela, mas por jogar o pintor para segundo plano como coadjuvante, numa investigação quase noir de sua morte – a opção do projeto de Schnabel é mais tradicionalista. Esta é uma biografia de narrativa e estrutura muito conhecidas. O que não o impede de ousar.

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A trama, já muito familiar para todos que possuem o mínimo conhecimento sobre a vida do artista, segue van Gogh em sua aspiração de se tornar um artista famoso e reconhecido. Solitário, o sujeito se deixava abater pelas dificuldades diárias – como problemas financeiros e frustrações amorosas. Vindo a falecer como pintor faminto, na pobreza, devido a um bizarro “acidente”, aos 37 anos. Sua glória só chegaria, assim como a de tantos artistas como ele, post-mortem.

Willem Dafoe, veterano ator pra lá de talentoso, é uma escolha confiável para o papel do artista. Dafoe, um intérprete bem naturalista, cria um retrato singelo do pintor, apostando mais em sensações internalizadas e em nuances carregadas de peso. O trabalho é tão abrangente, que a barreira da idade é logo superada e esquecida durante a projeção – van Gogh faleceu aos 37, e Dafoe está com 63 anos. O elenco de apoio igualmente enche a tela, como as participações de Oscar Isaac na pele de outro ícone da arte, o pintor Paul Gauguin, e pequenas, mas significativas, pontas de gente como Mads Mikkelsen, Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner e Rupert Friend.

Embora seja uma biografia tradicional, Schnabel impregna através de detalhes sua visão. Na forma, cria uma narrativa cheia de “espaços mortos”, com imagens sem diálogos, focando apenas na trilha sonora incisiva de Tatiana Lisovkaia, que, ao mesmo tempo em que causa certo desconforto devido à suas notas, mescla com a beleza do visual, trechos de paz – onde o protagonista sente verdadeiramente o que é estar vivo (seja por meio de um simples vento no trigo ou quando aprecia a natureza para suas pinturas). Em variados entrecortes, podemos perceber a ousadia cênica de um artista como Schnabel – que antes de ser cineasta, era pintor.

A audácia louvável e artística do cineasta segue para o texto – onde não tem medo de apresentar todas as falhas do pintor, sem que insistentemente nos peça para sentir por ele. Um personagem trágico, van Gogh é apresentado por Schnabel como um esquizofrênico, que ouvia vozes dentro de sua cabeça e sofria apagões, sem lembrar de seus atos – na maioria das vezes, terríveis para todos os transeuntes (como atacar pessoas e crianças, e tentar estuprar uma mulher). Num destes devaneios psicóticos – que hoje seria diagnosticado como depressão em nível muito avançado -, corta a própria orelha, não para mandar a uma paixão platônica, mas sim para presentear Gauguin, por quem tinha obsessão e projetava muito de suas aspirações. Por causa disso, vai parar num sanatório.

Vincent van Gogh segue como uma das figuras mais complexas do mundo da arte, nunca decifrado por completo. E igualmente, uma das mais sofridas, tristes e penosas. Sua história segue ecoando através do tempo e das décadas, presentes ainda hoje (talvez mais do que nunca) em grande parte da população. As duras expectativas que impomos a nós mesmos, muitas vezes não são cumpridas e tiram um grande preço de nossos egos e estima. Ao ponto de sermos incapazes de persistir. E como aponta o melhor diálogo do ótimo Whiplash, de Damien Chazelle, durante o jantar em família: “O músico Charlie Parker morreu na miséria e bêbado aos 34 anos, mas ainda comentamos sobre ele”. Ambos Parker e van Gogh escreveram seus nomes na história, mas se pudessem escolher, talvez optassem pelo sucesso, reconhecimento em vida e uma passagem mais duradoura por este planeta.

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É inevitável para os cinéfilos recordar de Com Amor, van Gogh ao adentrar a sessão de No Portal da Eternidade. E não só pelo fato de ambos tratarem da biografia do pintor holandês Vincent van Gogh, mas por terem gerado repercussão em época de prêmios. Com Amor, van Gogh é uma animação adulta incrível, toda criada nos traços das pinturas do artista. O filme recebeu indicação na categoria – mas difere (e muito) dos demais nomeados no ano passado, por ter uma relevância autoral maior – a obra inclusive poderia ter sido criada em live action (o sistema de produção foi mais ou menos este). E também foi imprescindível para este que vos fala, voltar e ler o texto que escrevi sobre o longa no início do ano passado – que você pode conferir abaixo.

Crítica | Com Amor, Van Gogh – emocionante animação adulta indicada ao Oscar 2018

Esta crítica, no entanto, é sobre No Portal da Eternidade, novo trabalho do cineasta Julian Schnabel (O Escafandro e a Borboleta), com roteiro assinado pelo próprio – em parceria com Louise Kugelberg e Jean-Claude Carrière. É difícil evitar comparações, já que as duas obras biográficas foram lançadas num espaço de tempo muito curto. Enquanto Com Amor, van Gogh é mais original – não apenas pela proposta de criar um quadro do artista em movimento para assistirmos na tela, mas por jogar o pintor para segundo plano como coadjuvante, numa investigação quase noir de sua morte – a opção do projeto de Schnabel é mais tradicionalista. Esta é uma biografia de narrativa e estrutura muito conhecidas. O que não o impede de ousar.

A trama, já muito familiar para todos que possuem o mínimo conhecimento sobre a vida do artista, segue van Gogh em sua aspiração de se tornar um artista famoso e reconhecido. Solitário, o sujeito se deixava abater pelas dificuldades diárias – como problemas financeiros e frustrações amorosas. Vindo a falecer como pintor faminto, na pobreza, devido a um bizarro “acidente”, aos 37 anos. Sua glória só chegaria, assim como a de tantos artistas como ele, post-mortem.

Willem Dafoe, veterano ator pra lá de talentoso, é uma escolha confiável para o papel do artista. Dafoe, um intérprete bem naturalista, cria um retrato singelo do pintor, apostando mais em sensações internalizadas e em nuances carregadas de peso. O trabalho é tão abrangente, que a barreira da idade é logo superada e esquecida durante a projeção – van Gogh faleceu aos 37, e Dafoe está com 63 anos. O elenco de apoio igualmente enche a tela, como as participações de Oscar Isaac na pele de outro ícone da arte, o pintor Paul Gauguin, e pequenas, mas significativas, pontas de gente como Mads Mikkelsen, Mathieu Amalric, Emmanuelle Seigner e Rupert Friend.

Embora seja uma biografia tradicional, Schnabel impregna através de detalhes sua visão. Na forma, cria uma narrativa cheia de “espaços mortos”, com imagens sem diálogos, focando apenas na trilha sonora incisiva de Tatiana Lisovkaia, que, ao mesmo tempo em que causa certo desconforto devido à suas notas, mescla com a beleza do visual, trechos de paz – onde o protagonista sente verdadeiramente o que é estar vivo (seja por meio de um simples vento no trigo ou quando aprecia a natureza para suas pinturas). Em variados entrecortes, podemos perceber a ousadia cênica de um artista como Schnabel – que antes de ser cineasta, era pintor.

A audácia louvável e artística do cineasta segue para o texto – onde não tem medo de apresentar todas as falhas do pintor, sem que insistentemente nos peça para sentir por ele. Um personagem trágico, van Gogh é apresentado por Schnabel como um esquizofrênico, que ouvia vozes dentro de sua cabeça e sofria apagões, sem lembrar de seus atos – na maioria das vezes, terríveis para todos os transeuntes (como atacar pessoas e crianças, e tentar estuprar uma mulher). Num destes devaneios psicóticos – que hoje seria diagnosticado como depressão em nível muito avançado -, corta a própria orelha, não para mandar a uma paixão platônica, mas sim para presentear Gauguin, por quem tinha obsessão e projetava muito de suas aspirações. Por causa disso, vai parar num sanatório.

Vincent van Gogh segue como uma das figuras mais complexas do mundo da arte, nunca decifrado por completo. E igualmente, uma das mais sofridas, tristes e penosas. Sua história segue ecoando através do tempo e das décadas, presentes ainda hoje (talvez mais do que nunca) em grande parte da população. As duras expectativas que impomos a nós mesmos, muitas vezes não são cumpridas e tiram um grande preço de nossos egos e estima. Ao ponto de sermos incapazes de persistir. E como aponta o melhor diálogo do ótimo Whiplash, de Damien Chazelle, durante o jantar em família: “O músico Charlie Parker morreu na miséria e bêbado aos 34 anos, mas ainda comentamos sobre ele”. Ambos Parker e van Gogh escreveram seus nomes na história, mas se pudessem escolher, talvez optassem pelo sucesso, reconhecimento em vida e uma passagem mais duradoura por este planeta.

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