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Adaptado do romance de ficção científica, Spaceman of Bohemia (2017), do escritor tcheco Jaroslav Kalfař, O Astronauta (Spaceman) é uma odisseia psicanalítica sobre solidão, ressentimentos e erros com um toque de sátira ambientada no espaço.
Embora a missão seja organizada pela República Tcheca e os nomes dos protagonistas também sejam de origens tchecas Jakub (Adam Sandler) e Lenka (Carey Mulligan), todos os atores são de outras nacionalidades e a língua oficial é o inglês. Incomoda? Um pouco, já que é uma adaptação norte-americana a ambientação podia ser NASA, com Jacob e Lena. Pequenas medidas que nos ajudariam a não questionar as escolhas narrativas desde o início.
Apesar de não ser uma comédia, o tom cômico permeia a ficção científica, a qual é enquadrada neste gênero apenas por se passar no espaço e apresentar mistérios cósmicos e um alienígena imaginário. Há seis meses sozinho em direção a Júpiter, Jakub tem um telefone direto com a Terra, seja com seu instrutor Peter (Kunal Nayyar), seja com a sua esposa. Sua missão espacial é desvendar uma brilhosa e rosada composição cósmica reluzente vista da nossa atmosfera.
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Em transmissão nacional, ele faz publicidade de produtos e responde questões do público. Uma menina pergunta se ele é a pessoa mais solitária do mundo, ele pontualmente afirma conversar com a esposa Lenka todos os dias. Porém, a realidade esconde-se por trás da solidão compartilhada entre eles e o olhar triste do homem na tela.
Após deixar uma mensagem de adeus, a qual é interditada pela comissária da missão, Tuma (Isabella Rossellini), Lenka parte para um abrigo para mulheres solos grávidas. O vazio da falta de conforto na voz da esposa é preenchido pelo surgimento de um ser alienígena em forma de aranha. O primeiro encontro entre Jakub e o ser misterioso, posteriormente nomeados como Hanuš (voz de Paul Dano), é engraçado e estranho, no estilo kafkiano.
Sem saber se é real ou a sua imaginação, Jakub a princípio tenta se livrar do gigante inseto, mas a voz doce e interessada da criatura conquista a confiança do astronauta. Eles logo começam a criar um vínculo para apaziguar a angústia da solidão. A criatura o chama de Skinning Human (Humano Magrelo) sem jamais perguntar seu nome. Seria o seu inconsciente agindo por conta do aspecto rudimentar?
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Dirigido por Johan Renck, mais conhecido pela direção na série dramática Chernobyl e episódios de Breaking Bad e The Walking Dead, O Astronauta transmite generosamente o ambiente isolado e despressurizado da vida no espaço, no entanto, o filme é sobre a dissolução de um casamento. Através dos seis olhos da aranha-amiga, Jakub acessa momentos do seu passado com Lenka, desde o seu primeiro encontro até o último silencioso telefonema.
Com conversas sobre erros, escolhas e humanidade, Hanuš e Jakub percorre desde a infância de Jakub até os seus dias atuais, tal como uma sessão de terapia. Partido da psique do isolamento no espaço, o longa lembra Solaris, de Andrei Tarkovski. Ao invés de um psicólogo profissional, entretanto, Jakun projeta o seu interlocutor imaginário numa aranha, um inseto simbólico é bastante relacionado ao feminino, tal como a metáfora do filme O Homem Duplicado, de Denis Villeneuve, adaptado da obra de José Saramago.
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Assim como Tom Hanks criou um elo afetivo com a bola Wilson em Náufrago (2000), Jakub idealiza uma criatura assustadora, mas amigável, para refletir sua conduta como marido. A missão espacial é, portanto, um pano de fundo para as emoções desconectadas da vida a dois.
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Embora Carey Mulligan e, obviamente, Adam Sandler tenham timing cômico, nenhuma fala deles carrega essa característica. A mística do humor debruça-se completamente sobre a voz do Paul Dano. Enquanto deseja salvar o seu casamento, Jakub pula fora da nave para resgatar o seu companheiro deliberativamente, uma metáfora sobre o seu comprometimento em salvar o relacionamento com Lenka.
De uma aranha apaixonada por Nutella até um astronauta em crise existencial por ter abandonado a esposa, O Astronauta tem longas cenas apenas de contemplação e demora a desenvolver o seu curto plot narrativo de perdão. O enredo fica na superfície das discussões de abandono, fuga e frustração. Não é um romance de arrependimentos como Eu Estava Justamente Pensando em Você (Comet, 2017), de Sam Esmail, ou de sci-fi de extrema tensão como Oxigênio (2021), de Alexandre Aja, também da Netflix.
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Durante o terceiro e último ato, Johan Renck joga-se na forma de Terrence Malick e nos apresenta sua concepção de espaço, frases e imagens de forma a admirar a explosão de cores. Porém Johan Renck não é Malick e O Astronauta torna-se uma maçante jornada contemplativa sobre a dissolução de uma união, com flashbacks nada inspiradores.
Mesmo que o título seja O Astronauta, o longa parece nunca decolar e, muito menos, aterrissar em algum ponto. Longe de ter tido uma interpretação dramática ruim, porém o roteiro não ajuda Adam Sandler, que possui trabalhos melhores, como Embriagados de Amor (2002) e Joias Brutas (2019). A impressão é que, às vezes, é preciso ir ao “espaço sideral” para resolver os problemas de comunicação no relacionamento e aprender a pedir perdão.
Lançado no dia 21 de fevereiro no Festival de Berlim 2024, O Astronauta (Spaceman) estreia dia 1 de março de 2024 na Netflix.