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“Ousado e extravagante: Esses adjetivos sempre estiveram presentes na carreira de Baz Luhrmann, e aqui eles estão mais evidentes.”
No ano passado, tivemos uma nova releitura musical de ‘Os Miseráveis’, famosa obra literária de Victor Hugo, que já havia sido adaptada várias vezes para o cinema; agora é a hora do icônico romance de F. Scott Fitzgerald, ‘O Grande Gatsby’, ganhar sua nova versão para as telonas – nessa ocasião, em 3D. Essa também já teve suas transposições marcantes, dentro da sétima arte, como a variante de Jack Clayton, em 1974, com Robert Redford e Mia Farrow. E que, por sinal, é sempre bem notada e elogiada. A nova já é a quarta adaptação da novela.
Porém, acredito que dessa vez, o megalomaníaco cineasta Baz Luhrmann – sim, aquele mesmo de ‘Moulin Rouge – Amor em Vermelho’ e ‘Romeu + Julieta’ – tenha feito, de fato, um filme que conseguiu mostrar ao espectador, do ponto vista visual, a colossal dimensão do fruto de Fitzgerald. Até mesmo pela sua gigantesca e ousada produção orçamentária. É um filme esteticamente impressionante, em seu calibre panorâmico, de um modo geral.
Para que melhor conheçam um pouco dessa história, o conto, na verdade, tem como seu maior protagonista o investidor Nick Carraway (Tobey Maguire), um homem que possui grande fascínio platônico por seu enigmático vizinho Jay Gatsby (Leonardo DiCaprio). Carraway é um rapaz que vive em total conflito consigo mesmo, pois, apesar de venerar os ricos e o glamour da época, ele não se conformava com o materialismo sem limites e a falta de moral, que imprime certo declínio. E em meio a toda essa duvida, Nick é convidado por Jay para uma festa incrível, e lá, suas relações se estreitam, o deixando ainda mais encantado com o mistério por trás do milionário. A fortuna de Gatsby é motivo de rumores, isso por nenhum dos convidados, ou amigos, saberem muito bem sobre o passado do anfitrião de conduta duvidosa.
Nick descobre que seu novo colega ricaço tem uma paixão antiga por sua linda e meiga prima Daisy Buchanan (Carey Mulligan), o que o deixa feliz e surpreso. Sabendo que tal sentimento ainda existe entre eles, o rapaz resolve reaproximar os dois, ignorando o fato de ela ainda ser casada com seu velho amigo, dos tempos de faculdade, o ex-atleta Tom Buchanan (Joel Edgerton) – até porque o sujeito vive traindo descaradamente sua prima, o que o incomoda bastante. O que acaba gerando um conflito gigantesco entre os personagens e enriquecendo a trama ainda mais. Um misto de amor e ódio, rancor e saudade, dúvida e certeza, emerge em meio a tudo isso. Tornando o enredo cada vez mais envolvente e atraente.
Interessante, também, é a personalidade de Jay Gatsby, quando assim é explorada lá pelo fim do segundo e terceiro atos. Pois, vejamos, é sabido que o Gatsby era sim um dos maiores símbolos representativos daquela época e sociedade, que poderia ser adjetivada como rica e vazia. Todos desfrutavam de sua mansão, da sua bebida e da bela recepção. Alçavam-se gratuita e socialmente através daquilo. Essa questão de total domínio social anda sempre muito junto com o irrestrito descontrole pessoal. Que é muito bem retratado, num cena em que o Jay perde a cabeça e agride o Tom Buchanan, revelando, indiretamente, seu passado e verdadeira personalidade; o afastando, mais ainda, do seu maior objetivo, o amor. E, mesmo que Gatsby seja ou tenha sido uma figura invejável superficialmente, de nada valeu seu glamour no fim das contas. Um legado inexistente é a pior coisa que pode acontecer na vida de alguém. E, mesmo com todo esforço, creio que tenha sido esse seu trágico fim.
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Apesar de possuir uma direção que se mostra bastante eficaz, até por assim impetrar uma narrativa orgânica, que conta bem a sua história e prende o espectador o tempo todo, Baz Luhrmann perde um pouco a mão em alguns momentos. Deixando uma barriga no meio do seu filme. Abusando de panorâmicas, que cuja função é apenas despontar a sua colossal produção fílmica – o oposto do que o néscio Tom Hooper fez em ‘Os Miseráveis’ -, e tendo sucesso em alguns momentos, ele ainda falha por desperdiçar muito tempo de tela com isso. Onde poderia, muito bem, através da própria linguagem visual, falar mais sobre o perfil dos seus personagens, os tornando ainda mais interessantes, e sem precisar de diálogos expositivos ou narrações em off, como as constantes falas do Nick. E, ainda sim, muito é feito por essa vertente. Principalmente quando se trata do Gatsby, seu personagem é totalmente desenvolvido através das suas propriedades, figurinos, trejeitos e constantes ações.
É aí que entra a soberba direção de arte de Damien Drew (The Pacific), Ian Gracie (Além da Linha Vermelha) e Michael Turner (Missão: Impossível – Protocolo Fantasma). Esses merecem toda atenção da fita, por terem sido tão minimalistas ao retratarem uma fiel Long Island, mas extremamente viva e jovial. Que assim como a trilha de Craig Armstrong (O Preço do Amanhã), flerta o tempo todo entre o geek e o pop, mas não perde a essência da obra e cidade, em questão. É um deslumbre visual, o comando artístico desse trio. Certamente serão figurinhas carimbadas no Oscar 2014.
Todavia, nada disso ganharia tamanho destaque, não fosse à boa fotografia assinada por Simon Duggan (Presságio), que tem o papel de destacar, intensamente, através de lentes muito saturadas, uma estética elegante e ao mesmo tempo extravagante – achei que a versão 3D prejudicou um pouco o trabalho desses profissionais, isso pelo diretor não saber utilizar bem a tecnologia. A profundidade de campo das cenas é mínima, o que acaba sendo um tiro pela culatra. Além de anular a própria razão de aspecto desejada, torna a imagem tremula, deixando os enquadramentos sem firmeza. Claro que algumas tomadas surtem efeitos e farão com que o espectador médio se impressione.
O elenco também não fica atrás e, a despeito da atuação de Tobey Maguire (Homem-Aranha) soar um tanto apática, essa é sem duvida a persona do sujeito. Não tem jeito, igualmente como Jack Nicholson e Morgan Freeman, ou você embarca nos seus estilos característicos ou simplesmente não suporta. Assim também é Leonardo DiCaprio (Django Livre), que vem, de filme após filme, fazendo grandes papeis, mas que ainda, pelo seu passado como ator teen, não caiu nas graças da plateia em geral. E aqui, mais uma vez, ele empresta seu charme, elegância e explosão nas horas em que é requisitado. Completando assim a lista de atuações, Carey Mulligan (Shame) engendra mais uma de suas personagens: tímida, singela, inocente e tremendamente encantadora. Ênfase também para beleza estonteante da novata Elizabeth Debicki, maravilhosamente linda.
Sem mais delongas, eu diria que, apesar de possuir alguns problemas técnicos e vários exageros, ‘O Grande Gatsby’ é um bom filme, em todo seu contexto. Não tem vergonha de se assumir como uma ousada produção e cumpre bem esse papel, embora que não seja nenhum ‘O Aviador’, como muitos vêm pregando. Até porque não é um cineasta como Martin Scorsese que está no comando do troço, e sim um homem que, desde o início de sua carreira, gosta de mexer com o extravagante e tenta criar obras que parecem mais um espetáculo teatral da Broadway, o que, a bem da verdade, não é de tudo ruim.