domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | O Juiz

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Não se engane com o cartaz deste drama. O Juiz não é apenas um filme do subgênero “tribunal”, mas uma narrativa que dialoga com dramas familiares, sendo assim, um enredo cheio de histórias paralelas, orquestradas com bom humor e um excelente trabalho de direção de David Dobkin, mais conhecido pelos trabalhos em Penetras Bons de Bico (2007) e Bater ou Correr em Londres (2005). Com o versátil Robert Downey Jr e o veterano Robert Duvall no elenco principal, adornado pelas participações brilhantes de Vera Farmiga e Billy Bob Thornton, O Juiz também é um daqueles filmes produzidos na intenção de brilhar na tal festa mais “famosa” (não diria mais importante, porque de fato não é) do cinema: a cerimônia do Oscar.

O filme, repleto de flashbacks e cenas de impacto memorialista, nos apresenta um advogado prepotente e suntuoso: ele se acha o melhor do pedaço, possui um belo carro, bem como uma linda esposa e uma casa espetacular. O padrão perfeito do que se convencionou chamar american way of life. Mas na realidade, é tudo uma fachada, como você perceberá no caminhar da narrativa: o casamento não vai bem, o protagonista vivencia constantemente dramas pessoais envolvendo a família, em especial, o pai, interpretado na medida por Robert Duvall, um homem igualmente prepotente, mandão e cheio de valores ultrapassados no que tange os padrões de vida estadunidense da contemporaneidade.



O império deste advogado vai ruir ainda mais: logo no começo do filme, enquanto defende um caso no qual o personagem gaba-se da tamanha vantagem diante dos argumentos da promotoria, recebe uma mensagem através do celular, pedindo-lhe urgência: a sua mãe faleceu, a sua presença no funeral é solicitada, bem como a necessidade de enfrentar os problemas do passado, reencontrar a família, amores do passado, lembranças em constante fade: ora felizes, ora tristes, contempladas por um excelente trabalho de direção, numa narrativa que ganha mais valor pelo cuidado diante dos enquadramentos, movimentos e planos de câmera, montagem e direção de arte exemplares e roteiro equilibrado, assinado a quatro mãos por Bill Dubuque e Nick Schenk.

Olhado através do prisma da famigerada originalidade, O Juiz reelabora alguns arquétipos, modela o enredo para os padrões dramáticos que o Oscar adora: uma família disfuncional, com doenças chegando para vitimar alguns, acidentes para desmotivar outros, num jogo entre encenação e mixagem de som que solicita ao espectador o derramamento de lágrimas. Mas isso não é ruim. Aí é que está o argumento desta trama: mesmo tomando como ponto de partida situações que consideramos os chavões do cinema, O Juiz consegue alcançar o seu lugar com dignidade. Pretensioso aos extremos, mas disse os motivos que lhe trouxeram. E mais, busca radiografar a sociedade estadunidense como ela talvez seja: conflituosa diante dos valores capitalistas, demonstrando, inclusive, certa frieza diante dos fatos cotidianos, haja vista o envolvimento da nação em tantos conflitos bélicos ao longo do século XX (só para ser modesto e traçar um recorte).

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Ao passo que o filme trafega, percebemos que a narrativa não traz nada de novo, mas consegue capitalizar em torno de boas ideias. Esse é o grande saque que nem todos os produtores estão atentos, afinal, quantos filmes situados em um tribunal nós temos disponíveis? Vários. Os clássicos 12 homens e uma sentença e Testemunha de Acusação são “assumidades” dentro deste subgênero. Cher, em 1987, já foi advogada no ótimo Sob Suspeita, Sandra Bullock já foi assistente de um advogado em Tempo de Matar, Tom Hanks já foi vítima da homofobia em Filadélfia, e a lista, por sinal, é imensa e não cabe aqui: filmes no tribunal ou sobre alguns aspectos da área de Direito são produzidos à exaustão todos os anos. No que tange aos aspectos da família disfuncional, Meryl Streep e Julia Roberts protagonizaram um duelo similar ao apresentando em O Juiz, no drama Álbum de Família. O filho que retorna para resolver questões pendentes do passado está presente praticamente todo ano no mercado, tanto nas exibições em salas de cinema, quanto nos diversos lançamentos direto para o mercado de DVD e Blu-ray. A já citada Sandra Bullock retorna para o interior dos Estados Unidos em Quando o amor acontece, drama romântico lançado em 1997, após humilhação pública oriunda da traição do marido. Trazendo novamente para a relação pais e filhos, podemos observar que é constante esta reflexão na seara cultural: em séries como Will e Grace e Sex and The City, os pais são sempre vistos como algo digno de vergonha, um estorvo, uma pedra no sapato dos personagens. Sem querer recorrer aos estereótipos, mas dando margem para isso, inevitável em minha reflexão, diria que este é um tema constante nas produções e um caso para estudo mais aprofundado, quem sabe, na seara do academicismo. Sendo assim, voltando ao aspecto “originalidade”, tão comentado por outros críticos e alguns espectadores durante a espera para a sessão do filme, a questão aqui não é a produção ser inovadora, mas saber se adequar dentro de um padrão de mundo pós-moderno, com tradição narrativa milenar, cheio de histórias já contadas, em muitos casos, muito bem contadas.

Com 142 minutos de duração, diria que O Juiz é um bom filme. Isso vai contra os meus princípios em relação às reflexões sobre o que realmente é uma crítica de cinema, um texto onde chamamos o filme para dançar, dialogamos com ele e entregamos algumas observações abertas, nunca definitivas, estas, que estarão mais próximas da completude, não definitivamente, claro, com o seu senso crítico como leitor e espectador. Assista, reflita e, se possível, retorne para um diálogo saudável: a indústria cinematográfica e a crítica precisam disso, ou seja, de reflexão, de debate e constante circularidade entre produtores (diretores, atores, estúdios), comunicadores (nós críticos) e espectadores (vocês, leitores). A crítica que diz a você assista ou não assista deveria estar morta: ao decidir o que você deve fazer, adentra no seu pensamento e guia as suas escolhas. E daí, surge a pergunta: é isso que você quer para você, caro leitor do CinePOP?

 

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Não se engane com o cartaz deste drama. O Juiz não é apenas um filme do subgênero “tribunal”, mas uma narrativa que dialoga com dramas familiares, sendo assim, um enredo cheio de histórias paralelas, orquestradas com bom humor e um excelente trabalho de direção de David Dobkin, mais conhecido pelos trabalhos em Penetras Bons de Bico (2007) e Bater ou Correr em Londres (2005). Com o versátil Robert Downey Jr e o veterano Robert Duvall no elenco principal, adornado pelas participações brilhantes de Vera Farmiga e Billy Bob Thornton, O Juiz também é um daqueles filmes produzidos na intenção de brilhar na tal festa mais “famosa” (não diria mais importante, porque de fato não é) do cinema: a cerimônia do Oscar.

O filme, repleto de flashbacks e cenas de impacto memorialista, nos apresenta um advogado prepotente e suntuoso: ele se acha o melhor do pedaço, possui um belo carro, bem como uma linda esposa e uma casa espetacular. O padrão perfeito do que se convencionou chamar american way of life. Mas na realidade, é tudo uma fachada, como você perceberá no caminhar da narrativa: o casamento não vai bem, o protagonista vivencia constantemente dramas pessoais envolvendo a família, em especial, o pai, interpretado na medida por Robert Duvall, um homem igualmente prepotente, mandão e cheio de valores ultrapassados no que tange os padrões de vida estadunidense da contemporaneidade.

O império deste advogado vai ruir ainda mais: logo no começo do filme, enquanto defende um caso no qual o personagem gaba-se da tamanha vantagem diante dos argumentos da promotoria, recebe uma mensagem através do celular, pedindo-lhe urgência: a sua mãe faleceu, a sua presença no funeral é solicitada, bem como a necessidade de enfrentar os problemas do passado, reencontrar a família, amores do passado, lembranças em constante fade: ora felizes, ora tristes, contempladas por um excelente trabalho de direção, numa narrativa que ganha mais valor pelo cuidado diante dos enquadramentos, movimentos e planos de câmera, montagem e direção de arte exemplares e roteiro equilibrado, assinado a quatro mãos por Bill Dubuque e Nick Schenk.

Olhado através do prisma da famigerada originalidade, O Juiz reelabora alguns arquétipos, modela o enredo para os padrões dramáticos que o Oscar adora: uma família disfuncional, com doenças chegando para vitimar alguns, acidentes para desmotivar outros, num jogo entre encenação e mixagem de som que solicita ao espectador o derramamento de lágrimas. Mas isso não é ruim. Aí é que está o argumento desta trama: mesmo tomando como ponto de partida situações que consideramos os chavões do cinema, O Juiz consegue alcançar o seu lugar com dignidade. Pretensioso aos extremos, mas disse os motivos que lhe trouxeram. E mais, busca radiografar a sociedade estadunidense como ela talvez seja: conflituosa diante dos valores capitalistas, demonstrando, inclusive, certa frieza diante dos fatos cotidianos, haja vista o envolvimento da nação em tantos conflitos bélicos ao longo do século XX (só para ser modesto e traçar um recorte).

Ao passo que o filme trafega, percebemos que a narrativa não traz nada de novo, mas consegue capitalizar em torno de boas ideias. Esse é o grande saque que nem todos os produtores estão atentos, afinal, quantos filmes situados em um tribunal nós temos disponíveis? Vários. Os clássicos 12 homens e uma sentença e Testemunha de Acusação são “assumidades” dentro deste subgênero. Cher, em 1987, já foi advogada no ótimo Sob Suspeita, Sandra Bullock já foi assistente de um advogado em Tempo de Matar, Tom Hanks já foi vítima da homofobia em Filadélfia, e a lista, por sinal, é imensa e não cabe aqui: filmes no tribunal ou sobre alguns aspectos da área de Direito são produzidos à exaustão todos os anos. No que tange aos aspectos da família disfuncional, Meryl Streep e Julia Roberts protagonizaram um duelo similar ao apresentando em O Juiz, no drama Álbum de Família. O filho que retorna para resolver questões pendentes do passado está presente praticamente todo ano no mercado, tanto nas exibições em salas de cinema, quanto nos diversos lançamentos direto para o mercado de DVD e Blu-ray. A já citada Sandra Bullock retorna para o interior dos Estados Unidos em Quando o amor acontece, drama romântico lançado em 1997, após humilhação pública oriunda da traição do marido. Trazendo novamente para a relação pais e filhos, podemos observar que é constante esta reflexão na seara cultural: em séries como Will e Grace e Sex and The City, os pais são sempre vistos como algo digno de vergonha, um estorvo, uma pedra no sapato dos personagens. Sem querer recorrer aos estereótipos, mas dando margem para isso, inevitável em minha reflexão, diria que este é um tema constante nas produções e um caso para estudo mais aprofundado, quem sabe, na seara do academicismo. Sendo assim, voltando ao aspecto “originalidade”, tão comentado por outros críticos e alguns espectadores durante a espera para a sessão do filme, a questão aqui não é a produção ser inovadora, mas saber se adequar dentro de um padrão de mundo pós-moderno, com tradição narrativa milenar, cheio de histórias já contadas, em muitos casos, muito bem contadas.

Com 142 minutos de duração, diria que O Juiz é um bom filme. Isso vai contra os meus princípios em relação às reflexões sobre o que realmente é uma crítica de cinema, um texto onde chamamos o filme para dançar, dialogamos com ele e entregamos algumas observações abertas, nunca definitivas, estas, que estarão mais próximas da completude, não definitivamente, claro, com o seu senso crítico como leitor e espectador. Assista, reflita e, se possível, retorne para um diálogo saudável: a indústria cinematográfica e a crítica precisam disso, ou seja, de reflexão, de debate e constante circularidade entre produtores (diretores, atores, estúdios), comunicadores (nós críticos) e espectadores (vocês, leitores). A crítica que diz a você assista ou não assista deveria estar morta: ao decidir o que você deve fazer, adentra no seu pensamento e guia as suas escolhas. E daí, surge a pergunta: é isso que você quer para você, caro leitor do CinePOP?

 

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