domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | ‘O Mal Que Nos Habita’ se consagra ao abandonar moralismo em trama demoníaca

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Nos últimos anos, Hollywood vem emplacando uma série de filmes de terror enlatados ridiculamente moralistas. Chega a ser desanimador pagar ingresso para ver esse tanto de demônio que se contenta em correr atrás de criança em corredor escuro e matar homem de meia idade se jogando de lugar alto. É tanto ‘mais do mesmo’ que chegou ao ponto de filmes que não são do gênero construindo melhor o terror – e explorando suas vertentes – do que os ditos filmes de terror.

Na contramão do cinema norte-americano, que chega ao Brasil com exaustão, cinemas de outros países, como Coreia do Sul, Tailândia e Japão, que não costumam contar com boa distribuição de seus longas por aqui, estão apostando cada vez mais na subversão desse moralismo exacerbado, pegando temas e personagens polêmicos em longas repletos de sangue, tensão e crueldade sem fim. Embarcando nessa onda, O Mal Que Nos Habita traz a nata do cinema argentino em produção subversiva e esteticamente embalada para conquistar os principais mercados do mundo.



Estrelado por Ezequiel Rodríguez e Demián Salomón, o filme se passa numa cidadezinha no interior da Argentina, onde dois irmãos vivem isolados do mundo. Certa noite, após ouvirem tiros, eles encontram um cadáver cortado ao meio nas terras do lado. Eles investigam e descobrem que há um homem possuído na casa da vizinha. Eles procuram as autoridades, mas esbarram na burocracia de um Estado que não liga para seu povo. Ao saber da situação, outro vizinho chama os irmãos para ajudá-lo a se livrar do possuído antes que o demônio traga maldições para sua esposa grávida. O problema é que eles não respeitam as regras do ocultismo e acabam liberando uma entidade sem escrúpulos que vai caçar um por um, indo atrás de quem eles mais amam no caminho.

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É interessante ver como o diretor e roteirista Demián Rugna trabalha a história em uma escala bem pequena, recorrendo a simplicidade para tornar o filme grandioso. Durante a sessão, comentei que o início lembrava um capítulo da série Carga Pesada, já que a dinâmica dos protagonistas têm essa pegada de um mais carrancudo e outro que embarcou de gaiato no navio. No entanto, ele não tem as limitações da TV e consegue construir a tensão sem precisar se importar com até onde ele pode ir sem chocar tanto a audiência. Neste filme, Rugna quer deixar o público devastado e cria um caminhão de tensão, fazendo com que o espectador realmente tema pelo que virá a seguir.

Antes de qualquer coisa, é preciso aplaudir a escalação de Ezequiel Rodríguez. Seu trabalho é visceral e dá o tom caótico do filme. A situação fica ainda mais curiosa ao sabor que Ezequiel é conhecido na Argentina por seus trabalhos em seriados do Disney Channel. Neste longa, ele é o grande protagonista. Pedro é um homem já entrando na velhice que perdeu praticamente todos que amava ao longo dos anos. Porém, ao saber do possuído, ele vai atrás de todo mundo por quem já nutriu sentimentos, tentando salvá-los. O problema é que esse apego é justamente sua ruína. Ele fica tão vidrado em proteger quem ama que passa a ignorar sinais claríssimos de que está fazendo tudo errado.

Esse terror que apela para a ignorância pode dar muito certo ou muito errado, porque basta um deslize para suspender a crença do público e jogar o projeto por água abaixo. Mas aqui, dado o contexto do protagonista ser um homem extremamente simples e estar desesperado, funciona perfeitamente. Além disso, ele tem uma boa química com Jimmy (Salomón), seu irmão mais novo que começa a duvidar da sanidade de Pedro. É curioso, porque há uma tendência dos bons filmes de terror da nova safra explorarem incertezas junto ao público. Ou seja, eles costumam criar aquela dúvida se existe mesmo uma criatura sobrenatural por trás da história ou se tudo não passa de um grande delírio do protagonista. Jimmy tenta ser essa voz da dúvida, mas as situações pelas quais eles passam são tão grotescas e bizarras que o personagem fica sem qualquer moral para duvidar do irmão.

Na fuga dos irmãos, os personagens com quem eles se envolvem acabam sofrendo tragédias inescrupulosas. E nesse caminho que ocorre a grande subversão. Sabe os estereótipos de Hollywood? Esqueça todos. O longa não perdoa ninguém, colocando no caminho do demônio crianças muito pequenas, idosos adoráveis, famílias felizes e até mesmo um menino com autismo. É interessante ver essa variedade de personagens sendo massacrados, porque os enlatados hollywoodianos dão essa sensação de que as entidades do mal são preconceituosas, só possuindo homem branco e matando homens negros e adolescentes com hormônios à flor da pele. Nesse longa, o diretor mostra que o demônio não discrimina e quer matar todo mundo.

Dito isso, as mortes são brutais. O longa investe muito em efeitos práticos, deixando todos os homicídios extremamente impactantes. É um banho de sangue realista e brutal. Vale destacar que toda essa carnificina só funciona porque a construção da tensão é exemplar. A maior prova disso é a sequência na casa da ex-esposa de Pedro, em que a direção faz as crianças rodearem um cachorro maior que elas, enquanto o protagonista – perseguido pelo demônio – tenta explicar o que está acontecendo. A tensão é tão nítida que dá quase para tocar. Ainda mais porque momentos antes, em um diálogo no carro, eles conversam sobre essas entidades se aproximarem das pessoas por meio de criaturas mais inocentes, como animais e crianças. E o que vem em seguida é de traumatizar qualquer um.

Enfim, falar bem desse filme é chover no molhado. Suas qualidades são muito expressivas e mostram as credenciais do diretor, cujo trabalho foi excelente. Porém, O Mal Que Nos Habita não é perfeito. Bem na metade do filme, o diretor começa a explicar o ‘manual’ das possessões e cria uma ‘barriguinha’ na história. Para alguns, esses momentos podem soar explicativos demais, mas é uma opção da direção até para desenvolver melhor o carisma de alguns personagens que serão calcinados futuramente. Isso certamente não vai agradar a todos. No entanto, pela conclusão da trama, não me incomodou tanto, porque me fez sentir muito a morte de uma certa personagem que brilha justamente nessa ‘barriga’. Ainda assim, é compreensível que possa cansar parte do público.

Para quem busca um terror de qualidade, sem medo de chocar e acabar com crianças, adultos e idosos, O Mal Que Nos Habita é o melhor terror do ano até o momento.

O Mal Que Nos Habita está em cartaz nos cinemas.

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Pedro Sobreirohttp://cinepop.com.br/
Jornalista apaixonado por entretenimento, com passagens por sites, revistas e emissoras como repórter, crítico e produtor.

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Crítica | ‘O Mal Que Nos Habita’ se consagra ao abandonar moralismo em trama demoníaca

Nos últimos anos, Hollywood vem emplacando uma série de filmes de terror enlatados ridiculamente moralistas. Chega a ser desanimador pagar ingresso para ver esse tanto de demônio que se contenta em correr atrás de criança em corredor escuro e matar homem de meia idade se jogando de lugar alto. É tanto ‘mais do mesmo’ que chegou ao ponto de filmes que não são do gênero construindo melhor o terror – e explorando suas vertentes – do que os ditos filmes de terror.

Na contramão do cinema norte-americano, que chega ao Brasil com exaustão, cinemas de outros países, como Coreia do Sul, Tailândia e Japão, que não costumam contar com boa distribuição de seus longas por aqui, estão apostando cada vez mais na subversão desse moralismo exacerbado, pegando temas e personagens polêmicos em longas repletos de sangue, tensão e crueldade sem fim. Embarcando nessa onda, O Mal Que Nos Habita traz a nata do cinema argentino em produção subversiva e esteticamente embalada para conquistar os principais mercados do mundo.

Estrelado por Ezequiel Rodríguez e Demián Salomón, o filme se passa numa cidadezinha no interior da Argentina, onde dois irmãos vivem isolados do mundo. Certa noite, após ouvirem tiros, eles encontram um cadáver cortado ao meio nas terras do lado. Eles investigam e descobrem que há um homem possuído na casa da vizinha. Eles procuram as autoridades, mas esbarram na burocracia de um Estado que não liga para seu povo. Ao saber da situação, outro vizinho chama os irmãos para ajudá-lo a se livrar do possuído antes que o demônio traga maldições para sua esposa grávida. O problema é que eles não respeitam as regras do ocultismo e acabam liberando uma entidade sem escrúpulos que vai caçar um por um, indo atrás de quem eles mais amam no caminho.

É interessante ver como o diretor e roteirista Demián Rugna trabalha a história em uma escala bem pequena, recorrendo a simplicidade para tornar o filme grandioso. Durante a sessão, comentei que o início lembrava um capítulo da série Carga Pesada, já que a dinâmica dos protagonistas têm essa pegada de um mais carrancudo e outro que embarcou de gaiato no navio. No entanto, ele não tem as limitações da TV e consegue construir a tensão sem precisar se importar com até onde ele pode ir sem chocar tanto a audiência. Neste filme, Rugna quer deixar o público devastado e cria um caminhão de tensão, fazendo com que o espectador realmente tema pelo que virá a seguir.

Antes de qualquer coisa, é preciso aplaudir a escalação de Ezequiel Rodríguez. Seu trabalho é visceral e dá o tom caótico do filme. A situação fica ainda mais curiosa ao sabor que Ezequiel é conhecido na Argentina por seus trabalhos em seriados do Disney Channel. Neste longa, ele é o grande protagonista. Pedro é um homem já entrando na velhice que perdeu praticamente todos que amava ao longo dos anos. Porém, ao saber do possuído, ele vai atrás de todo mundo por quem já nutriu sentimentos, tentando salvá-los. O problema é que esse apego é justamente sua ruína. Ele fica tão vidrado em proteger quem ama que passa a ignorar sinais claríssimos de que está fazendo tudo errado.

Esse terror que apela para a ignorância pode dar muito certo ou muito errado, porque basta um deslize para suspender a crença do público e jogar o projeto por água abaixo. Mas aqui, dado o contexto do protagonista ser um homem extremamente simples e estar desesperado, funciona perfeitamente. Além disso, ele tem uma boa química com Jimmy (Salomón), seu irmão mais novo que começa a duvidar da sanidade de Pedro. É curioso, porque há uma tendência dos bons filmes de terror da nova safra explorarem incertezas junto ao público. Ou seja, eles costumam criar aquela dúvida se existe mesmo uma criatura sobrenatural por trás da história ou se tudo não passa de um grande delírio do protagonista. Jimmy tenta ser essa voz da dúvida, mas as situações pelas quais eles passam são tão grotescas e bizarras que o personagem fica sem qualquer moral para duvidar do irmão.

Na fuga dos irmãos, os personagens com quem eles se envolvem acabam sofrendo tragédias inescrupulosas. E nesse caminho que ocorre a grande subversão. Sabe os estereótipos de Hollywood? Esqueça todos. O longa não perdoa ninguém, colocando no caminho do demônio crianças muito pequenas, idosos adoráveis, famílias felizes e até mesmo um menino com autismo. É interessante ver essa variedade de personagens sendo massacrados, porque os enlatados hollywoodianos dão essa sensação de que as entidades do mal são preconceituosas, só possuindo homem branco e matando homens negros e adolescentes com hormônios à flor da pele. Nesse longa, o diretor mostra que o demônio não discrimina e quer matar todo mundo.

Dito isso, as mortes são brutais. O longa investe muito em efeitos práticos, deixando todos os homicídios extremamente impactantes. É um banho de sangue realista e brutal. Vale destacar que toda essa carnificina só funciona porque a construção da tensão é exemplar. A maior prova disso é a sequência na casa da ex-esposa de Pedro, em que a direção faz as crianças rodearem um cachorro maior que elas, enquanto o protagonista – perseguido pelo demônio – tenta explicar o que está acontecendo. A tensão é tão nítida que dá quase para tocar. Ainda mais porque momentos antes, em um diálogo no carro, eles conversam sobre essas entidades se aproximarem das pessoas por meio de criaturas mais inocentes, como animais e crianças. E o que vem em seguida é de traumatizar qualquer um.

Enfim, falar bem desse filme é chover no molhado. Suas qualidades são muito expressivas e mostram as credenciais do diretor, cujo trabalho foi excelente. Porém, O Mal Que Nos Habita não é perfeito. Bem na metade do filme, o diretor começa a explicar o ‘manual’ das possessões e cria uma ‘barriguinha’ na história. Para alguns, esses momentos podem soar explicativos demais, mas é uma opção da direção até para desenvolver melhor o carisma de alguns personagens que serão calcinados futuramente. Isso certamente não vai agradar a todos. No entanto, pela conclusão da trama, não me incomodou tanto, porque me fez sentir muito a morte de uma certa personagem que brilha justamente nessa ‘barriga’. Ainda assim, é compreensível que possa cansar parte do público.

Para quem busca um terror de qualidade, sem medo de chocar e acabar com crianças, adultos e idosos, O Mal Que Nos Habita é o melhor terror do ano até o momento.

O Mal Que Nos Habita está em cartaz nos cinemas.

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