domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Oitava Série – Cativante retrato da adolescência com chances ao Oscar

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Com um punhado de filmes adolescentes focados em esteriótipos e rivalidade entre os jovens, o novato diretor Bo Burnham propõe uma percepção diferente dos obstáculos da caminhada ao amadurecimento em Oitava Série** (Eighth Grade). Centrado nas últimas duas semanas do fim do ensino fundamental, a narrativa é contada por Kayla (Elsie Fisher), uma jovem de 14 anos, prestes a concluir a oitava série e com expectativas para o ensino médio.

Para narrar o filme, Bo Burnham – também responsável pelo roteiro – apresenta Kayla gravando um vídeo para o seu canal no Youtube, em que ela fala sobre as suas percepções e como é importante acreditar em si mesma. Os vídeos não são assistidos por ninguém e, ao contrário da sua imagem gravada, ela não possui muita habilidade social para falar com os outros adolescentes na escola.



Assim é criada uma dicotomia entre a Kayla do Youtube – como uma espécie de conversa ao espelho – e a adolescente de 14 anos no cotidiano, sempre receosa das suas ações. Logo de início, uma votação da escola elege “os mais do ano”, enquanto o crush de Kayla, Aiden (Luke Prael), recebe o prêmio “os olhos mais belos”, ela é eleita a “mais quieta”. As suas tentativas de interação são ignoradas e é palpável a sensação de estranhamento cada vez que Kayla se esforça para fazer parte do entorno.

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Oitava série é uma obra de momentos, em que narra etapas de um processo de auto-avaliação, descobertas e como essas novidades são tão intensas nesta faixa etária. Interpretada magistralmente por Elsie Fisher, a protagonista é como qualquer outra menina, os seus talentos e aspirações não são destacados na narrativa, mas as suas vivências são sentidas como uma perturbadora realidade.

Ao ser convidada para a festa de aniversário de Kennedy (Catherine Oliviere), a pedido da mãe da menina, Kayla recusa o convite como um mecanismo de defesa. Dentro do seu quarto, no entanto, diante da câmera, ela diz que é necessário correr riscos na vida e decide ir à comemoração. A chegada de Kayla à festa na piscina é um dos fascinantes enquadramentos do filme, como se ela observasse de longe aquelas pessoas como atrações exóticas do zoológico.

Para realizar um obra honesta sobre adolescência, Burnham fugiu dos esteriótipos de nerds e populares, deixou as espinhas no rosto da protagonista e a sensação dela de nunca saber o que fazer com as mãos. Faz tempo que não vemos um filme sobre pertencimento e solidão infanto-juvenil tão profundo quanto Oitava Série, um dos poucos a retratar está sensação é Bem-Vindo à Casa de Bonecas (1995), de Todd Solondz.

A questão de Kayla não é sofrer bullying, mas a indiferença das crianças ao redor. A gente não entende porque Kayla não se encaixa, mas ela também não sabe a resposta para este questionamento. Ela sente que precisa interagir, mas os seus elogios não são ouvidos, os seus comentários são ignorados e a vida virtual não possui êxtase. Kayla deita-se para dormir, mas a tela do celular ilumina seu rosto, enquanto ela navega por imagens de felicidade, beleza e diversão de outras pessoas.

Com uma indicação ao Globo de Ouro – e provavelmente ao Oscar – Elsie Fisher é a composição perfeita da protagonista. É possível sentir nervosismo, entusiasmo e frustração nos detalhes da sua performance, como fosse um documentário. Ao conhecer Olivia (Emily Robinson), uma simpática estudante do ensino médio que lhe mostra como será a rotina na nova escola, Kayla experimenta pela primeira vez o que é ter alguém para trocar ideias.

A cena de Kayla reagindo ao convite de Olivia para ir ao shopping soa tão espontânea e real que é difícil não sentir-se feliz ou triste por conta dos acontecimentos envolvendo da jovem. Assim como Lady Bird: A Hora de Voar (2017) é uma cativante película por acompanhamos as experiências decepcionantes e redentoras do amadurecimento, Oitava Série é uma máquina do tempo aos corredores das nossas escolas, onde sonhávamos ser diversas coisas, mas, principalmente, aceitos.

Se Bem-Vindo à Casa de Bonecas era o filme que falava às meninas dos anos 90 sobre como aparência e comportamento são uma barreira social, a nova geração recebe uma produção de como as interações ainda são baseadas em aparências – agora reais e virtuais. O discurso do filme segue em parte a premissa do livro O Segredo, de Rhonda Byrne, em que se você acreditar que as coisas podem dar certo, elas irão.

Por conta do recorte de poucos dias antes da formatura, Oitava Série é preciso em sua pequena amostra dos dilemas da protagonista. A relação com o pai (Josh Hamilton) e ausência da mãe são bastante importantes para entender Kayla e sentir uma esperança com a carta que ela escrever para si mesma no futuro ao final do ensino médio. É impossível não lembramos de nós mesmos durante esse período e desejar saber como estará Kayla daqui a três anos.

** Filme assistido em julho de 2018, em Toronto, Canadá.  

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Para narrar o filme, Bo Burnham – também responsável pelo roteiro – apresenta Kayla gravando um vídeo para o seu canal no Youtube, em que ela fala sobre as suas percepções e como é importante acreditar em si mesma. Os vídeos não são assistidos por ninguém e, ao contrário da sua imagem gravada, ela não possui muita habilidade social para falar com os outros adolescentes na escola.

Assim é criada uma dicotomia entre a Kayla do Youtube – como uma espécie de conversa ao espelho – e a adolescente de 14 anos no cotidiano, sempre receosa das suas ações. Logo de início, uma votação da escola elege “os mais do ano”, enquanto o crush de Kayla, Aiden (Luke Prael), recebe o prêmio “os olhos mais belos”, ela é eleita a “mais quieta”. As suas tentativas de interação são ignoradas e é palpável a sensação de estranhamento cada vez que Kayla se esforça para fazer parte do entorno.

Oitava série é uma obra de momentos, em que narra etapas de um processo de auto-avaliação, descobertas e como essas novidades são tão intensas nesta faixa etária. Interpretada magistralmente por Elsie Fisher, a protagonista é como qualquer outra menina, os seus talentos e aspirações não são destacados na narrativa, mas as suas vivências são sentidas como uma perturbadora realidade.

Ao ser convidada para a festa de aniversário de Kennedy (Catherine Oliviere), a pedido da mãe da menina, Kayla recusa o convite como um mecanismo de defesa. Dentro do seu quarto, no entanto, diante da câmera, ela diz que é necessário correr riscos na vida e decide ir à comemoração. A chegada de Kayla à festa na piscina é um dos fascinantes enquadramentos do filme, como se ela observasse de longe aquelas pessoas como atrações exóticas do zoológico.

Para realizar um obra honesta sobre adolescência, Burnham fugiu dos esteriótipos de nerds e populares, deixou as espinhas no rosto da protagonista e a sensação dela de nunca saber o que fazer com as mãos. Faz tempo que não vemos um filme sobre pertencimento e solidão infanto-juvenil tão profundo quanto Oitava Série, um dos poucos a retratar está sensação é Bem-Vindo à Casa de Bonecas (1995), de Todd Solondz.

A questão de Kayla não é sofrer bullying, mas a indiferença das crianças ao redor. A gente não entende porque Kayla não se encaixa, mas ela também não sabe a resposta para este questionamento. Ela sente que precisa interagir, mas os seus elogios não são ouvidos, os seus comentários são ignorados e a vida virtual não possui êxtase. Kayla deita-se para dormir, mas a tela do celular ilumina seu rosto, enquanto ela navega por imagens de felicidade, beleza e diversão de outras pessoas.

Com uma indicação ao Globo de Ouro – e provavelmente ao Oscar – Elsie Fisher é a composição perfeita da protagonista. É possível sentir nervosismo, entusiasmo e frustração nos detalhes da sua performance, como fosse um documentário. Ao conhecer Olivia (Emily Robinson), uma simpática estudante do ensino médio que lhe mostra como será a rotina na nova escola, Kayla experimenta pela primeira vez o que é ter alguém para trocar ideias.

A cena de Kayla reagindo ao convite de Olivia para ir ao shopping soa tão espontânea e real que é difícil não sentir-se feliz ou triste por conta dos acontecimentos envolvendo da jovem. Assim como Lady Bird: A Hora de Voar (2017) é uma cativante película por acompanhamos as experiências decepcionantes e redentoras do amadurecimento, Oitava Série é uma máquina do tempo aos corredores das nossas escolas, onde sonhávamos ser diversas coisas, mas, principalmente, aceitos.

Se Bem-Vindo à Casa de Bonecas era o filme que falava às meninas dos anos 90 sobre como aparência e comportamento são uma barreira social, a nova geração recebe uma produção de como as interações ainda são baseadas em aparências – agora reais e virtuais. O discurso do filme segue em parte a premissa do livro O Segredo, de Rhonda Byrne, em que se você acreditar que as coisas podem dar certo, elas irão.

Por conta do recorte de poucos dias antes da formatura, Oitava Série é preciso em sua pequena amostra dos dilemas da protagonista. A relação com o pai (Josh Hamilton) e ausência da mãe são bastante importantes para entender Kayla e sentir uma esperança com a carta que ela escrever para si mesma no futuro ao final do ensino médio. É impossível não lembramos de nós mesmos durante esse período e desejar saber como estará Kayla daqui a três anos.

** Filme assistido em julho de 2018, em Toronto, Canadá.  

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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