sexta-feira, abril 26, 2024

Crítica | Olivia Rodrigo se eterniza como uma das melhores artistas da nova geração com o impecável ‘GUTS’

Há um certo je ne se quoi sobre Olivia Rodrigo que a torna atemporal. Apesar de ter começado sua carreira musical há apenas dois anos, a cantora e compositora dominou o mundo ao popularizar um subgênero musical conhecido como bedroom pop, em que uma sólida produção entra em conflito com uma temática universalista que dialoga com todos, seja no presente, seja através de um processo mnemônico de saudosismo. Não é surpresa que, após a grandiosa estreia de ‘SOUR’, ela tenha conquistado três estatuetas do Grammy – incluindo a cobiçada Artista Revelação (que, de fato, não poderia ter sido destinada a mais ninguém). Agora, ela nos convida para um resplandecente e chocante amadurecimento com o antecipado ‘GUTS’.

Antes do lançamento do álbum, Rodrigo nos havia agraciado com dois singles promocionais: o pungente rock inflexionado com “vampire”, que, de imediato, se tornou uma das mais belas faixas do ano; e a divertida “bad idea right?”, uma exaltação do grunge dos anos 1990 com o melhor do power-rock do início dos anos 2000 – mostrando suas influências a nomes como Avril Lavigne e Yellowcard, sem abandonar sua identidade única. Mas essa beleza infindável também permanece no restante do compilado, em que uma amálgama vibrante de inúmeros gêneros nos convocam a uma narcótica jornada que, assim como a vida, é formada por altos e baixos – digressando da impactante guitarra à melodia tocante do violão.

Cada faixa emerge como um grito de emancipação e de liberdade, mas não seguindo um padrão cansativo de arranjos instrumentais e progressão; o objetivo por trás do álbum é construir uma multiplicidade sinestésica de inúmeras ideias que podem ser efêmeras ou perenes, velozes ou progressivas. Não é à toa que a canção de abertura, “all american bitch”, apresente uma memorável fusão da folktronica com o country, explodindo no melhor do pop-rock teen de duas décadas atrás enquanto presta homenagens à lírica poética de Taylor Swift, por exemplo. Além disso, a track aproveita para introduzir um elemento significativo nesse enredo fonográfico– o apreço da performer pelo camp e pelo teatral. Ora, até mesmo na incrível balada “lacy”, notamos as brincadeiras criativas vindo à tona com melancólicas antíteses.

Ainda que se afaste da imagética arquitetada em ‘SOUR’, Rodrigo pega os melhores aspectos de seu début e as transforma em força-motriz de sua nova obra. Em “ballad of a homeschooled girl”, o fraseamento irrompe como característica marcante, com cada um dos versos pronunciado de formas infinitas que dialogam com as angústias jovens-adultas. Mas, como a cereja do bolo, ela mergulha num anacronismo encantador que bebe do post-grunge, do rock e do pop-punk que vieram de referências a No Doubt ou Coldplay, em suas devidas medidas, promovendo um encontro intergeracional entre o “suicídio social” de uma contemporaneidade autoconsciente com a rebeldia primordial do início dos anos 2000.

Como já pudemos ver no álbum anterior, a artista se transmuta em uma power-house inegável quando se volta a engendrar baladas – é só nos lembrarmos de “driver’s license” ou “deja vu”. E, aqui, isso não seria diferente: temos, ademais de algumas faixas supracitadas, a impecável “making the bed”, cuja angustiante apatia do piano é pincelada com dream-rock e synth-rock, criando um vórtice emocionante e quase antêmico. Aliada a essa composição magnífica, cortesia de seu trabalho com Dan Nigro, a declamatória poesia de responsabilidade e cansaço mental é resumida por versos-chave como “mas sou eu quem tem feito a cama” e “às vezes, sinto que não quero estar onde estou” – refletindo uma capacidade crítica invejável que dialoga com o senso de não-pertencimento numa sociedade movida por fragmentos pós-modernos.

Algo similar acontece com a mística e letárgica mistura de folk e dream-pop de “logical”, deixando que as frustrações do eu-lírico de Olivia sejam exprimidas como ela bem entenda, permitindo que seu arrependimento fique marcado como um crucial coming-of-age. E, vindo em uma contraposição urgente, “get him back!” volta para o rock e o pop-punk em uma narrativa divertida e enganadora que discorre sobre vingança (“eu quero beijá-lo com um soco” e “quero conhecer a mãe dele para lhe dizer que seu filho é um bosta” são algumas das entradas mais hilárias e espirituosas da carreira de Rodrigo). E é através dessa mudança repentina que o ritmo ao mesmo tempo frenético e taciturno se modela – e demonstra um escape para uma memorabilia que é reconhecível em um estalar de dedos para qualquer um.

Não deixe de assistir:

As quatro últimas canções beiram a perfeição de maneira esplendorosa e, de maneira distorcida, apresentam um encontro comovente entre decepção e esperança. Conforme une The Runaways a Alanis Morissette e Snow Patrol, a cantora assina um manifesto dolorosamente íntimo sobre os percalços do amor (“love is embarrassing”), um término de relacionamento que ainda machuca (“the grudge”), distúrbios de imagem e a busca inalcançável pela intangibilidade da perfeição (“pretty isn’t pretty”) e um amadurecimento necessário e excruciante (“teenage dream”).

É maravilhoso ver como uma voz da nova geração cresceu em tão pouco tempo – e ‘GUTS’ é apenas uma manifestação física de tudo que Olivia Rodrigo tem a nos oferecer no futuro. Pessoal, lancinante e com uma exímia nostalgia musical, o segundo álbum dessa performer incrível é nada menos que uma obra-prima que atravessa a maleável textura do tempo.

Nota por faixa:

1. All-American Bitch – 4,5/5
2. Bad Idea Right? – 4/5
3. Vampire – 4,5/5
4. Lacy – 5/5
5. Ballad of a Homeschooled Girl – 5/5
6. Making the Bed – 5/5
7. Logical – 5/5
8. Get Him Back! – 4,5/5
9. Love Is Embarrasing – 5/5
10. The Grudge – 5/5
11. Pretty Isn’t Pretty -5/5
12. Teenage Dream – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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