quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | ‘Orgulho e Sedução’ transforma Jane Austen em uma ótima rom-com LGBTQIA+

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Jane Austen não é apenas uma das autoras mais conhecidas da história, mas como uma das mais importantes da literatura. Seus múltiplos escritos ajudaram a lançar luz em temas como a instituição do casamento e papel da mulher na sociedade dos séculos XVIII e XIX, construindo personagens complexas que seriam emuladas tanto por suas conterrâneas quanto por romancistas e contistas que viriam séculos depois. Não é surpresa que inúmeras de suas obras tenham sido adaptadas para o cinema e para a televisão, conquistando públicos das mais diversas idades que seriam reapresentados ou apresentados a seu fantástico cosmos literário.

Um dos livros mais conhecidos e aplaudidos de Austen é, sem dúvida, Orgulho e Preconceito. A intrincada narrativa envolvendo Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy é considerada um epítome das dramédias familiares e deu origem à icônica releitura homônima estrelada por Keira Knightley (filme considerado um dos melhores do século por este mesmo que vos fala). Agora, a trama ganha uma roupagem modernizada e mais satírica com o lançamento de Orgulho e Sedução, produção que fornece ao atemporal conto um revestimento LGBTQIA+, carregado de representatividade e provando que Austen ainda pode ser relida das maneiras mais originais possíveis nos dias de hoje.



Talvez o aspecto mais emblemático do longa-metragem seja sua concisão e o fato de ser destinado a um público específico, a comunidade queer, querendo não fornecer explicações sobre o que significa fazer parte dessa parcela da sociedade, mas sim se afastar dos costumeiros dramas que vêm aparecendo no cenário mainstream e mostrar construções divertidas, leves e aprazíveis do começo ao fim. E é nesse universo exuberante que o diretor Andrew Ahn arquiteta uma singela e hilária aventura em uma ilha conhecida como Fire Island – uma espécie de refúgio que, como anunciado logo nas primeiras cenas, funciona como uma “Disneyland gay”. Aqui, o comediante Joel Kim Booster, que também empresta suas habilidades para o exímio e coeso roteiro, interpreta Noah, um jovem rapaz despreocupado com assuntos do coração e que carrega um mote bastante específico de estar livre para se relacionar com quem quiser e sempre permanecer ao lado de sua família.

Noah tem uma personalidade bastante peculiar que reitera tanto sua paixão por casos espontâneos quanto por ajudar aqueles que ama– principalmente Howie (Bowen Yang), seu melhor amigo que não se sente confortável em meio a um tóxico ambiente movido a heternormatividade, ao culto excessivo ao corpo e à superficialidade dos relacionamentos. Howie tem uma visão clara sobre o que quer para a vida e se resvala nas narrativas fabulescas de rom-coms em que achará o homem certo quando o destino quiser, nutrindo de inúmeras similaridades com Jane Bennet do livro original; não é surpresa, pois, que sua caracterização entre em conflito constante com Noah, cuja meticulosa tradução provinda de Elizabeth é um dos vários pontos altos do filme.

A ideia principal do nosso protagonista é fazer com que Howie tenha um caso no fim de semana que em eles e o restante de seus amigos vão para a ilha. E é óbvio que as coisas não saem como o esperado e, apesar de Howie se envolver com o charmoso e bondoso Charlie (James Scully), Noah enfrenta a “ira” do introspectivo e julgador Will (Conrad Ricamora) – que definitivamente não parece estar de acordo com a mescla dos dois grupos. Afinal, Will é a representação queer de Mr. Darcy e, para aqueles não familiarizados com Orgulho e Preconceito, é a irascível relação entre ele e Elizabeth que dá o tom do enredo. Dentro dos limites autoimpostos ao projeto em questão, a transmutação dos personagens é simplesmente magnífica e realizada com uma sagacidade invejável que nos carrega até os minutos finais que, apesar de previsíveis, funcionam com uma bem-vinda praticidade.

Ahn e Booster fazem um belíssimo trabalho técnico-artístico que coloca o título na lista de melhores do ano: a acidez promovida pelos diálogos promove um resgate total à cultura LGBTQIA+, incluindo jargões e piadas que se envolvem em um prospecto crítico, denunciando preconceitos que homossexuais sofrem dentro da própria comunidade. Mais do que isso, o trabalho de representatividade racial é de extrema importância para o arco dos personagens – visto, por exemplo, no embate entre Noah e os insuportáveis Cooper (Nick Adams) e Rhys (Michael Graceffa). Nesse quesito, também temos a colaboração entre Ahn e Felipe Vara de Rey, diretor de fotografia, que articula uma transição didática da ambientação paradisíaca do primeiro ato, passando pela dureza de uma realidade sórdida no segundo e culminando nas reflexões amadurecidas do grand finale.

Contrariando nossas expectativas, Orgulho e Sedução se afasta do perigo de mergulhar nas rasas águas das fórmulas rom-com e entrega uma divertida aventura queer que merece ser conferida e apreciada em sua completude. O ambicioso longa engendra uma delineação tão convidativa de ser assistida, que chegamos ao fim com um gostinho de “quero mais” e um ímpeto quase imediato de voltar ao começo e se deliciar com a história.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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Um dos livros mais conhecidos e aplaudidos de Austen é, sem dúvida, Orgulho e Preconceito. A intrincada narrativa envolvendo Elizabeth Bennet e Fitzwilliam Darcy é considerada um epítome das dramédias familiares e deu origem à icônica releitura homônima estrelada por Keira Knightley (filme considerado um dos melhores do século por este mesmo que vos fala). Agora, a trama ganha uma roupagem modernizada e mais satírica com o lançamento de Orgulho e Sedução, produção que fornece ao atemporal conto um revestimento LGBTQIA+, carregado de representatividade e provando que Austen ainda pode ser relida das maneiras mais originais possíveis nos dias de hoje.

Talvez o aspecto mais emblemático do longa-metragem seja sua concisão e o fato de ser destinado a um público específico, a comunidade queer, querendo não fornecer explicações sobre o que significa fazer parte dessa parcela da sociedade, mas sim se afastar dos costumeiros dramas que vêm aparecendo no cenário mainstream e mostrar construções divertidas, leves e aprazíveis do começo ao fim. E é nesse universo exuberante que o diretor Andrew Ahn arquiteta uma singela e hilária aventura em uma ilha conhecida como Fire Island – uma espécie de refúgio que, como anunciado logo nas primeiras cenas, funciona como uma “Disneyland gay”. Aqui, o comediante Joel Kim Booster, que também empresta suas habilidades para o exímio e coeso roteiro, interpreta Noah, um jovem rapaz despreocupado com assuntos do coração e que carrega um mote bastante específico de estar livre para se relacionar com quem quiser e sempre permanecer ao lado de sua família.

Noah tem uma personalidade bastante peculiar que reitera tanto sua paixão por casos espontâneos quanto por ajudar aqueles que ama– principalmente Howie (Bowen Yang), seu melhor amigo que não se sente confortável em meio a um tóxico ambiente movido a heternormatividade, ao culto excessivo ao corpo e à superficialidade dos relacionamentos. Howie tem uma visão clara sobre o que quer para a vida e se resvala nas narrativas fabulescas de rom-coms em que achará o homem certo quando o destino quiser, nutrindo de inúmeras similaridades com Jane Bennet do livro original; não é surpresa, pois, que sua caracterização entre em conflito constante com Noah, cuja meticulosa tradução provinda de Elizabeth é um dos vários pontos altos do filme.

A ideia principal do nosso protagonista é fazer com que Howie tenha um caso no fim de semana que em eles e o restante de seus amigos vão para a ilha. E é óbvio que as coisas não saem como o esperado e, apesar de Howie se envolver com o charmoso e bondoso Charlie (James Scully), Noah enfrenta a “ira” do introspectivo e julgador Will (Conrad Ricamora) – que definitivamente não parece estar de acordo com a mescla dos dois grupos. Afinal, Will é a representação queer de Mr. Darcy e, para aqueles não familiarizados com Orgulho e Preconceito, é a irascível relação entre ele e Elizabeth que dá o tom do enredo. Dentro dos limites autoimpostos ao projeto em questão, a transmutação dos personagens é simplesmente magnífica e realizada com uma sagacidade invejável que nos carrega até os minutos finais que, apesar de previsíveis, funcionam com uma bem-vinda praticidade.

Ahn e Booster fazem um belíssimo trabalho técnico-artístico que coloca o título na lista de melhores do ano: a acidez promovida pelos diálogos promove um resgate total à cultura LGBTQIA+, incluindo jargões e piadas que se envolvem em um prospecto crítico, denunciando preconceitos que homossexuais sofrem dentro da própria comunidade. Mais do que isso, o trabalho de representatividade racial é de extrema importância para o arco dos personagens – visto, por exemplo, no embate entre Noah e os insuportáveis Cooper (Nick Adams) e Rhys (Michael Graceffa). Nesse quesito, também temos a colaboração entre Ahn e Felipe Vara de Rey, diretor de fotografia, que articula uma transição didática da ambientação paradisíaca do primeiro ato, passando pela dureza de uma realidade sórdida no segundo e culminando nas reflexões amadurecidas do grand finale.

Contrariando nossas expectativas, Orgulho e Sedução se afasta do perigo de mergulhar nas rasas águas das fórmulas rom-com e entrega uma divertida aventura queer que merece ser conferida e apreciada em sua completude. O ambicioso longa engendra uma delineação tão convidativa de ser assistida, que chegamos ao fim com um gostinho de “quero mais” e um ímpeto quase imediato de voltar ao começo e se deliciar com a história.

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