quinta-feira , 19 dezembro , 2024

Crítica | Para Minha Amada Morta

YouTube video

Um drama disfarçado de thriller que tem como trunfo a incerteza cotidiana

É realmente instigante ver os realizadores brasileiros do audiovisual cada vez mais dispostos a saírem do lugar comum, fazendo trabalhos artisticamente ricos e tematicamente inventivos, principalmente abordando gêneros distintos. Naturalmente, sem perder a identidade social tão presente na cinematografia canarinha. Quando o paulista Fernando Coimbra entregou “O Lobo Atrás da Porta” (2014), um fabuloso suspense policial com fortes veias rodriguianas, muitos puderem enfim notar que podemos e estamos fazendo filmes capazes de dialogar com os mais diversos gostos.

O ainda inédito “Mate-me Por Favor” (2016) é outro bom exemplo que ratifica essa atestação. Assim como o longa curitibano “Para Minha Amada Morta”, que vem para coroar e até desconstruir o cinema de gênero, e neste caso é um drama disfarçado de thriller. Onde acompanhamos o luto do fotógrafo criminal Fernando (Fernando Alves Pinto), que encara a dor da perda e depressão devido à morte da esposa. Nem mesmo seu filho é capaz de fazer com que Fernando retome a rotina diária. O sujeito passa os dias revirando tralhas pessoais da mulher, como porta-retratos, roupas ou antigos VHS. Num desses vídeos, Fernando descobre algo que o leva a um segundo luto, a desconstrução de uma imagem. [Talvez os comentários a seguir possam soar como spoilers, ainda que toda trama gire em torno do fato. Logo, caso não queira saber mais, indico ver o filme antes de ler adiante.]



ibkKUp8VKKCHcV

A revelação da traição de sua tão admirada companheira aumenta o abismo na vida de Fernando, principalmente depois de ouvir a falecida dizer que o amante foi “a melhor coisa que já lhe aconteceu”. Iniciando uma obsessão constante em descobrir quem é a pessoa, pelo seu entendimento, mais importante que o próprio fruto do casal. É como estar diante da vingança premeditada. Mas assim como dá outra cara a esposa, o diretor e roteirista que debuta seu primeiro longa, Aly Muritiba de certa maneira desconstrói ou reinventa o conceito de thriller. Não vemos cenas pulsantes ou grandes reviravoltas, mas a monotonia diária e a angustia de um homem.

Diferente do já citado longa comandado por Coimbra, Muritiba caminha por linhas mais sutis e aposta numa narrativa leve e cotidianamente incerta. Durante toda exibição vamos aos poucos percebendo que o protagonista está na verdade perdido, que não sabe ao certo que direção seguir. Os vários acontecimentos banais da trama levam Fernando a tomar rumos completamente inusitados. O que acaba sendo uma decisão inteligente por parte do cineasta, já que o público também não imagina o que vem pela frente. Deixando a atmosfera fílmica ainda mais tensa e causando grande expectativa no espectador, que se ver apreensivo a cada take ou gesto destacado – ainda que o primeiro ato apresente claros problemas de ritmo e soe um tanto prolixo.

Outra grande surpresa é a aparição (e também função) do tal amante, que ganha o nome de Salvador (Lourinelson Vladmir), e não por acaso parece mesmo salvar Fernando do marasmo que se encontra. Pois, de uma forma ou de outra, o homem vê sua vida mudar, respira agora novos ares e parece ter enfim se desprendido de certas convenções. Desse modo, Muritiba não só faz com que tudo e ao mesmo tempo nada aconteça dentro da vertente empreendida, como também usa a figura de conflito para um novo propósito. Tudo orgânico e absolutamente possível.

20061095525_6f5e092d23_k

Muito da credibilidade vista no protagonista se deve a elegante atuação de Fernando Alves Pinto, que bem como a narrativa, é sutil em sua interpretação. Com gestos delicados e naturais, mesmo tendo pouquíssimas linhas de diálogo, o ator não se deixa cair no melodrama e constrói sem exageros a imagem de alguém notavelmente abalado, que está prestes a implodir. Assim também é Lourinelson Vladmir, seu Salvador é igualmente crível e tridimensional. Por sinal, há um plano-sequência magistral, já no desfecho da fita, em que Vladmir divide uma cena tensa e memorável com Alves Pinto.

Sem duvidas, “Para Minha Amada Morta” é um belo começo na promissora carreira do baiano Aly Muritiba, pois já podemos notar marcas distintas em forma e estilo. Um trabalho de quem realmente tem total controle narrativo, que não utiliza de muletas ou diálogos expositivos para sustentar uma trama sólida, interessante e curiosa. Um filme que mesmo autoral por essência, deve ser acessível para diferentes plateias. Um resultado no mínimo louvável.

Texto originalmente publicado na cobertura do VIII Janela Internacional de Cinema do Recife.

YouTube video
Wilker Medeiroshttps://www.youtube.com/imersaocultural
Wilker Medeiros, com passagem pela área de jornalismo, atuou em portais e podcasts como editor e crítico de cinema. Formou-se em cursos de Fotografia e Iluminação, Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica, Forma e Estilo do Cinema. Sempre foi apaixonado pela sétima arte e é um consumidor voraz de cultura pop.

Siga-nos!

2,000,000FãsCurtir
372,000SeguidoresSeguir
1,620,000SeguidoresSeguir
195,000SeguidoresSeguir
162,000InscritosInscrever

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

MATÉRIAS

CRÍTICAS

Crítica | Para Minha Amada Morta

Um drama disfarçado de thriller que tem como trunfo a incerteza cotidiana

É realmente instigante ver os realizadores brasileiros do audiovisual cada vez mais dispostos a saírem do lugar comum, fazendo trabalhos artisticamente ricos e tematicamente inventivos, principalmente abordando gêneros distintos. Naturalmente, sem perder a identidade social tão presente na cinematografia canarinha. Quando o paulista Fernando Coimbra entregou “O Lobo Atrás da Porta” (2014), um fabuloso suspense policial com fortes veias rodriguianas, muitos puderem enfim notar que podemos e estamos fazendo filmes capazes de dialogar com os mais diversos gostos.

O ainda inédito “Mate-me Por Favor” (2016) é outro bom exemplo que ratifica essa atestação. Assim como o longa curitibano “Para Minha Amada Morta”, que vem para coroar e até desconstruir o cinema de gênero, e neste caso é um drama disfarçado de thriller. Onde acompanhamos o luto do fotógrafo criminal Fernando (Fernando Alves Pinto), que encara a dor da perda e depressão devido à morte da esposa. Nem mesmo seu filho é capaz de fazer com que Fernando retome a rotina diária. O sujeito passa os dias revirando tralhas pessoais da mulher, como porta-retratos, roupas ou antigos VHS. Num desses vídeos, Fernando descobre algo que o leva a um segundo luto, a desconstrução de uma imagem. [Talvez os comentários a seguir possam soar como spoilers, ainda que toda trama gire em torno do fato. Logo, caso não queira saber mais, indico ver o filme antes de ler adiante.]

ibkKUp8VKKCHcV

A revelação da traição de sua tão admirada companheira aumenta o abismo na vida de Fernando, principalmente depois de ouvir a falecida dizer que o amante foi “a melhor coisa que já lhe aconteceu”. Iniciando uma obsessão constante em descobrir quem é a pessoa, pelo seu entendimento, mais importante que o próprio fruto do casal. É como estar diante da vingança premeditada. Mas assim como dá outra cara a esposa, o diretor e roteirista que debuta seu primeiro longa, Aly Muritiba de certa maneira desconstrói ou reinventa o conceito de thriller. Não vemos cenas pulsantes ou grandes reviravoltas, mas a monotonia diária e a angustia de um homem.

Diferente do já citado longa comandado por Coimbra, Muritiba caminha por linhas mais sutis e aposta numa narrativa leve e cotidianamente incerta. Durante toda exibição vamos aos poucos percebendo que o protagonista está na verdade perdido, que não sabe ao certo que direção seguir. Os vários acontecimentos banais da trama levam Fernando a tomar rumos completamente inusitados. O que acaba sendo uma decisão inteligente por parte do cineasta, já que o público também não imagina o que vem pela frente. Deixando a atmosfera fílmica ainda mais tensa e causando grande expectativa no espectador, que se ver apreensivo a cada take ou gesto destacado – ainda que o primeiro ato apresente claros problemas de ritmo e soe um tanto prolixo.

Outra grande surpresa é a aparição (e também função) do tal amante, que ganha o nome de Salvador (Lourinelson Vladmir), e não por acaso parece mesmo salvar Fernando do marasmo que se encontra. Pois, de uma forma ou de outra, o homem vê sua vida mudar, respira agora novos ares e parece ter enfim se desprendido de certas convenções. Desse modo, Muritiba não só faz com que tudo e ao mesmo tempo nada aconteça dentro da vertente empreendida, como também usa a figura de conflito para um novo propósito. Tudo orgânico e absolutamente possível.

20061095525_6f5e092d23_k

Muito da credibilidade vista no protagonista se deve a elegante atuação de Fernando Alves Pinto, que bem como a narrativa, é sutil em sua interpretação. Com gestos delicados e naturais, mesmo tendo pouquíssimas linhas de diálogo, o ator não se deixa cair no melodrama e constrói sem exageros a imagem de alguém notavelmente abalado, que está prestes a implodir. Assim também é Lourinelson Vladmir, seu Salvador é igualmente crível e tridimensional. Por sinal, há um plano-sequência magistral, já no desfecho da fita, em que Vladmir divide uma cena tensa e memorável com Alves Pinto.

Sem duvidas, “Para Minha Amada Morta” é um belo começo na promissora carreira do baiano Aly Muritiba, pois já podemos notar marcas distintas em forma e estilo. Um trabalho de quem realmente tem total controle narrativo, que não utiliza de muletas ou diálogos expositivos para sustentar uma trama sólida, interessante e curiosa. Um filme que mesmo autoral por essência, deve ser acessível para diferentes plateias. Um resultado no mínimo louvável.

Texto originalmente publicado na cobertura do VIII Janela Internacional de Cinema do Recife.

YouTube video
Wilker Medeiroshttps://www.youtube.com/imersaocultural
Wilker Medeiros, com passagem pela área de jornalismo, atuou em portais e podcasts como editor e crítico de cinema. Formou-se em cursos de Fotografia e Iluminação, Teoria, Linguagem e Crítica Cinematográfica, Forma e Estilo do Cinema. Sempre foi apaixonado pela sétima arte e é um consumidor voraz de cultura pop.

Siga-nos!

2,000,000FãsCurtir
372,000SeguidoresSeguir
1,620,000SeguidoresSeguir
195,000SeguidoresSeguir
162,000InscritosInscrever

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

MATÉRIAS

CRÍTICAS