sexta-feira, abril 26, 2024

Crítica | ‘Queda Livre’, documentário da Netflix, denuncia as falcatruas da famosa empresa aérea Boeing

A empresa aérea Boeing é uma das mais conhecidas e respeitadas da história da aviação – mas isso não significa que não tenha cometido erros gravíssimos ao longo de sua existência. É justamente isso que o documentário ‘Queda Livre: A Tragédia do Caso Boeing’, da Netflix, procura explorar: como uma instituição que surgiu como forma de encurtar as distâncias entre diferentes pessoas do mundo se rendeu ao mero lucro e colocou em xeque sua reputação, além de ter causado a morte de quase 350 pessoas.

É claro que a gigante do streaming várias vezes perde a mão em suas produções originais, mas não é o caso deste longa-metragem. Dirigido por Rory Kennedy, realizadora conhecida por sua aclamada produção ‘Last Days in Vietnam’, a obra nos guia através de um caminho pernicioso que remonta ao lançamento oficial da Boeing nos Estados Unidos e detalha com didática impressionante como ela se vendeu ao capitalismo predatório e às ambições controversas de Wall Street, resultando em dois dos acidentes mais chocantes da década passada. Trazendo entrevistas com nomes importantes do cenário aeronáutico, incluindo breves comentários de Chesley “Sully” Sullenberger (que inspirou a ótima cinebiografia ‘Sully – O Herói do Rio Hudson’), o título é um dos grandes acertos da Netflix de 2022 e lança luz sobre as falcatruas que se escondem em uma sociedade movida essencialmente pelo dinheiro.

Para aqueles não familiarizados, as tragédias a que o filme se refere ocorreram em outubro de 2018 e em março de 2019 – um número altíssimo dentro do universo da aviação. O primeiro envolveu uma aeronave da Lion Air, enquanto o segundo, na Ethiopian Airlines; ambos unidos por um mesmo tipo de avião intitulado 737 MAX. A princípio, o público é levado a acreditar que a narrativa, assinada por Mark Bailey e Keven McAlester, irá recontar apenas de que forma os acidentes aconteceram, trazendo investigações por parte da perícia para determinarem a verdadeira causa. Entretanto, logo percebemos a máscara colocada para encobrir o real motivo – que inclui um omisso acordo fechado no final da década de 1990 e uma mudança drástica na ética da empresa que deu início a uma série de decisões problemáticas que prenunciaram uma regurgitação de segredos que há pouco tempo vieram a público.

Quando olhamos para o teor do documentário, parece que estamos lidando com uma carta de ódio direcionada a apenas uma companhia, como forma de desmoralizá-la e atrair clientela para sua concorrente – que, neste caso, é a Air Bus. Porém, não há nada além de fatos que Kennedy traz às telas, investindo esforços e uma estética bastante chamativa para construir tensão até nos levar a um estado catártico com revelações bombásticas de como o apreço pelo capital desmantelou a organização interna da Boeing. A principal mensagem deixada aqui é: quando a sede pela dominação capitalista fala mais alto que o bem-estar e a segurança das pessoas, nada pode acontecer além de uma calamidade.

Os três atos do filme, que se desenrolam em um frenesi de reviravoltas e documentos que pipocam de um lado para o outro, servem como reflexo de grupos elitistas que ainda insistem em afirmar uma superioridade execrável perante outrem. No caso do acidente com a Lion Air, os executivos da Boeing chegaram a criticar a educação aviária dos pilotos (que, ironicamente, haviam terminado seus estudos nos Estado Unidos); na Ethiopian, uma questão similar foi trazida a julgamento, ambos denunciando uma xenofobia velada contra povos do Oriente Médio e da Ásia. Afinal, o principal culpado foram os responsáveis pela 737 MAX e por uma “melhoria” conhecida como MCAS que simplesmente não foi mencionada aos pilotos ou estava com mal funcionamento.

O MCAS, acrônico para Sistema de Aumento de Característica de Manobra, é um software que foi introduzido nos aviões MAX 8 e 9 da linha 737 e que auxiliaria a nave a voltar ao seu estado normal quando em stall (para aqueles que não sabem, o stall ocorre quando o jato parece estar subindo, mas, na verdade, está descendo de forma inclinada). A melhoria foi aplicada aos modelos supracitados da Boeing para permitir que, em meio a problemas de stall, o nariz do avião fosse automaticamente empurrado para baixo, recuperando o equilíbrio e permitindo que ele voasse sem muitos problemas. Entretanto, não foi isso que aconteceu e, o que era para ser uma ajuda aos pilotos, acabou se tornando um prejuízo inestimável que abriu inquérito por parte das autoridades.

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O mais interessante da obra é o modo como se dispõe dos fatos apresentando, apostando fichas em uma cronologia que foge do convencional e vai e volta no passado para construir uma relação de causa e consequência, desde a compra da Boeing pela empresa privada McDonnell Douglas, em 1997, e a demissão em massa de boa parte dos funcionários originais como forma de implementar uma maquinaria que trabalhasse mais rápido, a pequenas falhas que se aglutinaram em uma bola de neve e deram origem a um dos julgamentos mais incabíveis da história contemporânea – visto que o próprio juiz responsável pela investigação se chocou com a omissão de informações por parte da empresa a seus empregados.

‘Queda Livre’ é uma bem-vinda surpresa ao catálogo da Netflix e desperta um senso crítico nos espectadores sobre como fachadas costumam cair nos momentos de maior desespero – e de que forma um nome tão importante quanto o da Boeing descarrilhou o próprio código em prol de uma corrida pelo controle dos céus e da total desvalorização da humanidade.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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