quinta-feira , 14 novembro , 2024

Crítica | Radioactive – Cinebiografia de Marie Curie é aquém à relevância do seu trabalho

Duplamente ganhadora do prêmio Nobel, Marie Curie é um nome marcante na história mundial e esta cinebiografia tenta compartilhar seu percurso de conquistas e realizações. Contudo, baseado no livro de Laura Redniss, o roteiro de Jack Thorne (Extraordinário) promove rupturas bruscas em tom documental, exagera lamúrias fúnebres e desenvolve diálogos pouco realísticos. 

Embora a adaptação seja mal estruturada, Radioactive possui o seu mérito na busca de representar a luta de Marie Curie (Rosamund Pike), nascida Maria Skłodowska, em defesa de suas ideias e escolhas numa sociedade totalmente patriarcal e moralista. Na Paris do final do século XIX, a imigrante polonesa tenta ganhar o seu espaço de pesquisa e respeito na Universidade de Paris Sorbonne, mas é descredenciada pelos seus colegas cientistas, encabeçados pelo Professor Lippmann (Simon Russell Beale). 



De outro lado, um casual encontro com o pesquisador Pierre Curie (Sam Riley) abre uma porta para a investigadora científica. Apesar da retratação dos acontecimentos ser sofrível, ambos os atores constroem personagens dignos. Rosamund Pike registra uma mulher diligente, dura e duvidosa das reais intenções – com razão – da ajuda de outro pesquisador. Já Sam Riley entrega um amante e admirador gracioso, ao mesmo tempo em que torna-se um obstáculo aos saltos de Marie. 

Juntos, eles apresentam ao mundo a descoberta da radioatividade, além de dois novos elementos químicos, Polônio e Rádio. Casados, com duas filhas, o anúncio da concessão do prêmio Nobel a Pierre Curie cai como uma bomba nas ambições da obstinada cientista. Com a narrativa em flashback, o filme começa em 1934, quando madame Curie é levada ao hospital em seus últimos dias e relembra a perda da sua mãe na infância. A técnica é um recurso habitual em cinebiografias, haja vista a recente Rocketman (2019) e A Dama de Ferro (2011). 

Em contrapartida, o roteirista Jack Thorne ousa em rupturas flash-forward para apresentar, quase que didaticamente, os malefícios e benefícios das descobertas de Curie no futuro. Há movimentos insistentes ao acontecimento da bomba atômica na cidade Hiroshima, em 1945, e o acidente nuclear em Chernobyl, em 1986, além do contraponto de um drama particular no tratamento do câncer infantil por radiação, em 1954, nos Estados Unidos. 

Este movimento de ida ao futuro histórico não é usual e bem utilizado. Até porque, ele corta o envolvimento do espectador com a construção da narrativa da biografada a fim de desenhar explicações descabidas ao momento. Fora os escorregões do enredo, o filme da franco-iraniana Marjane Satrapi manobra uma perspectiva amorosa para além da vida, semelhante a utilizada pelo roteirista Abi Morgan nas conversas entre Margaret Thatcher (Meryl Streep) e o seu falecido marido Denis Thatcher (Jim Broadbent), no já citado A Dama de Ferro

Famosa pela animação autobiográfica Persépolis (2007), Satrapi não se mostra tão inspirada neste projeto ao lidar com temas familiares às suas obras, como os fantasmas da xenofobia e do patriarcado. Isso porque as agruras da personagem são centradas em uma remota prisão sentimental ao marido e seu status civil, ao invés dos holofotes estarem sobre sua história de pioneirismo e representatividade feminina no mundo científico, além do seu impetuoso desapego a convenções. 

Apesar dos seus enormes feitos científicos, os franceses a julgaram por ser estrangeira, ateia e amante. Os contrastes para essas perseguições são apresentados apenas em frases soltas pelos personagens, tal como: “Não vou deixar a minha vida pessoal ser mais importante do que meu trabalho científico”, dita por Marie. Ou por sua filha Irène (Anya Taylor-Joy): “Deve ter sido muito difícil ter feito que você fez sendo uma mulher”. 

Lançado no Festival de Toronto 2019, Radioactive se assemelha mais a um docudrama televisivo do que a uma envolvente trama cinematográfica. Diferente, por exemplo, da representação da genialidade e percalços de cientistas como Alan Turing, em O Jogo da Imitação (2014), Stephen Hawking, em A Teoria de Tudo (2014) e John Nash, em Um Mente Brilhante (2001).

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Embora a adaptação seja mal estruturada, Radioactive possui o seu mérito na busca de representar a luta de Marie Curie (Rosamund Pike), nascida Maria Skłodowska, em defesa de suas ideias e escolhas numa sociedade totalmente patriarcal e moralista. Na Paris do final do século XIX, a imigrante polonesa tenta ganhar o seu espaço de pesquisa e respeito na Universidade de Paris Sorbonne, mas é descredenciada pelos seus colegas cientistas, encabeçados pelo Professor Lippmann (Simon Russell Beale). 

De outro lado, um casual encontro com o pesquisador Pierre Curie (Sam Riley) abre uma porta para a investigadora científica. Apesar da retratação dos acontecimentos ser sofrível, ambos os atores constroem personagens dignos. Rosamund Pike registra uma mulher diligente, dura e duvidosa das reais intenções – com razão – da ajuda de outro pesquisador. Já Sam Riley entrega um amante e admirador gracioso, ao mesmo tempo em que torna-se um obstáculo aos saltos de Marie. 

Juntos, eles apresentam ao mundo a descoberta da radioatividade, além de dois novos elementos químicos, Polônio e Rádio. Casados, com duas filhas, o anúncio da concessão do prêmio Nobel a Pierre Curie cai como uma bomba nas ambições da obstinada cientista. Com a narrativa em flashback, o filme começa em 1934, quando madame Curie é levada ao hospital em seus últimos dias e relembra a perda da sua mãe na infância. A técnica é um recurso habitual em cinebiografias, haja vista a recente Rocketman (2019) e A Dama de Ferro (2011). 

Em contrapartida, o roteirista Jack Thorne ousa em rupturas flash-forward para apresentar, quase que didaticamente, os malefícios e benefícios das descobertas de Curie no futuro. Há movimentos insistentes ao acontecimento da bomba atômica na cidade Hiroshima, em 1945, e o acidente nuclear em Chernobyl, em 1986, além do contraponto de um drama particular no tratamento do câncer infantil por radiação, em 1954, nos Estados Unidos. 

Este movimento de ida ao futuro histórico não é usual e bem utilizado. Até porque, ele corta o envolvimento do espectador com a construção da narrativa da biografada a fim de desenhar explicações descabidas ao momento. Fora os escorregões do enredo, o filme da franco-iraniana Marjane Satrapi manobra uma perspectiva amorosa para além da vida, semelhante a utilizada pelo roteirista Abi Morgan nas conversas entre Margaret Thatcher (Meryl Streep) e o seu falecido marido Denis Thatcher (Jim Broadbent), no já citado A Dama de Ferro

Famosa pela animação autobiográfica Persépolis (2007), Satrapi não se mostra tão inspirada neste projeto ao lidar com temas familiares às suas obras, como os fantasmas da xenofobia e do patriarcado. Isso porque as agruras da personagem são centradas em uma remota prisão sentimental ao marido e seu status civil, ao invés dos holofotes estarem sobre sua história de pioneirismo e representatividade feminina no mundo científico, além do seu impetuoso desapego a convenções. 

Apesar dos seus enormes feitos científicos, os franceses a julgaram por ser estrangeira, ateia e amante. Os contrastes para essas perseguições são apresentados apenas em frases soltas pelos personagens, tal como: “Não vou deixar a minha vida pessoal ser mais importante do que meu trabalho científico”, dita por Marie. Ou por sua filha Irène (Anya Taylor-Joy): “Deve ter sido muito difícil ter feito que você fez sendo uma mulher”. 

Lançado no Festival de Toronto 2019, Radioactive se assemelha mais a um docudrama televisivo do que a uma envolvente trama cinematográfica. Diferente, por exemplo, da representação da genialidade e percalços de cientistas como Alan Turing, em O Jogo da Imitação (2014), Stephen Hawking, em A Teoria de Tudo (2014) e John Nash, em Um Mente Brilhante (2001).

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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