domingo , 22 dezembro , 2024

Crítica | Seduced: Documentário aprofunda investigação da seita NXIVM

YouTube video

Quando, em 2017, eclodiram as notícias sobre o envolvimento da atriz Allison Mack em um culto transformando mulheres em escravas sexuais, não era difícil concluir que havia ali um prato cheio para os documentaristas. Pessoas, ricas, famosas e influentes sendo vítimas de filosofias baratas e papo predatório de coach, que você a princípio diria que não são capazes de enganar alguém em sã consciência — até perceber o tamanho do prejuízo psicológico que fez nas suas vítimas. Se The Vow, da HBO, traz um olhar mais amplo e por vezes genérico ou obtuso do NXIVM, ‘Seduced’ volta a sua narrativa para a história de uma das sobreviventes: India Oxenberg, que aqui tem voz e vez.

Embora parta de uma estrutura tradicionalista ancorada em depoimentos em primeira pessoa e imagens de arquivo, o novo documentário do Starzplay atinge uma objetividade esclarecedora a partir da escolha que faz de contar a história de fora para dentro, e não de dentro para fora. Cecilia Peck parte das experiências da atriz Catherine Oxenberg e sua filha tendo o primeiro contato com o grupo aparentemente inocente para apresentar ao público aos poucos a sua complexa estrutura, sem cometer o pecado de esconder o lide. No início, elas não sabem exatamente no que estão entrando — Catherine, embora não tenha feito parte do culto, sente a culpa por ter sido quem o apresentou à filha, que se tornou uma das vítimas de Keith Raniere. À medida que elas contam sobre as reuniões e o que as atraía para as próximas etapas e a continuar participando, vamos também conhecendo os artifícios psicológicos que faziam as pessoas retornarem e seguirem participando do processos, com o auxílio de especialistas em cultos e jornalistas que chegaram a publicar reportagens denunciando o comportamento predatório de Raniere. 



O acesso de Peck e da montadora Inbal B. Lessner a ex-membros do culto de Raniere, dispostos a falar em câmera e a contribuir para a construção da emaranhada teia de subdivisões do NXIVM, é essencial não apenas para que o espectador tenha em mente a real extensão do culto como também para não tornar a história individualizada. Enquanto The Vow traz um olhar mais voltado para as manipulações psicológicas e muitas vezes trata o abuso sexual como consequência, e não objetivo, faz um excelente trabalho no sentido de esclarecer como o NXIVM funcionava em várias frentes e como isso fez com que durante tanto tempo os atos do líder da seita ficassem encobertos. Ele se alonga nos processos de introdução e no fato de tantas pessoas estarem distantes da DOS, etapa que de fato funcionava para escravizar sexualmente as mulheres. Isso, apesar de fazer de The Vow um documentário mais extenso horizontalmente, o torna menos aprofundado. É nesse aprofundamento que ‘Seduced’ se destaca. 

Por isso, é quase como se os dois funcionassem de forma complementar, ainda que suas execuções não tenham relação e quase tudo neles seja antagônico. Embora India Oxenberg seja personagem nos dois materiais, apenas nesse é que ela diz a sua versão e tem o poder da fala,e  isso nos concede uma perspectiva pessoal mais contundente e tocante que qualquer relato difícil ou quantas vezes o programa da HBO repita a rotina das mensagens de texto e das punições para as mulheres escravizadas que não as respondessem dentro do tempo estipulado. 

Assista também:
YouTube video


Para Peck, a documentarista, era importante que a história fosse contada da perspectiva das mulheres, das entrevistadas às assistentes de produção. Tal determinação é sentida principalmente através da sensibilidade com que a câmera lida com os momentos mais dolorosos para as personagens, sem fazer com que o fato de elas eventualmente se emocionarem ou embargarem a voz se torne mais importante do que o conteúdo sendo transmitido. Não há manipulação emocional ou ganchos sensacionalistas repletos de promessas espalhafatosas e eventualmente vazias, e existe uma distinção clara — não semântica, mas fisicamente presente —  entre elas exercerem o papel de vítima ou o papel de sobreviventes. Aqui, o caso é o último.

Quando o documentário deixa que suas personagens façam perguntas do tipo “como eu fui doutrinada sem nem mesmo saber?” e “como eles nos fazem agradecer por esse tipo de abuso?”, isso são formas de devolver a elas agência. Quando, nos momentos iniciais, India diz que está cansada de buscar o próprio nome no Google e ler determinados termos associados a ela, ‘Seduced’ se dispõe a fazer ela, e tantas sobreviventes, terem o conforto e a lucidez para seguirem em frente. 

Seduced: Inside the NXIVM Cult estreia no Starzplay em 15 de novembro.

YouTube video

Mais notícias...

Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

Siga-nos!

2,000,000FãsCurtir
372,000SeguidoresSeguir
1,620,000SeguidoresSeguir
195,000SeguidoresSeguir
162,000InscritosInscrever

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

MATÉRIAS

CRÍTICAS

Crítica | Seduced: Documentário aprofunda investigação da seita NXIVM

Quando, em 2017, eclodiram as notícias sobre o envolvimento da atriz Allison Mack em um culto transformando mulheres em escravas sexuais, não era difícil concluir que havia ali um prato cheio para os documentaristas. Pessoas, ricas, famosas e influentes sendo vítimas de filosofias baratas e papo predatório de coach, que você a princípio diria que não são capazes de enganar alguém em sã consciência — até perceber o tamanho do prejuízo psicológico que fez nas suas vítimas. Se The Vow, da HBO, traz um olhar mais amplo e por vezes genérico ou obtuso do NXIVM, ‘Seduced’ volta a sua narrativa para a história de uma das sobreviventes: India Oxenberg, que aqui tem voz e vez.

Embora parta de uma estrutura tradicionalista ancorada em depoimentos em primeira pessoa e imagens de arquivo, o novo documentário do Starzplay atinge uma objetividade esclarecedora a partir da escolha que faz de contar a história de fora para dentro, e não de dentro para fora. Cecilia Peck parte das experiências da atriz Catherine Oxenberg e sua filha tendo o primeiro contato com o grupo aparentemente inocente para apresentar ao público aos poucos a sua complexa estrutura, sem cometer o pecado de esconder o lide. No início, elas não sabem exatamente no que estão entrando — Catherine, embora não tenha feito parte do culto, sente a culpa por ter sido quem o apresentou à filha, que se tornou uma das vítimas de Keith Raniere. À medida que elas contam sobre as reuniões e o que as atraía para as próximas etapas e a continuar participando, vamos também conhecendo os artifícios psicológicos que faziam as pessoas retornarem e seguirem participando do processos, com o auxílio de especialistas em cultos e jornalistas que chegaram a publicar reportagens denunciando o comportamento predatório de Raniere. 

O acesso de Peck e da montadora Inbal B. Lessner a ex-membros do culto de Raniere, dispostos a falar em câmera e a contribuir para a construção da emaranhada teia de subdivisões do NXIVM, é essencial não apenas para que o espectador tenha em mente a real extensão do culto como também para não tornar a história individualizada. Enquanto The Vow traz um olhar mais voltado para as manipulações psicológicas e muitas vezes trata o abuso sexual como consequência, e não objetivo, faz um excelente trabalho no sentido de esclarecer como o NXIVM funcionava em várias frentes e como isso fez com que durante tanto tempo os atos do líder da seita ficassem encobertos. Ele se alonga nos processos de introdução e no fato de tantas pessoas estarem distantes da DOS, etapa que de fato funcionava para escravizar sexualmente as mulheres. Isso, apesar de fazer de The Vow um documentário mais extenso horizontalmente, o torna menos aprofundado. É nesse aprofundamento que ‘Seduced’ se destaca. 

Por isso, é quase como se os dois funcionassem de forma complementar, ainda que suas execuções não tenham relação e quase tudo neles seja antagônico. Embora India Oxenberg seja personagem nos dois materiais, apenas nesse é que ela diz a sua versão e tem o poder da fala,e  isso nos concede uma perspectiva pessoal mais contundente e tocante que qualquer relato difícil ou quantas vezes o programa da HBO repita a rotina das mensagens de texto e das punições para as mulheres escravizadas que não as respondessem dentro do tempo estipulado. 

Para Peck, a documentarista, era importante que a história fosse contada da perspectiva das mulheres, das entrevistadas às assistentes de produção. Tal determinação é sentida principalmente através da sensibilidade com que a câmera lida com os momentos mais dolorosos para as personagens, sem fazer com que o fato de elas eventualmente se emocionarem ou embargarem a voz se torne mais importante do que o conteúdo sendo transmitido. Não há manipulação emocional ou ganchos sensacionalistas repletos de promessas espalhafatosas e eventualmente vazias, e existe uma distinção clara — não semântica, mas fisicamente presente —  entre elas exercerem o papel de vítima ou o papel de sobreviventes. Aqui, o caso é o último.

Quando o documentário deixa que suas personagens façam perguntas do tipo “como eu fui doutrinada sem nem mesmo saber?” e “como eles nos fazem agradecer por esse tipo de abuso?”, isso são formas de devolver a elas agência. Quando, nos momentos iniciais, India diz que está cansada de buscar o próprio nome no Google e ler determinados termos associados a ela, ‘Seduced’ se dispõe a fazer ela, e tantas sobreviventes, terem o conforto e a lucidez para seguirem em frente. 

Seduced: Inside the NXIVM Cult estreia no Starzplay em 15 de novembro.

YouTube video
Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

Siga-nos!

2,000,000FãsCurtir
372,000SeguidoresSeguir
1,620,000SeguidoresSeguir
195,000SeguidoresSeguir
162,000InscritosInscrever

ÚLTIMAS NOTÍCIAS

MATÉRIAS

CRÍTICAS