Na última semana, a segunda temporada de Loki chegou ao fim como uma grata surpresa. A cada novo episódio, a trama se tornava ainda mais interessante e prendia o público em uma gostosa sensação de não saber o que esperar da próxima semana. Desde que anunciaram a entrada do Multiverso no MCU, era justamente isso o que o público queria: ser surpreendido pelas possibilidades infinitas dessa ferramenta geralmente utilizada como um reset nos quadrinhos. E após uma primeira temporada decepcionante, ver como as mudanças no roteiro impactaram diretamente na qualidade do show, já serviu para descartar de vez aquele papo de que o problema estava nos personagens. Alguns diziam que o Loki já estava desgastado e que não havia mais o que fazer com ele. Então, Eric Martin, que já havia escrito os melhores episódios da primeira temporada, assumiu os roteiros para criar uma trama mais coesa, dando prioridade a interação entre seu elenco fantástico.
E trabalhar melhor o desenvolvimento de personagens tão misteriosos foi o que deu o charme da temporada. Tom Hiddleston (Loki) e Owen Wilson (Mobius) roubam a cena em uma das duplas de maior carisma de todo o Universo Cinematográfico Marvel, porque seus personagens enfim se entendem amigos e não apenas colegas de trabalho, passando por momentos simples em meio ao caos. É complicado dizer que há momentos em que vemos a desconstrução de Mobius, porque o trabalho de construção de personagem foi tão fraco na primeira temporada que ele sequer chegou a ter algum desenvolvimento. Aqui, questões pertinentes a ser uma pessoa de outra realidade foram integradas de forma coesa à trama e aos personagens.
Da mesma forma, o principal mérito dessa temporada é o senso de urgência. Por mais que eles andem por diversas linhas do tempo, agora efetivamente existe uma ameaça chegando. Loki sabe que não importa o quanto eles possam moldar o tempo, ainda assim não será tempo o bastante para impedir o fim de tudo. Isso impõe a ele, o grande catalisador do show, um ritmo frenético de não poder parar enquanto não resolver o problema. E por mais estranho que possa parecer, o Deus da Trapaça assume esse protagonismo heroico ao compreender que seu destino pode ser o fracasso, mas que seus fracassos podem ser a caneta que escreve a história. É tudo uma questão de perspectiva. Então, conforme ele vai entendendo, sua vilania é posta de lado por essa nova visão, digna dos maiores super-heróis da casa.
E falando sobre compreensão, ninguém abordou melhor a temática divina no MCU do que o Deus da Trapaça. Nesta temporada, ele está cansado e sem tempo, em meio a um grupo de pessoas sem orientação e sem a noção do tamanho do problema que está acontecendo. Isso dá a ele uma autoconsciência sensacional do que é ser um Deus. Cada diálogo dele envolvendo as reflexões da vida divina é melhor do que o outro. Fugiram do comum e investiram numa sabedoria surpreendente.
Dou outro lado da balança, as ameaças dessa temporada foram extremamente acertadas. Inicialmente, a figura demonizada era Aquele Que Permanece (Jonathan Majors) e sua variante, o inventor Victor Timely. Só que a questão do destino e como cada um pode escrever sua própria história entrou em jogo, mostrando que até mesmo os maiores lunáticos podem ter redenção dependendo do contexto de sua criação e desenvolvimento. Ver Timely trabalhando com o grupo e abdicando da vida de déspota é realmente interessante, porque é desenvolvido de forma que o público nunca tenha plena confiança em suas intenções.
Mas quem merece aplausos mesmo é a Senhorita Minutos (Tara Strong). A inteligência artificial em forma de reloginho da Disney roubou a cena com suas poucas participações, sendo peça central da temporada e se mostrando uma verdadeira psicopata. Sua paixão doentia pelo criador e seu desejo de ter um corpo humano para poder se relacionar fisicamente com ele foi tratado de forma extremamente desconfortável, além dela ter momentos bizarríssimos, como na cena em que ela vê um batalhão de soldados se explodido, com direito a som de ossos quebrando e sangue jorrando, e a Minutos encarando eles com um sorrisão no rosto, quase empolgada com a chacina. Numa produção com tantos vilões em potencial, aquela de aparência mais infantil se mostrar o maior monstro foi uma gratíssima surpresa.
Do lado dos ‘heróis’, a grande adição foi o Ouroboros de Ke Huy Quan. O ator vive uma fase maravilhosa, a melhor de sua carreira, e escalá-lo para esse papel, que explora ao máximo seu carisma, foi um acerto fenomenal do casting. OB é o principal pilar da AVT e passou séculos sendo esnobado. A energia do ator em cena, passando do nerdzinho excluído a alguém que entendeu sua própria importância com o passar dos episódios, é impressionante. E agora que ele é um ator premiadíssimo, fica a expectativa para que Loki tenha sido o segundo dos grandes trabalhos que surgirão para ele mostrar seu talento.
Outro ponto maravilhoso dessa temporada é a AVT. Desde a primeira temporada, a Agência de Variância Temporal já foi retratada de forma interessante. Sua estética de escritório dos anos 90 sempre despertou curiosidade. Por isso, a segunda temporada explorou mais os ambientes desse lugar alheio ao tempo, o que foi visualmente incrível e que passou a fazer bastante sentido depois do episódio que revelou as vidas originais dos heróis em suas respectivas linhas do tempo.
Se a série mantém um nível altíssimo nos primeiros episódios, explorando ao máximos os diferentes poderes e facetas da personalidade do Loki, ela se supera – e muito – na metade final. Os três últimos capítulos são dirigidos por Justin Benson e Aaron Moorhead, e escritos por Eric Martin. Então, olho neles! É bem provável que apareçam em breve em algum filme ou produção maior do estúdio, porque o que eles fizeram nessa reta final foi absurdo! Eles literalmente fizeram o público esperar pelo inesperado e consolidaram o desenvolvimento do Loki de forma brilhante. Esse trio conseguiu fazer com que seu carinho e amor pelo personagem fossem perpassados ao público. Não parecia ser apenas um trabalho, mas um projeto de envolvimento pessoal deles. O status atingido nesses episódios finais deveria ser usado como meta dentro da Marvel para suas próximas produções. Foi tudo tão grandiosamente bem feito que pareça difícil que qualquer coisa que venha daqui pra frente seja capaz de superar.
Para não dizer que tudo foi perfeito na produção, o ponto baixo foi a Sylvie. Não que a Sophia Di Martino estivesse mal, mas a personagem ainda não mostrou muito a que veio e segue como uma muleta para o protagonista. Faltou um episódio que desse maior impacto ou importância para ela. Tirando isso, absolutamente nada a reclamar. Poder acompanhar semanalmente os lançamentos da segunda temporada de Loki foi sensacional. Se deixar envolver pela trama, sem saber o que esperar da semana seguinte mostrou que a Marvel ainda pode se acertar nesse meio televisivo, contanto que traga uma equipe competente e dedicada. Uma incrível experiência ver esse time atingir seu Glorioso Propósito em uma época de baixa do MCU.
As duas temporadas de Loki estão disponíveis no Disney+.