quarta-feira , 20 novembro , 2024

Crítica | Sintonia – 3ª Temporada introduz luta política à trindade funk, crime e fé

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Na quebrada, antes de puxar o gatilho ou atirar uma pedra, as tensões são discutidas numa roda entre os “chefes” da comunidade. Dali sai o veredito do caso: perdão, reparação ou morte. Lançada em 2019 por Konrad Dantas (a.k.a Kondizilla), Felipe Braga e Guilherme Quintella, Sintonia, desde a primeira temporada, constrói uma intensa montagem e suspense a partir dessas rodas entre oponentes. A terceira temporada volta no ritmo das outras e inclui um novo tema: política. Assim, o enredo adiciona pimenta nas vidas agitadas dos amigos Doni (Jottapê Carvalho), Rita (Bruna Mascarenhas) e Nando (Christian Malheiros).

Os atores estão bem mais à vontade nos personagens e os “moleques” da Vila Áurea giram novas engrenagens. Em uma virada de rota, o primeiro episódio já começa com o relacionamento apaixonado e consolidado de Rita e Cleyton, o Formigão (MC M10). Após sua conversão ao evangelho de Cristo e o abandono da vida do crime, o jovem reencontra igualmente o caminho aos braços da jovem serva do Senhor. 



Para a moça, o filho do pastor Levi (Bruno Gadiol) é carta virada, mas não engolida. Seus laços com a comunidade e seus passos em direção à cúpula da igreja começam a incomodar a direção da “casa de Deus”. Seu desafio é disputar com outro membro da congregação a vaga evangélica às eleições de vereador(a) da cidade de São Paulo. Em outro dilema, como anunciado no último episódio da temporada anterior, Nando é agora um traficante conhecido nacionalmente e líder de organização criminosa procurado. 

Com uma carreira política à frente e uma de cantor em busca de consolidação, Rita e Doni se afastaram de Nando? Pelo contrário, o seriado reforça mais os laços entre os amigos de infância, porém todos vivem com cuidados redobrados. O final do primeiro episódio é marcado por uma surpresa na história. Um dos personagens chega perto de acertar suas contas com a justiça, mas como Sintonia busca realidade, o estado é representado por servidores inescrupulosos.

Nesta temporada, os roteiristas buscam mostrar como os jovens lidam com poder, dinheiro e paz de espírito. Se o dinheiro entra, o poder chega e a paz sai pela janela. Doni, de um rapaz sonhador e talentoso, tornou-se um boyzinho preguiçoso, mandão e abusado. A cena inicial é a sua caminhada pelas ruas de Paris, após o hit de parceria com MC Kevinho e Alok estourar e fazer uma turnê pela Europa. O namoro com Tally (Gabriela Mag) segue aos trancos e barrancos e os entorpecentes entram em cena. 

Sintonia não tem receio de colocar seus personagens em situações indigestas ao público, portanto, a empatia criada desde o início nos prende à história dos três amigos da periferia paulistana. Nesta temporada é mais evidente a falta de conselhos que os jovens carecem para construir um bom caminho e fazer melhores escolhas. 

A mãe de Doni é mais ausente depois da morte do marido e o sucesso do filho. Nando sempre teve que ser o chefe da casa desde os dez anos. Os seus “conselheiros”, na verdade, aproveitaram do seu abandono ao estenderem alguns dedos. Já Rita perdeu a mãe, foi rejeitada pelo pai e sua madrinha Sueli (Fernanda Viacava) lhe diz para orar a fim de encontrar respostas. Diversas vezes entre os seis novos episódios, a jovem diz que Deus não a responde. Em dilema entre a fé submissa aos dogmas da igreja e a sua verdadeira personalidade, Rita faz uma escolha política e madura. 

Depois de muito vacilar, Doni busca encontrar o caminho do perdão e da humildade perdida entre views do YouTube. Vale dizer que o personagem de Tally dá uma guinada, de uma influencer bonitinha a uma verdadeira rocha de suporte de Doni. O relacionamento dos dois se assemelha a diversos namoros entre influencers da mídia brasileira, com traições, polêmicas e notas de esclarecimento via Instagram

As redes sociais, aliás já presente anteriormente, mostram como as vozes da periferia começam a fazer eco na sociedade através da ferramenta, por exemplo, tem participação da YouTuber Foquinha e menção a Whindersson Nunes. As músicas, infelizmente, ficam em segundo plano desta vez. O seriado realiza apenas dois lançamentos, um da Mc Luzi (Fanieh): Respeita a mãe, e um “plágio” sertanejo de Doni: Foi no Piseiro. O personagem compôs ainda uma baladinha de desculpa para a namorada: No silêncio da noite

Além de Paris, a produção da série cruza a fronteira do Brasil-Paraguai, onde Nando começa a fazer “carreira internacional”. Ao seu lado, depois de dez anos preso e de diversas conversas por celular, Badá (Sandrão RZO) reaparece na comunidade. Após o nascimento do segundo filho, as tentativas de Nando de fazer um “último trabalho” para sair do crime o fazem perder diversas coisas, pessoas e a si mesmo. 

O enredo peca, às vezes, por romancear as escolhas da vida em comunidade, mas ao mesmo tempo é um roteiro que permite dar camadas e mais camadas a personagens que são meramente estampados nos jornais e julgados pelas outras classes sociais: é o funkeiro, o traficante, a beata da política. Trazer essas figuras subjugadas como protagonistas de um seriado é transmitir entendimento sobre vivências e dar um olhar mais empático ao cotidiano das nossas periferias.

Por essa e outras, entre erros e acertos, a série Sintonia continua dinâmica, interessante e potente. O episódio final é um conflito de guerra sem solução fácil. Espero, portanto, a quarta temporada e, acredito, a conclusão da trajetória desse trio.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Os atores estão bem mais à vontade nos personagens e os “moleques” da Vila Áurea giram novas engrenagens. Em uma virada de rota, o primeiro episódio já começa com o relacionamento apaixonado e consolidado de Rita e Cleyton, o Formigão (MC M10). Após sua conversão ao evangelho de Cristo e o abandono da vida do crime, o jovem reencontra igualmente o caminho aos braços da jovem serva do Senhor. 

Para a moça, o filho do pastor Levi (Bruno Gadiol) é carta virada, mas não engolida. Seus laços com a comunidade e seus passos em direção à cúpula da igreja começam a incomodar a direção da “casa de Deus”. Seu desafio é disputar com outro membro da congregação a vaga evangélica às eleições de vereador(a) da cidade de São Paulo. Em outro dilema, como anunciado no último episódio da temporada anterior, Nando é agora um traficante conhecido nacionalmente e líder de organização criminosa procurado. 

Com uma carreira política à frente e uma de cantor em busca de consolidação, Rita e Doni se afastaram de Nando? Pelo contrário, o seriado reforça mais os laços entre os amigos de infância, porém todos vivem com cuidados redobrados. O final do primeiro episódio é marcado por uma surpresa na história. Um dos personagens chega perto de acertar suas contas com a justiça, mas como Sintonia busca realidade, o estado é representado por servidores inescrupulosos.

Nesta temporada, os roteiristas buscam mostrar como os jovens lidam com poder, dinheiro e paz de espírito. Se o dinheiro entra, o poder chega e a paz sai pela janela. Doni, de um rapaz sonhador e talentoso, tornou-se um boyzinho preguiçoso, mandão e abusado. A cena inicial é a sua caminhada pelas ruas de Paris, após o hit de parceria com MC Kevinho e Alok estourar e fazer uma turnê pela Europa. O namoro com Tally (Gabriela Mag) segue aos trancos e barrancos e os entorpecentes entram em cena. 

Sintonia não tem receio de colocar seus personagens em situações indigestas ao público, portanto, a empatia criada desde o início nos prende à história dos três amigos da periferia paulistana. Nesta temporada é mais evidente a falta de conselhos que os jovens carecem para construir um bom caminho e fazer melhores escolhas. 

A mãe de Doni é mais ausente depois da morte do marido e o sucesso do filho. Nando sempre teve que ser o chefe da casa desde os dez anos. Os seus “conselheiros”, na verdade, aproveitaram do seu abandono ao estenderem alguns dedos. Já Rita perdeu a mãe, foi rejeitada pelo pai e sua madrinha Sueli (Fernanda Viacava) lhe diz para orar a fim de encontrar respostas. Diversas vezes entre os seis novos episódios, a jovem diz que Deus não a responde. Em dilema entre a fé submissa aos dogmas da igreja e a sua verdadeira personalidade, Rita faz uma escolha política e madura. 

Depois de muito vacilar, Doni busca encontrar o caminho do perdão e da humildade perdida entre views do YouTube. Vale dizer que o personagem de Tally dá uma guinada, de uma influencer bonitinha a uma verdadeira rocha de suporte de Doni. O relacionamento dos dois se assemelha a diversos namoros entre influencers da mídia brasileira, com traições, polêmicas e notas de esclarecimento via Instagram

As redes sociais, aliás já presente anteriormente, mostram como as vozes da periferia começam a fazer eco na sociedade através da ferramenta, por exemplo, tem participação da YouTuber Foquinha e menção a Whindersson Nunes. As músicas, infelizmente, ficam em segundo plano desta vez. O seriado realiza apenas dois lançamentos, um da Mc Luzi (Fanieh): Respeita a mãe, e um “plágio” sertanejo de Doni: Foi no Piseiro. O personagem compôs ainda uma baladinha de desculpa para a namorada: No silêncio da noite

Além de Paris, a produção da série cruza a fronteira do Brasil-Paraguai, onde Nando começa a fazer “carreira internacional”. Ao seu lado, depois de dez anos preso e de diversas conversas por celular, Badá (Sandrão RZO) reaparece na comunidade. Após o nascimento do segundo filho, as tentativas de Nando de fazer um “último trabalho” para sair do crime o fazem perder diversas coisas, pessoas e a si mesmo. 

O enredo peca, às vezes, por romancear as escolhas da vida em comunidade, mas ao mesmo tempo é um roteiro que permite dar camadas e mais camadas a personagens que são meramente estampados nos jornais e julgados pelas outras classes sociais: é o funkeiro, o traficante, a beata da política. Trazer essas figuras subjugadas como protagonistas de um seriado é transmitir entendimento sobre vivências e dar um olhar mais empático ao cotidiano das nossas periferias.

Por essa e outras, entre erros e acertos, a série Sintonia continua dinâmica, interessante e potente. O episódio final é um conflito de guerra sem solução fácil. Espero, portanto, a quarta temporada e, acredito, a conclusão da trajetória desse trio.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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