segunda-feira , 23 dezembro , 2024

Crítica | Soldado Estrangeiro – Documentário tenta decifrar porque brasileiros decidem lutar por outro país

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Com a intenção de trazer ao público um pertinente debate do paralelo entre o sonho estrangeiro e o poder da farda, José Joffily (Quem Matou Pixote) e Pedro Rossi (Caminho de Volta) acompanham a jornada de três brasileiros no exército na França, em Israel e nos Estados Unidos, respectivamente. Lançado no cinema no início de dezembro, o documentário possui altos e baixos. A história perde força ao escolher uma abordagem linear e uma separação em três atos para cada um dos seus personagens. 

A partir da história de Bruno Silva, morador de Mesquita, cidade da Baixada Fluminense, Soldado Estrangeiro começa ao mesmo tempo pragmático e emotivo. Com cenas do cotidiano de Bruno com a sua filha de cinco anos, seja a pintar suas unhas, seja a levá-la ao parque, o documentário constrói a imagem de um homem simples e aspirante a alcançar patamares impossíveis dentro da sociedade brasileira. 



Sem nunca falar diretamente com a câmera, Bruno expõe que o Rio de Janeiro é mais perigoso que uma situação de guerra. Segundo ele, “aqui o terrorismo é todo dia”. Com um conhecido na Légion Etrangère (Legião Estrangeira), em Paris, ele aposta todas as suas fichas na empreitada de lutar as batalhas de outra nação para sustentar sua filha no Brasil. Dispensado do serviço militar nacional obrigatório, por excedente, ele acredita ser esta uma segunda chance. 

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Após 25 minutos, o documentário muda de cenário e parte para a divisa da faixa de Gaza, entre Israel e Palestina. Lá, a câmera segue o jovem Mário Wasercjer no patrulhamento e treinamento com os colegas do exército israelense. Diferente do primeiro personagem, ele já está integrado ao seu ambiente de trabalho com uma arma na mão e um capacete na cabeça. 

Em determinado momento, no ambiente domiciliar, os diretores tentam extrair alguma reflexão do adolescente. Contudo, ele apenas afirma ter receio de dizer qualquer coisa e depois sofrer retaliações do governo. Segundo o jovem, os líderes do exército recomendam não dar opinião sobre questões políticas. Aliás, as imagens mostram um menino com uma arma na mão, uma masculinidade ainda em formação e uma mente acrítica. Com uma farda no peito, o jovem grita aos seus familiares que é o responsável pela proteção de todo o país. 

Sua história não tem uma motivação explícita, Mário fala apenas dos seus benefícios financeiros por conta do trabalho militar. É possível percebê-lo como um militar sem qualquer questionamento sobre o seu papel na sociedade, ele é uma peça da engenharia bélica do país. Felizmente, aos 58 minutos, Soldado Estrangeiro abandona o infantil milico para dar voz à luta judicial entre Felipe de Almeida e o governo dos Estados Unidos

Combatente na guerra no Afeganistão, o terceiro personagem sofre de estresse pós-traumático e não consegue encontrar um caminho de redenção no país pelo qual lutou. Neste terceiro ato, é constatada a intenção dos autores de fazer uma cadência entre início, meio e fim das carreiras militares internacionais. Contudo, a ideia torna a narrativa enfadonha, se o espectador não encontra um ponto de conexão com o personagem. 

Com uma longa lista de problemas, o último ato apela para o sentimentalismo ao mesmo tempo que tenta arrancar de Felipe uma perspectiva de vida, mas sem pedi-lo para contar o seu momento de decisão. Sem entrar em detalhes, o brasileiro luta por uma pensão para sobreviver após ter arriscado sua vida em nome dos Estados Unidos. Valeu a pena ter sido um franco-atirador? A gente não sabe a resposta.  

Sem questionar as escolhas dos seus personagens ou mesmo apresentá-las para além de benefícios monetários, Soldado Estrangeiro não responde às motivações dos homens deixarem sua pátria para um serviço de risco em outro território. Apenas a primeira história tem uma perspectiva de compreensão, as demais começam e terminam sem descascarem a superfície da proposta do documentário

A partir da montagem problemática, a narrativa seria mais eficiente em acompanhar os relatos em paralelo e traçar pontes entre esses seres humanos e suas motivações. Da forma que é apresentado, Soldado Estrangeiro começa promissor, porém submerge em tomadas longas sem acrescentar o discurso desses homens ao território de exploração. O que esse trabalho representa para eles? Quais são os obstáculos? Por que aquele país? São perguntas sem respostas. 

Segundo o documentário, Bruno sonha, Mário brinca e Felipe sofre. A realidade desejada pela obra está distante dessa costura sem bainha. Para finalizar, passagens de uma obra literária tentam preencher o vazio discursivo, porém é apenas um artefato decorativo num cenário em que mais vozes poderiam ser ouvidas e analisadas. 

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Com a intenção de trazer ao público um pertinente debate do paralelo entre o sonho estrangeiro e o poder da farda, José Joffily (Quem Matou Pixote) e Pedro Rossi (Caminho de Volta) acompanham a jornada de três brasileiros no exército na França, em Israel e nos Estados Unidos, respectivamente. Lançado no cinema no início de dezembro, o documentário possui altos e baixos. A história perde força ao escolher uma abordagem linear e uma separação em três atos para cada um dos seus personagens. 

A partir da história de Bruno Silva, morador de Mesquita, cidade da Baixada Fluminense, Soldado Estrangeiro começa ao mesmo tempo pragmático e emotivo. Com cenas do cotidiano de Bruno com a sua filha de cinco anos, seja a pintar suas unhas, seja a levá-la ao parque, o documentário constrói a imagem de um homem simples e aspirante a alcançar patamares impossíveis dentro da sociedade brasileira. 

Sem nunca falar diretamente com a câmera, Bruno expõe que o Rio de Janeiro é mais perigoso que uma situação de guerra. Segundo ele, “aqui o terrorismo é todo dia”. Com um conhecido na Légion Etrangère (Legião Estrangeira), em Paris, ele aposta todas as suas fichas na empreitada de lutar as batalhas de outra nação para sustentar sua filha no Brasil. Dispensado do serviço militar nacional obrigatório, por excedente, ele acredita ser esta uma segunda chance. 

Após 25 minutos, o documentário muda de cenário e parte para a divisa da faixa de Gaza, entre Israel e Palestina. Lá, a câmera segue o jovem Mário Wasercjer no patrulhamento e treinamento com os colegas do exército israelense. Diferente do primeiro personagem, ele já está integrado ao seu ambiente de trabalho com uma arma na mão e um capacete na cabeça. 

Em determinado momento, no ambiente domiciliar, os diretores tentam extrair alguma reflexão do adolescente. Contudo, ele apenas afirma ter receio de dizer qualquer coisa e depois sofrer retaliações do governo. Segundo o jovem, os líderes do exército recomendam não dar opinião sobre questões políticas. Aliás, as imagens mostram um menino com uma arma na mão, uma masculinidade ainda em formação e uma mente acrítica. Com uma farda no peito, o jovem grita aos seus familiares que é o responsável pela proteção de todo o país. 

Sua história não tem uma motivação explícita, Mário fala apenas dos seus benefícios financeiros por conta do trabalho militar. É possível percebê-lo como um militar sem qualquer questionamento sobre o seu papel na sociedade, ele é uma peça da engenharia bélica do país. Felizmente, aos 58 minutos, Soldado Estrangeiro abandona o infantil milico para dar voz à luta judicial entre Felipe de Almeida e o governo dos Estados Unidos

Combatente na guerra no Afeganistão, o terceiro personagem sofre de estresse pós-traumático e não consegue encontrar um caminho de redenção no país pelo qual lutou. Neste terceiro ato, é constatada a intenção dos autores de fazer uma cadência entre início, meio e fim das carreiras militares internacionais. Contudo, a ideia torna a narrativa enfadonha, se o espectador não encontra um ponto de conexão com o personagem. 

Com uma longa lista de problemas, o último ato apela para o sentimentalismo ao mesmo tempo que tenta arrancar de Felipe uma perspectiva de vida, mas sem pedi-lo para contar o seu momento de decisão. Sem entrar em detalhes, o brasileiro luta por uma pensão para sobreviver após ter arriscado sua vida em nome dos Estados Unidos. Valeu a pena ter sido um franco-atirador? A gente não sabe a resposta.  

Sem questionar as escolhas dos seus personagens ou mesmo apresentá-las para além de benefícios monetários, Soldado Estrangeiro não responde às motivações dos homens deixarem sua pátria para um serviço de risco em outro território. Apenas a primeira história tem uma perspectiva de compreensão, as demais começam e terminam sem descascarem a superfície da proposta do documentário

A partir da montagem problemática, a narrativa seria mais eficiente em acompanhar os relatos em paralelo e traçar pontes entre esses seres humanos e suas motivações. Da forma que é apresentado, Soldado Estrangeiro começa promissor, porém submerge em tomadas longas sem acrescentar o discurso desses homens ao território de exploração. O que esse trabalho representa para eles? Quais são os obstáculos? Por que aquele país? São perguntas sem respostas. 

Segundo o documentário, Bruno sonha, Mário brinca e Felipe sofre. A realidade desejada pela obra está distante dessa costura sem bainha. Para finalizar, passagens de uma obra literária tentam preencher o vazio discursivo, porém é apenas um artefato decorativo num cenário em que mais vozes poderiam ser ouvidas e analisadas. 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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