A modernidade vem apresentando, junto aos adventos tecnológicos que evoluem em uma velocidade absurda, novas formas de viver as relações interpessoais. De acordo com a obra do filósofo e sociólogo Zygmunt Bauman, o que ele chama de modernidade líquida, estabelece relações frágeis, que ele denomina como “Amor Líquido”. De forma bem (mas beem mesmo) genérica, o que o filósofo nos apresenta em sua obra é uma avaliação da forma como a facilidade para estabelecer conexões e desconexões entre pessoas que optam por se relacionar retira, em algum nível, a responsabilidade dos integrantes dessa relação sobre o outro (ou os outros) com quem se relacionam. E é nessa pegada que se inicia o romance escrito, dirigido e protagonizado pelo muso parisiense Louis Garrel.
Abel (Louis Garrel) vive uma relação aparentemente estável com Marianne (Laetitia Casta) quando ela se descobre grávida… de outro homem. E para deixar tudo mais dramático é do melhor amigo de Abel. O diálogo inicial do longa-metragem aborda, já de cara, a facilidade de desconexão das relações modernas. Palavras duras, verdades dolorosas e, acima de tudo, um ar tranquilo de superioridade mediante a situação. Se por um lado Marianne coloca friamente as cartas na mesa, Abel finge lidar calmamente com a situação. E então, seguindo o que Bauman nos apresenta, busca a compensação do vazio das relações líquidas em outras relações (fugazes, descartáveis). Os primeiros minutos do filme nos introduz na história desse casal pretensamente “desconstruído”. Mas o que se percebe, com a passagem de tempo que de fato nos leva à trama em si, é que entre Abel e Marianne existia sentimento mais duradouro e sólido, no qual especialmente Abel se ancora por todos os anos em que vivem separados.
Nove anos após o término o casal volta a se encontrar, após Marianne se tornar viúva. E quase que naturalmente voltar a viver com Abel, que sempre esteve emocionalmente a sua disposição. A relação estabelecida pelo casal principal dá ao personagem de Garrel o lugar da parte afetivamente responsável e entregue, enquanto a personagem de Laetitia comanda o relacionamento dentro do que é, aparentemente, sua zona de conforto. E é interessante perceber como que esse comportamento, onde o homem está no lugar mais sensível e a mulher no comando dos rumos afetivos da relação gera um sentimento estranho. Quase que antinatural dentro do contexto social que vivemos (ao menos aqui no BR). Essa “inversão” dos papéis usualmente vistos na sociedade dá ao personagem de Abel o tão conhecido título de “Homão da P***”, quando na verdade ele nada mais é do que uma pessoa apaixonada com algum nível de responsabilidade emocional e insegurança. As situações nas quais o personagem é colocado não diferem do padrão de mulheres que não são vangloriadas pelo simples fato de serem leais aos acordos que estabelecem em seus relacionamentos. Nesse sentido, “Um homem fiel” pode transitar entre um título que ressalta a dificuldade de se ter esses exemplares no gênero, e a supervalorização de uma atitude emocional que deveria ser a padrão (o famoso “biscoito”).
Desse lado do teclado prefiro acreditar na primeira opção… especialmente pela forma como o filme se desenrola. A conexão que Abel estabelece ao longo da trama com Ève (Lilly-Rose Depp), o coloca na posição de objetificado, reforçando essa teoria. Diversos elementos levam a crer que Loius Garrel, Florence Seyvos e Jean-Claude Carrièrre (responsáveis pelo roteiro), foram sensíveis buscando sair do lugar comum. As situações narradas pelos pontos de vista dos três personagens principais (Abel, Marianne e Ève) apresentam ao público a evolução dos sentimentos em situações tratadas com um humor sutil e inteligente e com uma boa pegada melodramática.
Um romance familiar desenvolvido dentro de um contexto familiar. Não se deve dizer que é mais um caso da arte imitando a vida. Mas o casal Louis Garrel (dirigindo e protagonizando) e Laetitia Casta (casadíssimos fora das telonas) tratando de temas tão fluidos em termos de relacionamentos enquanto casal dentro de cena dá aquela dúvida sobre como esse casal muso encara a monogamia na modernidade. Mas fato é que a intimidade entre os dois imprimiu na película certa naturalidade a uma abordagem de relacionamento ainda não tão naturalizada socialmente. No mais, o trabalho se desenrola sem grandes destaques para as atuações do enxuto elenco. O longa-metragem não inova no ritmo de romances, especialmente se comparados a outros produzidos pela indústria europeia. Por outro lado, não se pode dizer que reproduz a “receita de bolo” das comédias românticas estadunidenses. Mas é bastante provável que quem se agrada dessa receita gostará do filme de Louis Garrel.
O filme traz o questionamento de até que ponto padrões de relacionamento que geram tristeza e desconforto precisam ser tratados com naturalidade. Existe alguma pressão social para se adequar a novas formas de relação? Qual a grande diferença entre fidelidade e lealdade nas relações modernas? As nuances dessas questões são postas ao longo de todo o filme – que pode ser uma ferramenta interessante para avaliar as próprias relações. Mas com um olhar menos preso a problematizações sociais, o filme é uma opção que pode bater leve (como comédias românticas) para uns, ou denso para outros. Vale avaliar seu momento antes de se jogar (especialmente se for com um mozão mergulhadx nessas questões).