Wes Anderson é um dos diretores mais únicos a já terem passado pelo cenário audiovisual e se consagrou através de uma identidade automaticamente reconhecível – que inclui uma paleta de cores apoiada em tons pastéis e uma simetria orgásmica. Não é à toa que obras como ‘O Fantástico Sr. Raposo’ e ‘O Grande Hotel Budapeste’ ficaram eternizadas no escopo cinematográfico como algumas das grandes obras da contemporaneidade. Agora, dois anos depois desde seu último lançamento com ‘A Crônica Francesa’, Anderson retorna com uma ótima e divertida análise sobre o cosmos e sobre o sentido da vida com ‘Asteroid City’.
A trama mergulha de cabeça numa metadiegese espetacular, em que um especial de televisão apresenta, ao vivo, a exibição de uma peça teatral cujo nome é emprestado do título do filme. Aqui, somos apresentados a Conrad Earp (Edward Norton), um famoso dramaturgo que constrói uma história retrofuturista ambientada em meados dos anos 1970 e que nos leva para a idílica Asteroid City, uma cidadela em meio ao deserto de Nevada, na Califórnia, conhecida pela celebração do Dia do Asteroide – evento que marca a caída de um pequeno meteoro que se tornou ponto turístico. Anderson opta por uma divisão bem clara entre o mundo real, marcado pelo uso de um filtro preto-e-branco, e pelo microcosmos da peça, manifestada através de cores pastéis e uma luminosidade limpa e constante (demonstrando a aridez inescapável do local).
Já dentro do universo da obra, acompanhamos Augie Steenback, personagem vivido por Jones Hall (ambos interpretados por Jason Schwartzman em uma performance impecável), que é descrito como um fotógrafo de guerra que viaja com a família para a cidade para que o filho mais velho, Woodrow (Jake Ryan), um brilhante rapaz que participará de uma convenção astronômica que exibe invenções incríveis feitas por jovens e que os premiam com honrarias. Entretanto, Augie carrega consigo um fardo do qual não consegue se livrar: contar para os filhos que a mãe morreu há três semanas, fato que ele resolveu ocultar para protegê-los da dor da perda e da inevitabilidade do luto. Pedindo ajuda ao sogro (Tom Hanks), ele se vê num beco sem saída e percebe que precisa, uma hora ou outra, contar as tristes notícias.
Mas isso não é tudo: ainda que o elenco esteja revolto por uma cadência propositalmente inexpressiva, é notável como Schwartzman canaliza essa dor de forma inesperada e que reflete suas ações subsequentes – como, por exemplo, o afeto que passa a nutrir pela famosa atriz Midge Campbell, vivida por Mercedes Ford (Scarlett Johansson), que também está em Asteroid City para que a filha, Dinah (Grace Edwards), participe da convenção. Os dois personagens são, de certa maneira, reflexos dos artistas que os interpretam na vida real, cada qual nutrindo de problemas pessoais que só podem ser resolvidos longe de casa e fora de um cotidiano que é quase sempre igual.
Eventualmente, todos se reúnem para a celebração – uma das várias burocracias que, ao que tudo indica, parece acompanhar cada um dos protagonistas e coadjuvantes. O que eles não esperavam era a visita de um alienígena (que, apesar de não ter falas, é encarnado por Jeff Goldblum) que toma o asteroide para si e parte para sua terra natal, sem explicação, sem ameaças e sem ao menos ter um contato digno com os humanos. Porém, todos na cidade ficam em choque com a aparição de um extraterrestre, sendo obrigados a permanecer em quarentena por ordem do governo dos EUA até descobrirem o que fazer e garantirem que não comentarão sobre o assunto com ninguém.
A ideia de Anderson por trás do longa é muito mais profunda do que parece. Pelo material promocional divulgado antes da estreia do filme, acreditávamos que essa história seria uma mera recontagem de inúmeras outras que tratam do mesmo tema. Mas, ao colocá-la como imitação dos impulsos de um dramaturgo e garantir uma atmosfera metatextual em nada menos que três níveis diferentes, o cineasta aproveita para procurar uma resposta para o sentido da vida, apostando em questões existenciais que se ramificam de diversas maneiras para cada persona. Ora, em determinada cena, Jones sai no meio da peça, aproximando-se do dramaturgo e do diretor da peça, Schubert Green (Adrien Brody), perguntando qual é o sentido daquele enredo.
A resposta é simples: por mais que tentamos procurar metáforas, não as encontramos – porque nem mesmo os criadores dessa obra sabem quais são elas. De forma similar, o sentido da vida jogado como inferência pelo longa-metragem não tem uma resposta concreta, apenas um amontoado de suposições que não necessariamente representam o que todos pensam, mas partem de um princípio em comum de complacência e contemplação.
As incursões técnicas são soberbas como sempre e aproveitam o cenário desértico e inóspito para premeditar algo de estranho que se esconde na imensidão – afinal, nós somos uma parte ínfima de uma estrutura cosmológica em constante expansão. Há um diálogo entre o monocromático e o policromático das duas partes da produção que nos satisfaz por completo; a conhecida simetria de Anderson foge do óbvio em inúmeras sequências, aproveitando o ponto de fuga para construir uma regularidade incomum e, ao mesmo tempo, instigante. E é claro que não poderíamos deixar de comentar sobre o trabalho aplaudível do elenco que, para além dos que já mencionamos, traz nomes como Tilda Swinton, Maya Hawke, Steve Carrell, Bryan Cranston, Jeffrey Wright e muitos outros – cada qual com seu momento de glória.
‘Asteroid City’ pode não ser tão memorável quanto as outras produções de Anderson, mas não deixa de ser uma sólida entrada para sua carreira. As confluências e os convites feitos pelo cineasta nos deixam ansiosos por mais, reiterando o importante papel do realizador na atualidade e revelando que ele ainda tem muito a nos mostrar.