sábado, abril 27, 2024

Crítica | Weyes Blood entrega uma etérea jornada com o impecável ‘And In The Darkness, Hearts Aglow’

Em 2019, Natalie Mering, conhecida por seu nome artístico Weyes Blood, dava vida a um dos melhores álbuns não apenas daquele ano, mas também do século – o extremamente aclamado ‘Titanic Rising’, uma concepção pessimista sobre a problemática da vida que afirma que, no final das contas, todos iremos naufragar junto ao navio. Agora, quase meia década mais tarde, ela está de volta com um ambicioso projeto intitulado ‘And In The Darkness, Hearts Aglow’, uma resposta à obra predecessora e o segundo capítulo de uma trilogia que ainda há de se completar.

Mering sempre teve plena consciência do que queria fazer com sua arte e, seguindo os passos de nomes como Björk e Kate Bush, resolveu aproveitar as incríveis habilidades de composição e lírica para comandar cada uma de suas incursões visionárias e incríveis; e, enquanto ‘Titanic Rising’ lhe deu oportunidade de produzir as faixas ao lado de Jonathan Rado, sua nova propulsão ao cenário fonográfico lhe garantiu mais independência, abraçando cada uma das tracks com amor e respeito inexplicáveis – como se estivesse em uma espécie de relação simbiótica com o que gesta. O resultado não poderia ser diferente: o quinto disco da cantora e compositora é um etéreo e profundo relicário de sensações, uma sinestésica jornada que explora as imperfeições do ser humano e a complexidade da própria vida (afastando-se dos perigos de um maniqueísmo desmedido e garantindo que cada nota tocada seja a mais palpável possível).

Os breves 46 minutos se expandem em apenas dez faixas – o que significa que cada uma delas é mais longa que o mainstream pede para demonstrar um apelo mercadológico. Mas, dentro do universo da artista, as regras engessadas pela indústria da música não conseguem ultrapassar a barreira espectral de remodelações instrumentais pelas quais ela preza. É nessa configuração que essa aventura se inicia com “It’s Not Just Me, It’s Everybody”, uma cândida e atemporal balada guiada pelo piano e pela bateria e eternizada pelo mote “me perguntando se alguém realmente me conhece, se alguém me vê”. E, enquanto a faixa inicial já insurge como um dos ápices do álbum, nada poderia nos preparar para a sequência de pérolas musicais que a acompanham.

Há duas tracks que resumem as mensagens a que Mering nos expõe. A primeira delas é a evocativa “Children of the Empire”, uma explosão instrumental que renega a maximização espetacular, procurando um ponto de encontro entre os arranjos que despontam e a rendição irretocável da performer. A princípio, a profusão de instrumentos pode parecer estranha, oscilando entre sintetizadores robóticos, o dedilhar de cordas e as notas ácidas de um piano (tudo pincelado com um coro gospel que surge no refrão) – mas a mixórdia de sensações é um deleite para os ouvidos, principalmente aliada a versos como “nós não temos mais tempo para ficar com medo” e “filhos do império sabem, sabem que não são livres”.

A segunda, voltando-se para o minimalismo sonoro, é “God Turn Me Into a Flower”. Aqui, há uma celebração melancólica do enfrentamento dos problemas, em que a cantora clama por Deus para que ele a transforme em uma flor, um símbolo de força que é associado erroneamente à fragilidade – pois, quando ela cai, ela não se estilhaça como um copo de vidro. Cada nota proferida pelos sintetizadores ou pela multiplicidade de vozes é pensada com exímia cautela, adotando elementos teatrais que nos relembram de Fiona Apple e que se desvencilham de um melodrama desnecessário. Mesmo a duração longa da música não é o suficiente para desviar nossa atenção, como se fôssemos engolfados por um microcosmos ambíguo de desespero e reflexão.

A estrutura do disco parece não seguir parâmetros a que estamos acostumados: o fraseamento de Mering divide os versos como bem deseja, picotando as sílabas poéticas para fornecer mais ritmo às canções, por exemplo. Mas a coesão existe, como um fio invisível que une as faixas em um reverberante chamber-rock e folk-rock: tais estilos aparecem com mais detalhamento em “Hearts Aglow”, uma iteração de quase seis minutos que fala sobre o medo de se apaixonar e de enfrentar o desconhecido; já em “The Worst Is Done”, temos homenagens a Joni Mitchell e Blondie em uma investida mais animada e ritmada que entra em conflito com a pungente narrativa (“eles dizem que o pior passou, mas acho que apenas começou”); “Twin Flame”, contrariando as orientações aos subgêneros do rock, traz aspectos do new age, principalmente pela proeminência de seu caráter mais subjetivo e regido por uma bateria suave e acolhedora.

Não deixe de assistir:

‘And In The Darkness, Hearts Aglow’ é um espetáculo sonoro que consegue dizer mais do que propõe sem ao menos tangenciar o pedantismo artístico. Novamente, Natalie Mering (ou Weyes Blood, como preferir) cria mágica e dá continuidade a uma trilogia que tem tudo para entrar na lista dos melhores projetos musicais da história – e, caso continue seguindo a estética dessa obra-prima, sabemos que não será uma tarefa difícil.

Nota por faixa:

1. It’s Not Just Me, It’s Everybody – 5/5
2. Children of the Empire – 5/5
3. Grapevine – 4,5/5
4. God Turn Me Into a Flower – 5/5
5. Hearts Aglow – 4,5/5
6. And in the Darkness – 5/5
7. Twin Flame – 4,5/5
8. In Holy Flux – 5/5
9. The Worst Is Done – 5/5
10. A Given Thing – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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