Hoje, dia 15 de março, o ousado cineasta canadense David Cronenberg completa 80 anos de vida. O termo cult diz respeito a obras ou profissionais que não são exatamente populares com o grande público, mas possuem um grupo de adoradores (às vezes grande) que podem deixa-los na tênue linha entre a fama e a obscuridade. Quando falamos de cinema, existem os filmes populares que até mesmo sua vó ouviu falar. São filmes que rompem a barreira dos cinemas e entram na cultura popular e no dia a dia de pessoas que não costumam ir até os filmes. Os filmes cult geralmente são obras de gênero – terror, ficção científica – que já restringem sua abrangência de público, não sendo recomendadas para qualquer tipo de pessoa. É preciso ter paladar para o diferente, o estranho, o fora da caixinha.
Foi desta maneira que David Cronenberg começou sua carreira, no cinema de gênero – no caso o terror de baixo orçamento. Sua especialidade eram obras nojentas visualmente, que se concentravam no horror corpóreo, com doenças, machucados, mutações, que modificavam o corpo humano de forma grotesca. Era preciso estômago forte. Depois de anos como o rei do “terror venéreo”, Cronenberg foi se tornando mais mainstream, em obras de suspense e drama – foi quando colocou os pés no Oscar. Com seu último trabalho, ele retornou ao gênero que o consagrou.
Como forma de homenagear este grande criador de histórias, dono de uma tremenda imaginação, iremos ranquear TODOS os seus filmes, do pior ao melhor. Confira abaixo.
Crimes do Futuro (1970)
Calma, este não é o mais recente trabalho de David Cronenberg que chega como seu menos apreciado. Acontece que o diretor já havia feito um filme com o mesmo título, e na verdade foi seu primeiro longa rodado. De fato, pode-se notar certas semelhanças e talvez o diretor o tenha usado como base para o novo. Aqui também temos uma visão assustadora do futuro, com uma devastação completa promovida pela indústria de cosméticos, que erradicou da face da Terra todas as mulheres adultas.
M. Butterfly (1993)
Este foi o primeiro filme mais sóbrio da carreira de David Cronenberg após o diretor fazer seu nome em Hollywood. O longa está completando 30 anos de sua estreia em 2023. Baseado numa peça, Jeremy Irons interpreta um diplomata francês que se apaixona por uma cantora de ópera na China dos anos 1960.
Cosmópolis (2012)
Uma das produções mais novas de David Cronenberg, que se encontra na fase mais “sóbria” e, quem sabe, mais madura. O cineasta dá chance para Robert Pattinson mostrar o que sabe como um figurão de Nova York e as pessoas que o cercam. O longa se passa quase todo dentro de sua limusine.
Mapa para as Estrelas (2014)
Outro longa da fase mais prestigiada de David Cronenberg, este foi o segundo filme consecutivo do diretor, depois de Cosmópolis, a estrear no badaladíssimo Festival de Cannes. Quem protagoniza é Julianne Moore, e a proposta é uma descortinada na vida das estrelas de Hollywood, e os profissionais que os cercam.
Crash – Estranhos Prazeres (1996)
Talvez ‘Crash’ seja o filme mais “ame ou odeie” da carreira de David Cronenberg e um que com o passar dos anos muda a forma como é visto. Em sua época de lançamento atingiu status de cult e assim permaneceu por muito tempo. Mas hoje, a balança pende mais para os que não acham o longa isso tudo. A perturbadora história mostra um grupo de pessoas que sente prazer com acidentes de carros, cicatrizes e machucados.
Scanners – Sua Mente Pode Destruir (1981)
Primeiro filme de David Cronenberg que ficou realmente famoso, Scarnners fala sobre um grupo de indivíduos com habilidades telecinéticas poderosíssimas. Alguns a usam para seu próprio proveito, outros são treinados pelo governo para combatê-los.
Crimes do Futuro (2022)
Agora sim, estamos falando do mais recente filme da carreira de David Cronenberg. Nesta obra, o diretor volta às suas raízes do horror corpóreo, ao apresentar um futuro no qual as cirurgias plásticas são a nova forma de entretenimento, e onde o corpo humano começa a se mesclar com formas não orgânicas. Viggo Mortensen, Kristen Stewart e Léa Seydoux protagonizam.
Mistérios e Paixões (1991)
Baseado num livro tido como incompreensível, David Cronenberg se aventura a dar sua visão do texto, o transformando numa de suas obras mais esquisitas – o que é dizer muito, levando em conta sua filmografia. Quem protagoniza é o eterno Robocop, Peter Weller. Considerado “maravilhosamente bizarro”, o que vemos em tela faz parte das alucinações do protagonista.
Enraivecida na Fúria do Sexo (1977)
Título em português criativo para ‘Rabid’ (ou ‘raivosa’), este foi um dos primeiros filmes da carreira de David Cronenberg – e um que ganhou remake em 2019, com Laura Vandervoort, a Supergirl do seriado ‘Smallville’. Esse é um filme de zumbis diferente, cuja origem da epidemia é uma mulher que resolve passar por uma cirurgia plástica experimental e desenvolve estranho gosto por carne humana.
Um Método Perigoso (2011)
Esse foi o primeiro filme da fase “festivais” de David Cronenberg. Antes, alguns de seus filmes também haviam passado por estes tipos de evento, mas depois de ‘Um Método Perigoso’ os trabalhos do diretor pareciam voltados unicamente para isso. Aqui, ele resolve biografar Carl Jung, Sigmund Freud e Sabina Spielrein.
Existenz (1999)
Considerado na época o “anti-Matrix” por alguns críticos, essa produção de David Cronenberg lançada no mesmo ano do blockbuster com Keanu Reeves até aborda alguns dos mesmos temas – como realidade e o mundo virtual. A diferença é que o faz da maneira do diretor, repleto de sangue e vísceras, e de forma nua e crua.
Escuderia do Poder (1979)
No filme que é o ponto mais fora da curva da carreira de David Cronenberg, o diretor conta sobre um piloto em competições de carro. Classificado como drama e esportes, não existe nada que identifique este longa como sendo uma obra do cineasta. Esse foi um dos primeiros trabalhos de sua carreira, e o objetivo talvez tenha sido não ficar estigmatizado como diretor de gênero.
Calafrios (1975)
Aqui, neste segundo filme da carreira de David Cronenberg, o diretor já começava a ficar conhecido no meio cult. A ideia mirabolante do cineasta, completamente fora da caixinha, mistura filmes de zumbi com ‘Corrente de Mal’. Ou seja, moradores de um prédio dos subúrbios começam a se contaminar com um estranho parasita que por lá aparece. Os contaminados se transformam em sedentos por sexo, infectando outras pessoas com quem têm relações.
Os Filhos do Medo (1979)
Mais um da fase “nojeira” de David Cronenberg, aqui temos o que pode ser considerado a terceira parte de sua trilogia de filmes originais neste estilo, completando o trio com ‘Calafrios’ e ‘Enraivecida na Fúria do Sexo’. Curiosamente, o diretor disse que criou o filme como reflexo de um divórcio conturbado. Na trama, ex-marido e mulher lutam pela guarda da pequena filha. A mulher está metida com experiências terapeutas para lá de sinistras.
Videodrome – A Síndrome do Vídeo (1983)
David Cronenberg se viu em outra fase de sua carreira após ‘Scanners’, uma fase de filmes ainda chocantes, perturbadores e visualmente impactantes, no entanto, eram obras mais ambiciosas e de conceitos mais complexos. ‘Videodrome’ se encaixa nesse lote e fala sobre um programador de TV às voltas com um novo programa para sua emissora, literalmente fora da caixinha.
Spider – Desafie Sua Mente (2002)
Aqui, David Cronenberg adentrava uma nova fase de sua carreira, de filmes mais psicológicos e mais voltados ao drama. Começando por este longa protagonizado por Ralph Fiennes, o diretor deixava o horror visceral para trás e se concentrava nos terrores da mente. Na trama, Fiennes vive um homem mentalmente abalado, passando um tempo numa casa de recuperação. Sua mente, porém, o levará para partes de sua infância que havia esquecido.
Gêmeos – Mórbida Semelhança (1988)
Um cult ainda muito celebrado, o filme marca a primeira parceria de David Cronenberg com Jeremy Irons, depois repetida em M. Butterfly (1993). Aqui, Irons vive gêmeos, ambos ginecologistas, que possuem o mórbido hábito de se passarem um pelo outro, aproveitando o fato de que ninguém consegue distingui-los. O filme ganhou uma série atual com Rachel Weisz vivendo as gêmeas.
Na Hora da Zona Morta (1983)
Aqui duas mentes criativas do horror se encontravam: David Cronenberg e Stephen King. Todos os grandes diretores do gênero já adaptaram em algum momento um livro de Stephen King para o cinema – e Cronenberg escolheu este sobre um professor colegial que sofre um acidente de carro, fica em coma e quando acorda volta com o dom de ver o futuro e o passado de todos a quem toca.
Marcas da Violência (2005)
Na fase mais popular e recomendada para todos os públicos de David Cronenberg, o diretor conseguiu chegar até o Oscar. Essa foi a fase de suas obras mais prestigiadas. Este longa recebeu nomeações de melhor roteiro e ator coadjuvante (o saudoso William Hurt). Baseado numa história em quadrinhos adulta, Viggo Mortensen vive um homem de passado misterioso, levando uma nova vida como pai de família, dono de um restaurante numa cidadezinha. Mas seu passado ressurge e volta à tona.
Senhores do Crime (2007)
Esse foi o filme que David Cronenberg lançou logo após ‘Marcas da Violência’, e os dois seguem uma linha parecida – misturando suspense, drama e crime. Aqui o foco é a máfia russa – com um sujeito (papel de Viggo Mortensen) escalando a hierarquia de uma família mafiosa, ao mesmo tempo em que precisa lidar com o filho de um poderoso chefão, e o aparecimento de um bebê e uma enfermeira.
A Mosca (1986)
Não tem jeito. O maior clássico da carreira de David Cronenberg e o filme ao qual muitos ainda o associam é ‘A Mosca’. Isso significa sucesso e popularidade. ‘A Mosca’ marcou época e se tornou um dos filmes de terror mais assustadores dos anos 80. Isso porque traz muito drama em seu roteiro, e uma qualidade identificável, de um cientista egocêntrico que termina brincando de Deus e com a própria vida, e se tornando um monstro. O que muitos podem não saber é que se trata de uma refilmagem de uma obra B de terror dos anos 1950, e é também um dos maiores exemplos de remake melhor que o original.