Não existe época melhor para celebrar um filme, o revisitando, do que quando completa aniversário. O interessante é notar o quanto ainda segue relevante, ou se envelheceu mal, ficando datado nos efeitos, e ainda pior: em seu discurso. Cinema é história. Talvez seja o mais próximo do que realmente temos de uma máquina do tempo. Rever uma produção da década de 1930, por exemplo, pode ser uma experiência enriquecedora não apenas culturalmente, mas também um estudo, um aprendizado. É perceber o quanto determinada sociedade (e o mundo) evoluiu. É perceber as grandes diferenças do que era considerado normal e hoje não se aplica mais. É notar a evolução, mas também certas perdas de valores. Cada década guarda seu próprio apelo, e suas inclinações culturais.
Aqui, nesta nova matéria, não voltaremos tão longe assim no tempo, mas o suficiente para formar uma nova geração de adultos. Aqui iremos comentar sobre as produções que completam 20 anos de sua estreia em 2022. O tópico escolhido aqui, assim como numa matéria minha do ano passado, são as continuações de grandes sucessos do cinema – que há 20 anos lançavam suas tão aguardadas sequências. Você lembra de todas elas? Não esqueça de comentar abaixo quais assistiu nas telonas, quais as suas preferidas e quais acha que não envelheceram muito bem. Confira.
O Senhor dos Anéis – As Duas Torres
No início dos anos 2000, os cinemas mundiais foram dominados novamente por um gênero que estava adormecido: a fantasia medieval! Bruxos, feiticeiros, guerreiros e todo tipo de criatura mística e fantástica fizeram sucesso no passado como fonte do cinema escapista e de entretenimento. Antes do domínio dos super-heróis (que davam seu passo mais importante há 20 anos com o primeiro Homem-Aranha), quem reinou supremo nas bilheterias foram duas adaptações de livros de muito sucesso dentro de tal gênero – um recente e outro clássico. É claro que falamos de Harry Potter e O Senhor dos Anéis. O duelo das duas propriedades da Warner dominou as bilheterias no fim de 2001, e há 20 anos, entregavam suas primeiras continuações. No caso de Senhor dos Anéis, assim como os livros, trata-se de uma mesma história dividida em três partes. As Duas Torres é o capítulo do meio. Com orçamento de US$94 milhões, a trilogia cimentou o nome de Peter Jackson como um dos grandes de Hollywood. As Duas Torres foi indicado para 6 Oscar, levou 2, e se encontra atualmente entre os 14 filmes mais bem avaliados de todos os tempos pelo grande público do IMDB.
Harry Potter e a Câmara Secreta
No feriado de fim de ano de 2001, a Warner certamente dominou as bilheterias. Isso porque apostava no primeiro Harry Potter e no primeiro O Senhor dos Anéis (através da subsidiária New Line). A jogada era atrair o mesmo público, com filmes de teor similar, ou seja, magia e fantasia. Tudo bem que Harry Potter é mais recomendado para todo tipo de público e para toda a família, enquanto O Senhor dos Anéis é uma produção medieval mais classuda, séria e adulta, que influenciou, entre outras coisas, a série Game of Thrones. No ano seguinte, em 2002, as duas franquias voltavam a encher os cofres da Warner com suas continuações. A de Harry Potter soa mais como uma sequência realmente, com o segundo ano do bruxinho em sua escola de magia. Assim como Peter Jackson, Harry Potter repetia seu diretor com Chris Columbus. Embora muitos não saibam, ou não pareça, o segundo Harry Potter custou ainda mais caro que o segundo O Senhor dos Anéis, com orçamento de US$100 milhões. Já em retorno de bilheteria, A Câmara Secreta ficou abaixo de As Duas Torres, mas por pouco.
Star Wars – Episódio II: Ataque dos Clones
Tudo bem que o início dos anos 2000 pertenceu a franquias como O Senhor dos Anéis e Harry Potter, mas não podemos esquecer que há 20 anos era a vez do lançamento de mais um Star Wars também. Obviamente o fato não deve ser desprezado, afinal trata-se apenas de uma das maiores sagas cinematográficas de todos os tempos, quiçá “a” maior. Sim, o público estava mudando, e franquias como Harry Potter estavam moldando uma nova geração de cinéfilos. Mas os fãs hardcore de Star Wars não queriam saber de outra coisa a não ser o mais recente episódio da nova trilogia. A expectativa já não era tão grande quanto a do Episódio I, afinal quando A Ameaça Fantasma estreou em 1999, o último filme de Star Wars havia ocorrido em 1983. Mesmo assim, o hype não poderia ser maior para Ataque dos Clones, que traria um Anakin adolescente desta vez, mais cenas com Yoda, um novo vilão nas formas de Christopher Lee, o eterno Drácula, e até o caçador de recompensas das galáxias preferido dos fãs – ou quase. Fora isso, Ataque dos Clones foi uma produção ainda mais cara que a dos dois itens acima, com orçamento de US$115 milhões e a direção novamente de George Lucas.
007 – Um Novo Dia para Morrer
Mesmo com a presença de “novatos” do cinema como O Senhor dos Anéis e Harry Potter fazendo muito barulho com suas franquias recém-inauguradas, é preciso respeitar os mais velhos. Além de Star Wars, há 20 anos o cinema trazia também o novo exemplar da que é a saga mais duradoura da sétima arte: 007. Ainda com seu quinto intérprete, Pierce Brosnan, o ator entregava seu quarto e derradeiro filme na pele do maior espião da sétima arte, James Bond. Na verdade, a despedida foi a contragosto, já que os produtores decidiram substituir Brosnan por um ator mais jovem, embora o ator quisesse permanecer no papel mais algum tempo. O que selou esta decisão foi a recepção negativa de Um Novo Dia para Morrer, que atingia níveis de surrealismo e fantasia típicos da era Roger Moore, com carros invisíveis, armas laser, Bond de CGI fazendo parapente num maremoto e outras patacoadas. Fora isso, Um Novo Dia para Morrer é a sequência mais cara do cinema de 20 anos atrás, custando aos cofres da MGM/ United Artists a “bagatela” de US$142 milhões.
Jornada nas Estrelas – Nêmesis
Também conhecido por seu título original Star Trek, aqui temos outra franquia bem antiga do mundo do entretenimento. De certa forma, Jornada nas Estrelas é tão antigo quanto 007, tendo iniciado “seus trabalhos” ainda na década de 1960. A diferença é que 007 lançava filmes nos cinemas, enquanto Jornada nas Estrelas começou na forma de uma série de TV. Depois de cancelada e de fazer muito sucesso com as reprises, a franquia migrou para o cinema no fim da década de 1970, tentando pegar o público de Star Wars (cujo filme havia sido lançado dois anos antes). Depois de 6 filmes até 1991, o elenco original se aposentou. A esta altura, novas séries derivadas haviam estreado, sendo a mais famosa A Nova Geração, encabeçada por Patrick Stewart. Foi esta tripulação que ganharia novos filmes a partir de 1994, ao todo com 4 filmes, sendo este Nêmesis o último. O longa custou aos cofres da Paramount US$60 milhões.
MIB – Homens de Preto 2
O primeiro Homens de Preto foi o sucesso surpresa do verão norte-americano de 1997. Produzido por Steven Spielberg e com direção de Barry Sonnenfeld (A Família Addams), o filme cimentou o carisma e starpower do astro Will Smith, o garantindo na época o apelido de Sr. 4 de Julho. Acontece que esta foi a data em que seus dois recentes blockbusters haviam sido lançados então: Independence Day e Homens de Preto – calhando de ser também o feriado da independência dos EUA. Fazendo enorme barulho, MIB foi logo comparado a um herdeiro legítimo de Os Caça-Fantasmas (1984), misturando comédia, ação, ficção científica e cenas de terror de mentirinha. O que nem todos talvez saibam é que o longa é baseado em uma série de quadrinhos publicados pela Malibu Comics. Ao invés de investigadores e caçadores paranormais, a ideia aqui é por uma agência ultrassecreta do governo que controla a vida extraterrestre na Terra. Com tamanho sucesso, talvez os realizadores e a Columbia / Sony tenham esperado demais para a sequência, com cinco anos de hiato entre elas. Todos retornam para esta continuação, que custou US$140 milhões sendo a segunda sequência mais cara de 20 anos atrás. MIB 2 fez sucesso, mas não como o primeiro.
Austin Powers em o Homem do Membro de Ouro
A melhor sátira de 007 e filmes de espionagem no cinema, o primeiro Austin Powers se tornava um cult imediato e um sucesso despretensioso nos EUA em 1997, mesmo ano do primeiro Homens de Preto. No Brasil, o primeiro Austin Powers sequer chegou a ser lançado nos cinemas, mas assim como Pânico (1996) no ano anterior, fez tanto sucesso nas vídeo locadoras que uma comoção geral por parte do grande público clamava pela sequência nos cinemas. Assim, Austin Powers 2 chegava aos cinemas em 1999 com grande expectativa e brincava inclusive com o fato de que Star Wars – A Ameaça Fantasma seria o filme do ano, mas quem sabe sobrasse lugar para ele como a segunda opção. À altura que o terceiro saía do papel e era lançado três anos depois, as coisas haviam esfriado um pouco. Mesmo assim, com piadas traduzidas pela equipe do Casseta & Planeta no Brasil, o terceiro filme agradou e fez a alegria dos fãs, com Beyoncé no elenco e muitos momentos icônicos. O terceiro Austin Powers custou US$63 milhões para a New Line e até houve falatório de um quarto filme, possivelmente tendo Jennifer Lopez como parceira do espião – mas as piadas muito incorretas começavam a ficar datadas…
Blade II
Outra produção de sucesso da New Line, credita-se muito o sucesso do subgênero dos super-heróis no cinema ao primeiro Blade – O Caçador de Vampiros, de 1998. A verdade é que Blade não era uma aposta arriscada, afinal é um personagem do time C da Marvel, que graças ao filme começou a ser mais notado. Nem mesmo os fãs de quadrinhos podiam dizer com propriedade na época que era familiarizados com o matador meio humano, meio vampiro. Assim, numa época em que filmes do tipo apenas engatinhavam, Blade se garantiu mais nos gêneros da ação e do terror para fazer sucesso, sem que muitos espectadores se ligassem em sua verdadeira origem. Depois disso vieram X-Men (2000) e Homem-Aranha (2002), e Blade II chegava debaixo de certa expectativa. E o filme não decepcionou. Tão bom quanto, ou quem sabe ainda melhor que o original, a sequência ganhava a direção de ninguém menos do que o Oscarizado Guillermo del Toro, que ainda não era o ícone de hoje, mas já demonstrava enorme talento visual e narrativo. Grande parte dos fãs considera esta primeira sequência de Blade superior ao já ótimo original. A continuação custou US$54 milhões.
Dragão Vermelho
Aqui trapaceamos um pouco. Dragão Vermelho não é necessariamente a continuação de nenhum filme – e pode ser melhor definido como um remake ou uma pré-sequência. Quando fiz a matéria das maiores continuações de 2001 no ano passado, tratei de incluir o thriller Hannibal, a sequência declarada de O Silêncio dos Inocentes. O que acontece é que todos estes filmes são baseados nos livros do romancista Thomas Harris, sendo o primeiro deles esse Dragão Vermelho. De fato, a primeira adaptação deste livro ocorreu em 1986, com o filme intitulado Manhunter – no Brasil, Caçador de Assassinos. Com um elenco totalmente diferente, o filme fracassou, vindo a se tornar cult alguns anos depois. Tanto que quando O Silêncio dos Inocentes foi lançado e fez sucesso, poucos o ligavam à produção anterior, conseguindo se sustentar por si só. Mas após a sequência Hannibal, parecia existir um universo próprio para esta franquia, e assim a Universal Pictures achou por bem refazer o filme original, desta vez trazendo Anthony Hopkins como Hannibal Lecter e um elenco de peso. O filme custou US$78 milhões.
A Soma de Todos os Medos
Aqui temos um caso parecido com o do item acima. A Soma de Todos os Medos é parte de uma série de livros do escritor Tom Clancy. Usando como tema a CIA e o trabalho de espiões reais e modernos em intrigas internacionais, o personagem protagonista da maioria dos livros do autor é o analista Jack Ryan, que invariavelmente termina sempre tendo que trabalhar no campo. A primeira encarnação de Ryan nos cinemas veio nas formas de Alec Baldwin, num filme onde o personagem era coadjuvante de Sean Connery, o comandante de um submarino russo em Caçada ao Outubro Vermelho (1990). Depois disso, Jack Ryan se tornava protagonista de seus filmes e assumia as formas do astro Harrison Ford, em filmes como Jogos Patrióticos (1992) e Perigo Real e Imediato (1994). Há 20 anos, a proposta da Paramount era por uma espécie de reboot da franquia, com um Ryan mais jovem, desta vez nas formas de um iniciante Ben Affleck nos primeiros anos de serviço. Com um orçamento de US$68 milhões, o filme não atingiu o esperado nas bilheterias. Doze anos depois, um novo reboot era tentado, desta vez com um Ryan ainda mais jovem nas formas de Chris Pine em Operação Sombra (2014). Atualmente, o destino de Jack Ryan é em sua série de TV homônima da Amazon Prime Video, que já dura 3 temporadas, e tem John Krasinski no papel principal.
Bônus: O Escorpião Rei
Ano passado nesta mesma matéria pude falar sobre O Retorno da Múmia (2001), primeira continuação do sucesso A Múmia (1999). Nesta sequência, era introduzido um novo vilão: o Escorpião Rei, vivido por Dwayne Johnson em sua estreia nas telonas. O personagem aparecia pouco, apenas no início e no fim do filme (através de um efeito em CGI que envelheceu muito mal, ou talvez nem na época tenha sido bom), mas foi o suficiente para a Universal Pictures aproveitar o hype e tentar capitalizar em cima. Logo no ano seguinte de O Retorno da Múmia, o estúdio lançava o filme solo do Escorpião Rei, com a promessa de capturar os fãs da franquia com este derivado. E justamente por isso, o filme entra como bônus, por não se tratar verdadeiramente de uma continuação, mas sim um spin-off. Com um orçamento na casa dos US$60 milhões, O Escorpião Rei não atingiu o esperado e não abriu as portas para mais uma franquia – ou não da forma planejada, como uma superprodução nos cinemas, já que mais quatro filmes foram produzidos, todos para o mercado de vídeo.