Em um contexto de extrema censura do governo islâmico iraniano, o cinema se mantém graças a critiviade peculiar dos seus cineastas. Pupilo de Abbas Kiarostami (Cópia Fiel), um dos primeiros diretores do país a conquistar sucesso no ocidente, Asghar Farhadi deu uma nova dimensão ao cinema do Oriente Médio, atualmente com nomes impressionantes como Jafar Panahi (Táxi Teerã) e Mohammad Rasoulof (Não Há Mal Algum). Aliás, esses dois premiados cineastas foram presos junto com Mostafa Aleahmad (Poosteh) no último mês de julho acusados de tentar “inflamar e perturbar a segurança psicológica da comunidade iraniana” pelo governo.
Toda essa censura para contar as histórias da sociedade iraniana aumenta mais a curiosidade sobre elas. Os enredos de Asghar Farhadi são eficazes e brincam com a imaginação dos espectadores e suas próprias indagações morais. É impossível sair da sessão de um seus filmes de forma passiva. Sua linha de trabalho é contar muito, mostrando muito pouco, ou melhor, deixando o público preencher as lacunas.
Em cartaz em alguns cinemas brasileiros desde 28 de julho, Um Herói é um o mais novo exemplo de sua façanha premiada em Cannes, mas esnobado no Oscar em 2022. Do seu primeiro longa-metragem Dancing in the Dust (2003), sem tradução para o português, passando por suas produções na França e Espanha até o mais recente, o CinePOP propõe um ranking difícil entre as histórias instigantes de um dos roteiristas mais fascinantes da atualidade.
Se você ainda não conhece sua obra, ou mesmo o cinema iraniano, já passou da hora de investigar um dos trabalhos mais eficazes da sétima arte. Vamos à lista com as notas do público no IMDb e da crítica no Rotten Tomatoes (RT):
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Todos Já Sabem (2018) – IMDb 6.9 / RT 78%
Pela primeira vez completamente longe da sua cultura, Asghar Farhadi busca criar suspense familiar em um pequeno povoado na Espanha. Com o elenco ibero-americano dos sonhos Penélope Cruz, Javier Bardem e Ricardo Darín, o enredo constrói seus pontos de atritos durante uma festa de casamento, na qual a filha da personagem de Penélope Cruz desaparece e ela encontra-se em volta a questões do passado aprisionadas no seu presente e futuro. Como nas tramas anteriores do diretor, ações e reações, certo e errado marcam a tônica do filme, mas, desta vez, transforma-se mais em uma novela do que um estupefato desenlace. Por esta razão, o elenco estelar abre essa lista na última posição.
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Dancing in the Dust (2003) IMDb 6.7 / RT 71%
Sem título em português e distribuição no Brasil, “Dança na Poeira” (na tradução livre) é o primeiro filme para o cinema do diretor iraniano. Como toda primeira obra, ela é uma amostra do que seria o legado do renomado cineasta. Aqui já estão presentes os enlaces morais, as escolhas difíceis e os entremeios mantidos em segredo do público.
Um rapaz é socialmente obrigado a divorciar-se dias depois do casamento porque a sua esposa é filha de uma prostituta. No dilema entre sua família e sua nova companheira, o jovem Nazar (Yousef Khodaparast) trabalha dobrado para pagar as despesas do casamento e não tem como arcar com os custos do divórcio. Com uma trama complicada e ainda não tão bem trabalhada como as posteriores, o longo suplício do personagem nos escapa, por vezes, o interesse.
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Beautiful City (2004) – IMDb 7.6 / RT 90%
No dia do seu aniversário de 18 anos, ao invés de celebrar, Akbar (Hossein Farzi-Zadeh) chora copiosamente. Isso porque, aos 16 anos, ele matou sua namorada e agora ele deve ir para a prisão de adultos, onde esperará sua execução. A sentença, no entanto, pode ser alterada para prisão perpétua se o pai enlutado, Rahmati (Faramarz Gharibian), perdoar o crime do jovem.
É uma aula de como as leis no Irã funcionam num processo judicial labiríntico, onde as questões de vingança e “dinheiro de sangue” são postas em evidência. Ao mesmo tempo em que nasce um relacionamento de vida e morte entre o amigo do condenado (Babak Ansari) e a irmã dele (Taraneh Alidoosti), que buscam levantar o dinheiro para ganhar a simpatia de Rahmati e salvar a vida do jovem. Como sempre, nada é tão simples e Asghar Farhadi faz-nos entrar nos dilemas dos personagens.
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O Passado (2013) – IMDb 7.7 / RT 92%
Após o premiado A Separação, Farhadi realiza essa co-produção francesa-iraniana, com um protagonista iraniano, Ahmad (Ali Mosaffa), vindo do seu país de origem para assinar o divórcio com a sua ex-esposa francesa Marie (Bérénice Bejo). Quando ele chega, percebe que as coisas estão descarrilhadas na vida de Marie. A filha mais velha vive em conflito com ela por conta do seu novo namorado (Tahar Rahim), cujo a esposa está em coma e eles têm um filho pequeno.
Os problemas do passado superados por Ahmad parecem retornar e cada minuto uma nova informação faz a história mudar completamente de perspectiva. Não existem vilões e mocinhos, mas pessoas com problemas a colidirem umas com as outras. O Passado é uma história de colisões arquitetada admiravelmente. Vale lembrar que Bérénice Bejo (O Artista) levou a Palma de Ouro em Cannes por sua atuação.
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Um Herói (2021) – IMDb 7.5 / RT 97%
Depois do Grand Prix do Júri em Cannes no ano passado, Um Herói ficou de fora da lista do Oscar de Filme Estrangeiro para surpresa dos especialistas da sétima arte. A história é baseada em um fato real ocorrido no Teerã, tanto que a adaptação deste fait divers causou a acusação de plágio de uma ex-estudante do cineasta no Irã. Farhadi foi inocentado e a história rocambolesca de Rahim (Amir Jadidi) é um turbilhão de sensações. Segundo o próprio diretor/roteirista, esta é sua primeira história sem “informações escondidas”, no entanto, existem muitas dúvidas no ar.
Rahim está na prisão por causa de uma dívida que ele foi incapaz de pagar. Durante uma licença de dois dias, ele tenta convencer seu credor a retirar sua queixa contra o pagamento de parte da soma. Contudo, ele se envolve em um emaranhado de interesses que envolve vingança, poder midiático, justiça e paternidade. Difícil sair com fôlego.
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Quarta-Feira de Fogos de Artifício (2006) – IMDb 7.7 / RT 100%
Seu terceiro filme é realmente o seu ponto de partida para o exterior. Com lançamento no Festival de Locarno, Quarta-Feira de Fogos de Artifício é bem escrito e dá ao público um seguro vislumbre do talento emergente do roteirista e diretor.
Desconfiada da fidelidade do marido, Mozhde (Hedye Tehrani) vive em um dilema existencial, não dá atenção ao filho pequeno, deseja anular a viagem de férias, e não consegue arrumar a casa, que encontra-se numa baderna. Seu marido, então, contrata uma empregada para ajudá-la, a ingênua Roohi (Taraneh Alidoosti).
Durante a véspera do Ano Novo Islâmico, os personagens vivem um tumulto de desconfiança, segredos e mal-entendidos. O roteiro nos coloca na berlinda várias vezes e o nosso olhar muda de ponto de vista a cada novo detalhe. Esse é o primeiro filme de Farhadi a desenvolver uma ambientação claustrofóbica de desconforto entre o público e os personagens.
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O Apartamento (2016) – IMDb 7.7 / RT 96%
Os três primeiros filmes neste ranking apresentam o melhor do roteirista iraniano: ludibriar o espectador e fazê-lo não saber para onde correr. Quem tem razão nesta história ganhadora do Oscar? O Apartamento coloca na berlinda temas complexos e instigantes. Ali, é possível pensar em assédio, trauma, estupro, xenofobia, honra, tudo isso com o casal principal tendo que subir ao palco todas as noites para encenar uma peça.
Depois que seu apartamento é danificado, o jovem casal Emad (Shahab Hosseini) e Rana (Taraneh Alidoosti) deve mudar-se para outro apartamento. Uma vez realocados, uma súbita erupção de violência ligada ao inquilino anterior de sua nova casa muda drasticamente suas vidas, criando uma tensão latente entre marido e mulher.
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À Procura de Elly (2009) – IMDb 7.9 / RT 99%
Apresentado no Festival de Berlim, o longa ganhou o Urso de Prata de Melhor Direção. Já na onda de trazer um grande mistério para o centro da ação cheio de camadas a desvendar, o diretor iraniano conta a desventura de uma jovem professora infantil (Taraneh Alidoosti) que desaparece no norte do Irã no fim de semana na praia, no qual ela seria apresentada a um potencial pretendente.
Todos os personagens entregam veracidade e desespero na medida certa e nos instigam a não desgrudar os olhos de cada acontecimento. Por que ninguém da família de Elly sabia que ela estava lá? Dezenas de perguntas se acumulam e o desvelar é, na verdade, uma perpétua dúvida. Bem-vindo ao provocativo mundo de Farhadi.
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A Separação (2011) – IMDb 8.3 / RT 99%
Ganhador do Oscar de Melhor Filme Estrangeiro e indicado à categoria Melhor Roteiro Original, A Separação colocou o diretor iraniano no patamar dos grandes cineastas mundiais. Moralmente complexo, cheio de suspense e completamente envolvente, o longa captura a bagunça de um relacionamento em dissolução com uma percepção aguçada e um final abrasador.
Quando Nader (Payman Maadi), um funcionário do banco, se recusa a deixar Teerã, sua esposa, Simin (Leila Hatami) pede o divórcio na esperança de que ela possa dar uma vida melhor para sua filha no exterior. Precisando de alguém para cuidar de seu pai senil enquanto ele está no trabalho, Nader contrata Razieh (Sareh Bayat), uma mulher casada cujo xador esconde sua gravidez.
Um dia, após um ataque de raiva, Nader empurra Razieh e ela sofre um aborto espontâneo, levando seu marido a denunciar Nader à justiça. Como se posicionar numa história como esta?