Nicolas Cage, Alexander Skarsgard, Tessa Thompson, Boyd Holbrook, Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfield são alguns dos grandes nomes que passaram pelo Festival de Sundance 2021 com novos filmes.
E para coroar mais uma cobertura do evento feita pelo CinePOP, por meio da nossa jornalista Rafa Gomes, separamos um ranking com todos os filmes vistos durante os seis dias de festival do pior ao melhor. Confira!
18 – Cryptozoo
Com uma proposta profundamente ousada, a animação Cryptozoo – dirigida por Dash Shaw, apresenta um universo de criaturas míticas, que tentam sobreviver em meio a um mundo onde os seres humanos querem dominá-las e abusá-las. Dublada pelos atores Michael Cera e Zoe Kazan, a produção traz uma estética bem peculiar e autoral, que levemente se assemelha às animações do bloco Adult Swim, da WarnerMedia, onde vemos desenhos mais maduros como Rick and Morty e Uma Família da Pesada.
Peculiar e inquietante, a animação não é para todos. Premiada no Festival de Sundance com o Innovator Award, ela demora para cativar o público e sua estranheza absurda é desconfortável de um jeito pouco cativante. Com uma qualidade técnica que realmente impressiona, Cryptozoo está – notavelmente – à frente do seu tempo. Ainda assim, ela exige da audiência uma flexibilidade e ousadia
17 – Wild Indian
Makwa, um jovem menino Anishinaabe, teve uma vida difícil, sendo um sobrevivente de abuso doméstico. Ele e seu único amigo, Ted-O, gostam de se distrair brincando na floresta, até o dia em que Makwa mata um colega de escola de forma chocante. Depois de encobrir o crime, os dois meninos passam a viver vidas muito diferentes. Agora, como homens adultos, eles devem enfrentar a verdade do que fizeram e do que se tornaram.
Estrelado por Jesse Eisenberg e Kate Bosworth, o drama – que marca a estreia na direção de longas-metragens de Lyle Mitchell Corbine Jr. – é espetacular em seus dois primeiros atos, mas perde o seu rumo em sua última meia hora. Construindo uma narrativa rica e instigante, que arrebata a audiência, o longa se transforma em uma promessa não cumprida. Com um desfecho mediano, ele não honra a ousadia inicial do seu roteiro e deixa a audiência à deriva, esperando por mais. Lindamente dirigido, Wild Indian é incapaz de alcançar todo o seu potencial em tela.
16 – John and the Hole
Enquanto explora os bosques vizinhos, John (Charlie Shotwell), de 13 anos, descobre um bunker inacabado – um buraco profundo no solo. Aparentemente sem qualquer motivo, ele droga seus ricos pais (Michael C. Hall e Jennifer Ehle) e sua irmã mais velha (Taissa Farmiga), arrastando os seus corpos inconscientes para o bunker, onde os mantém presos. Enquanto esperam ansiosamente que John os liberte, o garoto volta para casa, onde pode finalmente fazer o que quiser.
O terror, originalmente planejado para ser lançado no Festival de Cannes 2020, é extremamente ambicioso e sustenta a sua narrativa de forma sólida e hipnotizante, nos intrigando a ponto de querer esmiuçar o que se passa no psicopata adolescente. No entanto, à medida em que a narrativa também cresce e se desenvolve com vigor até o final do seu segundo ato, o longa perece em um desfecho preguiçoso e blasé. Faltou no roteiro a mesma audácia do jovem John.
15 – How it Ends
No dia em que um asteroide está programado para obliterar a Terra, Liza (Zoe Lister-Jones) recebe um convite para uma última festa antes que tudo acabe. Ao longo do trajeto, ela decide se reconciliar com os amigos e familiares que a machucaram no passado, antes de se despedir desta vida. No entanto, ela descobrirá que acima de todos, ela precisará fazer as pazes consigo mesma.
Dirigido e roteirizado por Daryl Wein e Zoe Lister-Jones, a comédia dramática pré-apocalíptica traz uma bela e apaixonante mensagem, regada por um humor delicioso, que se intercala com uma proposta mais ácida, mas ao mesmo tempo mais doce. Gravado ao longo de toda a pandemia, a produção é ideal para estes tempos de incerteza, insegurança e reconciliação que todos temos vivido. Divertido, mas também profundo, How it Ends tem uma direção simples, mas reside na essência do seu roteiro, que nos leva a refletir sobre as escolhas que fazemos e sobre as cobranças que infligimos em nós mesmos.
14- Prisoners of the Ghostland
Na traiçoeira cidade fronteiriça de Samurai Town, um implacável ladrão de banco (Nicolas Cage) é libertado da prisão pelo rico senhor da guerra O Governador (Bill Moseley), cuja “neta” adotiva Bernice (Sofia Boutella) está desaparecida. O homem oferece ao prisioneiro sua liberdade em troca de recuperar a mulher. Amarrado em um terno de couro que se autodestruirá em cinco dias, o bandido sai em uma jornada para encontrar a jovem – e seu próprio caminho para a redenção.
O primeiro filme em língua inglesa feito pelo aclamado cineasta e poeta japonês Sion Sono é uma deliciosa e caótica surpresa, que traz Nicolas Cage explorando o lado mais exagerado de sua atuação. Divertido e explosivo, o longa é uma combinação de Mad Max 3: Além da Cúpula do Trovão com samurais. Caricato e cheio de referências ao cinema oriental, a produção não quer ser levada muito a sério e faz dos seus exageros uma experiência cinematográfica que inusitadamente beira o cômico.
13 – Passing
Irene Redfield (Tessa Thompson), uma refinada mulher de classe alta dos anos 1920, acidentalmente reencontra uma antiga colega de escola, Clare Kendry (Ruth Negga). Duas mulheres negras que conseguem “se passar” por brancas, elas optaram por viver em lados opostos da linha de cores. Com Clare se afeiçoando cada vez mais pelo estilo levado pela comunidade afro do bairro Harlem, ela vai gradativamente tentar se apropriar da vida que Irene leva com seu esposo e filhos.
Estreia na direção da atriz Rebecca Hall (Homem de Ferro 3), o drama de época – que conta com Alexander Skarsgard no elenco, traz uma bela fotografia em preto e branco e mostra os contrastes entre a comunidade caucasiana e afro-americana no auge da década de 20 – antes das Leis de Jim Crow, que oficializaram a segregação racial nos Estados Unidos. Com uma belíssima fotografia, o drama aborda questões pontuais como identidade, racismo e as consequências das nossas escolhas. Contemporâneo e bem dirigido, a maior fraqueza do longa é o seu final, que poderia ser um pouco mais confrontador. Ainda assim, Passing é uma ótima experiência cinematográfica.
12 – First Date
Mike, um adolescente apaixonado, finalmente cria coragem para convidar Kelsey para um encontro. Para tentar impressioná-la, ele usará suas economias para comprar o seu primeiro e mal acabado carro. Mal ele sabia que o veículo fazia parte de um rolo envolvendo tráfico de drogas, mafiosos e muito dinheiro. E o que era para ser um simples rolê a dois, se transformará em uma alucinante e caótica jornada que é – literalmente – tiro, porrada e bomba.
Dirigido e roteirizado pelos amigos Manuel Crosby e Darren Knapp, First Date é Superbad – É Hoje com esteroides. Hiperbólico em quase todos os aspectos, o filme gera uma leve estranheza em seus primeiros minutos, mas rapidamente conquista a audiência por sua ousadia, humor ácido e exageros. Com um elenco repleto de atores anônimos, a comédia mescla a estranheza natural da adolescência ao gênero de ação, proporcionando o riso frouxo. Com a proposta de ser puro entretenimento, a comédia é uma deliciosa pedida para se desligar do caos do mundo em que estamos vivendo.
11 – I Was a Simple Man
Masao é um idoso que está cada vez mais doente. Distante dos seus filhos e isolado em sua antiga casa na costa norte de Oahu (Havaí), ela começa a ter devaneios ligados à sua juventude e as escolhas feitas em seu passado. Cada vez mais debilitado e com seus últimos sopros de vida se aproximando, ele vai contar com a ajuda da sua desconfortável filha e neto – os poucos que decidiram lhe estender a mão após uma vida de ausência e distanciamento paterno. Seus dias finais serão marcados por dolorosas memórias que ainda o perseguem.
Dirigido pelo havaiano Christopher Makoto Yogi, I Was Simple Man é um simbólico e delicado relato sobre o fim da vida. Estrelado por Constance Wu, a produção faz um contraste entre o presente e o passado de um homem que escolheu abandonar a sua família, após uma perda. Com a abordagem narrativa com ares de Terrence Malick, o drama é uma experiência sinestésica e emocionante sobre o fim da vida.
10 – Rita Morena: Just a Girl Who Decided To Go For It
Talentosa, enérgica e cheia de alegria, Rita Moreno encanta o público há mais de 70 anos. Quer seja exibida na televisão, no cinema ou no palco, sua arte transcende o canto, a dança e a atuação, à medida que ela se reinventa continuamente e supera os limites criativos. Moreno é uma pioneira e uma das performers mais autênticas do nosso tempo, e ela tem o status EGOT para provar isso.
O documentário dirigido por Mariem Pérez Riera e produzido por Lin-Manuel Miranda passeia por todas as fases da vida da emblemática artista latina. Com uma memória excepcional e relatos fascinantes sobre a vida de imigrante em uma América profundamente preconceituosa, Moreno exala ainda mais o seu carisma, compartilhando momentos gloriosos e dolorosos de sua trajetória. Sua voz é ainda ecoada por entrevistas feitas com artistas latinos – como Miranda e Eva Longoria – que cresceram cercados pela influência da artista e que foram diretamente beneficiados pela forma como ela rompeu barreiras e fronteiras para conquistar Hollywood.
09 – Together Together
Quando Anna, de 26 anos, se torna uma barriga de aluguel de um designer de aplicativos solteiro e de meia-idade, chamado Matt, ela espera apenas poder pagar os seus estudos com o dinheiro que a nova função lhe trará. Mas enquanto o entusiasmo desenfreado de Matt o leva a se inserir persistentemente em sua vida e a convidá-la para a dele, Ana verá sua personalidade irritadiça se dissolver em um encantamento. Gradativamente, a dupla de solitários se abrirá um ao outro, cedendo à intimidade de sua experiência compartilhada e criando uma amizade improvável.
Ed Helms estrela essa comédia não romântica de forma primorosa. Subvertendo o seu próprio estereótipo, ele faz do geek Matt um personagem encantador para audiência, quase se aproximando de um “crush”. Sob a direção e roteiro da Nikole Beckwith, Together Together é uma deliciosa produção que nos faz apaixonar por uma ideia, nos embalando em uma trama cativante e com um final impactante.
08 – Eight for Silver
No final do século XIX, o brutal barão Seamus Laurent (Alistair Petrie) mata um clã romani, lançando uma maldição sobre sua família e vila. Nos dias que se seguem, os habitantes da cidade são atormentados por pesadelos, com o filho de Seamus desaparecendo e um outro garoto da comunidade morrendo. Caberá ao patologista visitante John McBride (Boyd Holbrook) combater essa nova e assustadora ameaça.
Sean Ellis faz de Eight for Silver uma experiência cinematográfica cativante. Como um filme de terror, o longa com Boyd Holbrook é rico em mistérios e jumpscares, à medida em que também constrói uma atmosfera de terror psicológico. Como um filme independente lançado em Sundance, a produção é um primor em sua qualidade técnica, conforme ainda aborda uma questão social profundamente importante: O reconhecimento da ancestralidade das terras nas quais hoje habitamos.
07 – R#J
Na bela Verona, uma guerra tão antiga quanto o tempo está se formando entre casas rivais, mas está sendo capturada de uma nova maneira. Montague e Capulet Gen Zers estão usando seus smartphones para documentar as erupções de violência que assolam suas comunidades. No meio de tudo isso, Romeu se apaixona por Julieta. Enquanto as tensões entre suas famílias aumentam, os dois imploram por paz e procuram desesperadamente por uma maneira de escapar de seu destino infeliz.
Carey Williams, eleito um dos Novos Rostos do Cinema Independente pela revista Filmmaker Magazine, faz a sua versão contemporânea do clássico Romeu e Julieta – de William Shakespeare. Seguindo uma premissa semelhante a de Buscando… e estrelado por Diego Tinoco (On My Block) e Russell Hornsby (O Ódio que Você Semeia), o longa é hipnotizante pela caracterização de seus personagens e pelo roteiro performático, que traz um novo vigor ao inesquecível conto. O casal mais famoso da literatura ganha uma roupagem diferente em meio ao universo das redes sociais e sua história nunca esteve tão contemporânea como agora.
06 – Judas e o Messias Negro
Judas e o Messias Negro não apenas relata o legado de Fred Hampton como líder dos Panteras Negras e a conspiração do FBI, mas também abre um espaço de fala igual ao homem que se tornou infame por sua traição – destacando os sistemas de desigualdade e opressão que alimentaram os dois papéis.
Shaka King faz um excepcional trabalho de direção no drama biográfico, explorando com precisão as atuações dos aclamados atores Daniel Kaluuya e Lakeith Stanfield, que brilham em suas caracterizações e entregam performances apaixonantes e poderosas. Produzido por Ryan Coogler (Pantera Negra), o longa é preciso em seus relatos e promove uma pontual reflexão sobre poder, influência, injustiça e racismo.
05 – Jockey
O experiente jóquei Jackson (Clifton Collins Jr.) resistiu há décadas de corridas no circuito de equitação, mas agora está enfrentando o que poderia ser sua última temporada enquanto sua saúde se deteriora. Com a ajuda de Ruth (Molly Parker) e um novo cavalo promissor, Jackson começa a se preparar para o próximo campeonato. Seus planos saem de controle quando um jovem jóquei (Moisés Arias – Rico de Hannah Montana) aparece e afirma ser seu filho. Pego entre o anseio por uma conexão e a incerteza sobre seu próprio futuro, Jackson enfrenta questões difíceis sobre seu legado.
Dirigido e co-roteirizado por Clint Bentley – a partir da sua experiência como filho de um jóquei -, o drama traz uma combinação monstruosa de atuações, com Collins Jr. (Westworld) facilmente roubando a cena. Sua performance ainda lhe rendeu um prêmio do Festival de Sundance e promete reverberar ao longo de 2021, tornando-o um dos possíveis pré-indicados da temporada de premiações (ainda que seja muito cedo para especular o ano de 2022!). Cheio de reflexões e com uma exímia qualidade técnica, o longa tem tudo para conquistar também o público geral.
04 – Mass
Imagine a interação mais temida, tensa e emocionalmente desgastante em que você poderia se encontrar e a multiplique por 10. Isso é exatamente o que dois pares de pais – Richard (Reed Birney) e Linda (Ann Dowd); Jay (Jason Isaacs) e Gail (Martha Plimpton) – estão enfrentando. Anos depois de uma tragédia causada pelo filho de Richard e Linda ter destruído todas as suas vidas, Jay e Gail estão finalmente prontos para conversar em uma tentativa de seguir em frente.
Estreando na direção e roteiro, Fran Kranz já mostra não apenas a profundidade da sua sensibilidade com esse filme, bem como sua habilidade técnica de desenvolver uma história. Poderoso, o drama mostra o “Lado B” de um tiroteio escolar, trazendo as sequelas de um trágico crime, para as famílias que são forçadas a lidar com a despedida repentina de seus filhos. Catártico e emocionante, Mass leva a audiência para um outro patamar, com diálogos precisos e atuações exorbitantes. Nunca um filme feito com tão pouco orçamento foi tão capaz de transformar a nossa experiência cinematográfica.
03 – On the Count of Three
Val (Jerrod Carmichael) chegou a um lugar onde sente que a única saída é encerrar a sua vida. Mas ele se considera um pouco fracassado e então ele acha que precisa de ajuda. Por sorte, o melhor amigo de Val, Kevin (Christopher Abbott), está se recuperando de uma tentativa fracassada de suicídio, então ele parece ser o parceiro perfeito para executar esse plano duplo de suicídio. Mas antes de irem embora, eles têm alguns negócios pendentes para resolver.
Carmichael estreia na direção de maneira brilhante, nessa comédia dramática de humor sombrio, que pende muito mais para o drama, do que para o riso. Com um roteiro brilhante e intenso e atuações extraordinárias, On the Count of Three é um complexo, porém simples filme sobre o valor da vida, à medida que aborda questões importantes como vícios e abuso sexual. Explosiva e dinâmica, a produção ainda possui um final espetacular e visceral.
02 – Coda
Ruby (Emilia Jones) é o único membro ouvinte de uma família surda. Aos 17, ela trabalha de manhã antes da escola para ajudar seus pais e irmão a manter seu negócio de pesca em Gloucester funcionando. Mas ao ingressar no coral de sua escola, ela se sentirá atraída por seu parceiro de dueto (Ferdia Walsh-Peelo) e por uma paixão latente por cantar. Seu entusiasta e amoroso maestro (Eugenio Derbez) ouve algo especial e incentiva Ruby a considerar a escola de música e um futuro além da pesca, deixando-a dividida entre a obrigação com a família e a busca de seu sonho.
Siân Heder teve seu primeiro longa (também lançado em Sundance), intitulado Tallulah, comprado pela Netflix e agora retorna com essa poderosa comédia dramática teen, vencedora de quatro prêmios e que mostra um lado pouco explorado no cinema. A produção é dona de uma delicadeza e de um humor grandiosos. Nos surpreendendo e nos fazendo apaixonar por cada uma das pequenas subtramas presentes no enredo, Coda consegue ser hilário, romântico, catártico e dramático simultaneamente, com uma sensibilidade raramente vista em tela.
01 – Summer of Soul (…Or, When the Revolution Could Not Be Televised)
Em 1969, durante o mesmo verão de Woodstock, um festival de música diferente aconteceu a 160 quilômetros de distância. Mais de 300.000 pessoas compareceram à série de concertos de verão, conhecida como Festival Cultural do Harlem. O evento foi filmado, mas depois daquele verão, as filmagens ficaram escondidas em um porão por 50 anos. Nada nunca foi visto. Até agora.
Dirigido por Ahmir “Questlove” Thompson – que estreia como cineasta -, o documentário não apenas é habilmente editado, como segue uma narrativa múltipla que pouco se vê no gênero documental. Aqui, música, história, contexto social, política e economia se entrelaçam, em uma produção capaz de conquistar até aqueles menos afeiçoados por filmes desse porte. Completo e reflexivo, Summer of Soul ainda projeta os holofotes para mais um apagado capítulo da história afro americana, trazendo uma coleta documental rica e completamente inédita.