007 – Sem Tempo para Morrer, o vigésimo quinto filme oficial da franquia mais duradora do cinema, já está em exibição exclusivamente nos cinemas – após ser adiado do ano passado devido à pandemia. Como forma de irmos aquecendo os motores para esta nova superprodução que, como dito, faz parte de uma das maiores, mais tradicionais e queridas franquias cinematográficas da história da sétima arte, resolvemos criar uma nova série de matérias dissecando um pouco todos os filmes anteriores, trazendo para você inúmeras curiosidades e muita informação.
Muitas vezes no cinema, quando se apressa a sequência de um filme ou uma franquia, o resultado pode deixar a desejar. Foi o caso com Quantum of Solace, continuação direta do excelente Cassino Royale, surgido somente dois anos depois. O problema principal, no entanto, nem foi a produção apressada e sim uma produção azarada – já que na época acontecia a greve do sindicato dos roteiristas em Hollywood. Para o terceiro filme de Daniel Craig como James Bond, a EON desejava calma e uma produção muito bem pensada. Assim, quatro anos de hiato surgiam até Operação Skyfall, que vingaria para ser o longa mais bem sucedido da franquia até hoje. Confira abaixo detalhes de bastidores do vigésimo terceiro longa de 007.
Leia também: Todas as Matérias Dossiê 007 – até o momento
Produção
Assim como Quantum of Solace, a produção do terceiro filme de Daniel Craig como James Bond buscava o comando de um diretor renomado. Para a tarefa, a EON conseguiu contratar o que talvez seja o realizador mais prestigiado a ter comandado um filme da franquia até agora: Sam Mendes. Isso porque Mendes é um vencedor do Oscar e estreou como cineasta em Beleza Americana, uma das obras mais celebradas do fim dos anos 90 e início de 2000. Mendes seguiria para produções badaladas e até algumas produções grandes, mas nada em sua filmografia apontava que o diretor pudesse resultar num bom comandante de ação – como a série exigia.
Essas escolhas demonstravam que a EON estava disposta a arriscar com cineastas mais autorais e que não necessariamente seriam diretores de ação; mas que pudessem dar sua própria visão do que seria um filme da franquia. Além da direção de Mendes, muitos dos elogios de Operação Skyfall vieram de sua fotografia de tirar o fôlego, considerada um dos visuais mais chamativos e belos de toda a franquia. E isso graças ao trabalho de Roger Deakins, considerado por muitos o melhor “cinematógrafo” em atividade hoje, tendo trabalhos como Sicário e Blade Runner 2049 em seu currículo.
James Bond
Após uma estreia de virar cabeças, mostrando que todos os detratores estavam errados ao reclamarem de sua escolha sem de fato terem conferido sua atuação, Daniel Craig chegava ao seu terceiro filme como 007. De fato, muitos fãs e críticos na época da estreia de Cassino Royale faziam campanha para Craig ser indicado ao Oscar por seu desempenho no papel, lembra disso? Exagero ou não, o fato é que o debute do ator no personagem foi um chute na porta com os dois pés, como se realmente tivesse sangue nos olhos para demonstrar que era bom e que todos estavam errados.
O bom trabalho seguiu por Quantum of Solace, embora o filme não tenha ajudado muito – unicamente por ser um filme que não chega ao nível esperado do anterior, mas que nem de perto é um desastre completo (como abordamos no Dossiê passado). Essa perda de gás e o intervalo longo que seguiu até que tudo estivesse no lugar, fizeram o protagonista Daniel Craig começar a considerar uma aposentadoria precoce. Estaria o ator destinado a ser o novo Timothy Dalton, somente com dois filmes no currículo? A verdade é que a cada novo filme, ainda mais quando ocorre um hiato muito grande, como foi o caso aqui, Craig anuncia sua aposentadoria – seja para fazer “charme” e exigir um salário maior, ou alguma estratégia de marketing encomendada pelo próprio estúdio. O fato é: Craig estava de volta e dando tudo de si, assim como em sua estreia, porém, agora mais experiente.
Missão Secreta
A trama como de costume começa com uma grande cena de ação. Desta vez Bond está na trilha de um criminoso quando a lealdade de seus superiores para com ele é testada. O grande mote de Operação Skyfall é: o quão descartáveis para o governo e a agência são seus “peões”, os espiões que para eles trabalham. Nesta cena de abertura, a chefe M exige que uma agente de campo inexperiente dê o tiro tentando acertar um inimigo valioso que precisava ser eliminado. O problema é que a tal agente repete trêmula que pode acertar Bond. Demonstrando que efeitos colaterais, mesmo de seus próprios agentes, são aceitáveis desde que para conter um mal maior, M não dá a mínima se Bond morrer no processo – e o pior realmente ocorre quando a agente azarada termina por alvejar Bond e não o vilão.
Decepcionado, Bond força uma aposentadoria precoce – que é tema de alguns livros de Ian Fleming e foi reproduzido em especial na era de Timothy Dalton. Vivendo uma vida mais calma, de muita bebida e mulheres na praia, Bond só sai das sombras quando a agência MI6 é explodida como alvo de ataques terroristas e a vida de M corre perigo. Como um filho pródigo leal, mesmo que a “mãe” seja da escola do “amor bruto”, Bond volta para proteger sua superior. Quem está no encalço é justamente um “espelho” de Bond: Raoul Silva – um ex-espião da agência igualmente abandonado à própria sorte por M, que foi torturado e ficou desfigurado. O sujeito volta da morte para se vingar daqueles que não fizeram nada por ele.
Bondgirls e Aliados
Uma das melhores definições sobre as Bondgirls neste episódio, e a mais curiosa sem dúvida, é a de que a principal Bondgirl deste filme é a própria M. De fato, na criação do filme de Sam Mendes, o foco termina sendo, como nunca anteriormente, na chefe M e nos “homens de sua vida”. Novamente interpretada por Judi Dench, a britânica veterana tem o maior desempenho no papel desta vez, das sete vezes que viveu a personagem. M não está apenas inserida na trama, ela é a trama e o que faz a história de Operação Skyfall se mover.
No Dossiê passado, de Quantum of Solace, foi dito que a Bondgirl principal não era de fato uma Bondgirl, por não se envolver romanticamente com o protagonista, se posicionando mais como uma sidekick – uma parceira de aventuras. Bem, Operação Skyfall é provavelmente o filme da franquia que mais se encaixa no quesito de não possuir uma Bondgirl propriamente dita. Bem, temos M, mas é claro que nenhum romance nasce entre ela e Bond. Temos também a agente Eve, interpretada pela indicada ao Oscar Naomie Harris, a tal agente que erra o tiro e acerta Bond. Depois disso, caída em desgraça, ela sai do campo e aceita um trabalho burocrático na agência, para finalmente se tornar a assistente de M e ser revelada como a Eve Moneypenny da geração Craig – uma mais durona e de passado armado.
Temos ainda uma segunda Bondgirl e com essa Bond se envolve, com direito inclusive a uma tórrida cena de amor no chuveiro esfumaçado. A beldade francesa Bérénice Marlohe vive Severine, a assistente do vilão Silva. Ela é uma Femme fatale com quem Bond tem o prazer de se relacionar e elevar sua famosa arte da conquista. Afinal, invadir o território inimigo e dominar a aliada do vilão no charme é um baita feito. Porém, a brincadeira não termina tão bem para Severine, que é assassinada pelo psicopata, permanecendo pouco tempo em cena.
Desta vez temos também finalmente introduzido além de Moneypenny, o armeiro inventor Q – ambos haviam ficado de fora até aqui na era de Craig. Um gênio da informática, o novo Q é vivido Ben Whishaw como a cara dos novos tempos – afinal hoje faz mais sentido um jovem entender de tecnologia do que um velho, certo? Também ganhamos o substituto de M, nas formas de Ralph Fiennes, que cria uma dinâmica com Craig que parece saída dos filmes originais lá da década de 1960, principalmente quando Bond entra na nova sala de seu superior.
Ah sim, e não podemos deixar de falar de Kincade, o veterano guardião da fazenda Skyfall, propriedade da família de James Bond. Espécie de caseiro / zelador, o velho escocês é quase um tutor de Bond e não podemos parar de pensar que este personagem tenha sido escrito para Sean Connery. Infelizmente o astro, então aposentado, não aceitava voltar às telas por nada. Nem mesmo o quarto Indiana Jones fez a cabeça de Connery em 2008 – embora este aqui teria sido uma escolha melhor para ser sua despedida nas telonas. Ao invés de convidar qualquer outro ator que tenha vivido Bond nas telas, a produção decidiu optar pelo veterano Albert Finney, que igualmente se despediu do cinema neste filme, tendo falecido aos 82 anos em 2019.
Vilões
O ator espanhol Javier Bardem já havia sido oferecido um vilão na franquia 007 no passado. Porém, tudo o que bastou para dizer sim a uma nova oferta foi o projeto certo, com o diretor certo. Operação Skyfall comemoraria os 50 anos de James Bond nas telonas. E com direção de Sam Mendes, esta festa seria em grande estilo. Tudo isso convenceu Bardem, que havia ganhado um Oscar em 2008 por Onde os Fracos Não Tem Vez, justamente vivendo um dos antagonistas mais ameaçadores do cinema. Assim, coube ao ator multifacetado criar um novo vilão digno de seu talento. De visual chamativo, cabelo loiro platinado e um rosto deformado ao retirar sua prótese dental, o anárquico Raoul Silva foi muito comparado ao desempenho do saudoso Heath Ledger ao interpretar o sádico Coringa em O Cavaleiro das Trevas, quatro anos antes. E Silva, que tem uma cena homoerótica com Bond (a primeira da franquia), se mostra uma ameaça à altura, conseguindo inclusive atingir seu objetivo de matar a figura materna da agência, M.
Relatório
Com todos esses atrativos, Operação Skyfall se mostrou a sequência de Cassino Royale que Quantum of Solace deveria ter sido. De fato, muitos creditam o vigésimo terceiro filme da franquia como o melhor da era Craig, e um dos melhores da série – embora particularmente eu ainda prefira Cassino Royale, mas por pouco. O filme foi um sucesso estrondoso e em termos de bilheteria e público, foi o capítulo mais rentável da franquia, mesmo reajustando os valores para os tempos atuais – desbancando o então campeão imbatível A Chantagem Atômica. Recorde esse que mantém até hoje. Foram mais de US$300 milhões só nos EUA, e mundialmente se tornava o primeiro episódio a ultrapassar a monumental barreira do US$1 bilhão.
Com os críticos, Operação Skyfall também atingia elogios como nunca anteriormente. Fora isso, foi indicado para cinco Oscar, incluindo a impressionante fotografia de Deakins, e levou os prêmios de edição de som e canção para a homônima Skyfall de Adele, um verdadeiro fenômeno por si só e que serviu igualmente para impulsionar o longa. Tamanho sucesso, é claro, deixou a EON em polvorosa e os produtores trataram de laçar Sam Mendes de volta para a cadeira de produção. Mas isso é assunto para o próximo e final Dossiê 007.