A beleza do cinema é conseguir enxergar além do que os olhos conseguem captar. Falar de cinema é uma grande prova de amor ao sentimento das curiosidades que afligem esse imenso mundão em que vivemos. Todo tipo de filme, de qualquer gênero, busca o importante elo em apresentar emoções ao espectador, seja ele quem for. Pensando em entender melhor as razões do porquê o cinema é uma coisa tão rica para nossa existência como seres humanos, esse eterno jovem cinéfilo que vos escreve buscou cinéfilos espalhados pelo Brasil (alguns até pelo mundo) para contar um pouquinho da trajetória cinéfila deles para vocês.
Nosso entrevistado de hoje é um grande pensador cinéfilo e escritor. Começou a escrever sobre cinema em antigos fóruns nos primórdios das interações sociais digitais. Jornalista de formação, adora descobrir ou redescobrir filmes antigos e faz parte de um time de críticos de cinema importantes para a formação cinéfila de várias gerações, oriundos do ótimo site Cineplayers. Para contar um pouco sobre suas raízes e pensamentos cinéfilos, procuramos Bernardo Brum para responder ao nosso questionário/entrevista.
1) Na sua cidade, qual sua sala de cinema preferida em relação a programação? Detalhe o porquê da escolha.
A rede de cinemas Estação. Lá vi filmes que não veria em nenhuma outra franquia, além de serem a “casa” dos festivais.
2) Qual o primeiro filme que você lembra de ter visto e pensado: cinema é um lugar diferente?
É algo que precisa ser respondido em duas “partes”, digamos assim. Gosto de algo que o Woody Allen disse sobre “filmes da infância”, pelos quais temos admiração afetiva e “filmes da maturidade”, pelos quais nutrimos admiração intelectual. Então, respondendo sob esses parâmetros, diria que Jurassic Park e Annie Hall.
3) Qual seu diretor favorito e seu filme favorito dele?
Alfred Hitchcock é o diretor que mais admiro os filmes, o estilo autoral, as temáticas escolhidas, a persona. Apesar da escolha difícil, vou de Um Corpo que Cai.
4) Qual seu filme nacional favorito e por quê?
O Bandido da Luz Vermelha. Sganzerla deglutiu a revolução do cinema novo, o gênero policial e a desconstrução formal de Orson Welles e pariu um filme até hoje único não só na história da cinematografia brasileira mas em qualquer cinema.
5) O que é ser cinéfilo para você?
Ser um aficionado não apenas pelo ato de ver filmes mas também viver numa cultura que gira em torno disso, no tocante a conversar e debater sobre e conhecer diferentes propostas ao ser exposto frente a um manancial infinito de possibilidades.
6) Você acredita que a maior parte dos cinemas que você conhece possuem programação feitas por pessoas que entendem de cinema?
“Entender cinema” acho um termo muito relativo. A maioria dos cinemas de shopping ou de rua tem uma mentalidade comercial, orientada para o retorno imediato nas bilheterias. Se falham – como no episódio de lançar Guerra ao Terror nos cinemas após o mesmo ser indicado ao Oscar, quando já havia até DVD do mesmo – advém dessa mentalidade. Mas cinemas como o Estação ou o Cine Joia de Copacabana você já sente a disposição em disponibilizar maior diversidade.
7) Algum dia as salas de cinema vão acabar?
Como conhecemos? Sim. A reconfiguração é inevitável, e já acontece. Cinema era barato, agora já não o é, por exemplo. Com isso, os filmes tendem a ficar mais espetaculares, mais sensacionais, as salas tem que se adaptar ao espetáculo técnico oferecido. Com isso, algumas propostas são deixadas de lado e em nome de serem realizadas têm de procurar outras mídias, como a televisão e os serviços de streaming. Agora, eles ficam mais nos shoppings do que nas ruas, tendem a direcionar-se a toda família, o que implica numa série de custos, então os filmes que são lançados no cinema tem que gerar alguma espécie de retorno se não forem apoiados por políticas públicas, então cria-se uma lógica “seriada” para ver filmes em sequência que justifiquem os custos (vide a Disney e seu MCU)… E assim vai. Já não é a lógica de, digamos, 25-30 anos atrás, quando você ia no cinema e poderia topar tanto com Forrest Gump quanto Pulp Fiction disputando espaço. O segundo não teria chance. Se isso é ruim? Bem, o teatro e a ópera que conhecemos hoje não são as mesmas de 100, 200 ou mesmo 2.000 anos atrás – com o cinema não vai ser diferente.
8) Indique um filme que você acha que muitos não viram mas é ótimo.
Nausicäa do Vale do Vento, de Hayao Miyazaki. Uma das grandes animações já feitas, nunca falada o suficiente.
9) Você acha que as salas de cinema deveriam reabrir antes de termos uma vacina contra a covid-19?
Isso não deveria nem ser cogitado. Não precisa nem de muitos fatos para conferir como seria uma irresponsabilidade. Porém, os governos deveriam estar discutindo há muito tempo políticas públicas para a manutenção desse setor que é um dos que mais movimentam dinheiro no mundo (incluindo no Brasil).
10) Como você enxerga a qualidade do cinema brasileiro atualmente?
Tão diverso e inventivo como sempre foi. Agora, felizmente, outros núcleos e ciclos têm mais visibilidade que o do núcleo Rio-SP.
11) Diga o artista brasileiro que você não perde um filme.
Atualmente, Irandhir Santos (no cinema; novela não é do meu interesse).
12) Defina cinema com uma frase.
“A verdade 24 vezes por segundo” (Jean-Luc Godard). Inclusive quando mente.
13) Conte uma história inusitada que você presenciou numa sala de cinema.
Ouve-se um toque de celular. Para. Recomeça. As pessoas começam a xingar, enfurecidas e justificadamente. O telefone continua tocando, e tocando, e tocando… Todos se olham acusadoramente, querendo saber quem está recebendo ligação. Eis que a porta do cinema abre e… “Gente, alguém viu um celular caído? Estou ligado para ele, mas ninguém atende”… Aí todo mundo perdeu a compostura e começou a rir. Pobre do filme que era um drama… Mas certamente foi um experimento social único.
14) Defina ‘Cinderela Baiana’ em poucas palavras…
Uma tentativa de capitalizar em cima da persona de uma figura pública, não muito diferente dos filmes do Elvis ou Moonwalker do Michael Jackson, e aqui no Brasil, Lua de Cristal ou Super Xuxa Contra o Baixo Astral. Não bastasse ser raso como todos os “filmes de música” feitos no calor do momento – cujo principal interesse é o artista cantando e não exatamente os aspectos artísticos da produção, foi prejudicado por uma equipe advinda de um cinema mais adulto (terror, policial, pornochanchada), sem, digamos, intimidade com algo mais popular e “família” e por sua produção atribulada, roteiro criado à revelia e filmado enquanto a artista estava disponível. Dessa mistura de dificuldade e urgência, não tinha como sair um produto muito esmerado.
15) Muitos diretores de cinema não são cinéfilos. Você acha que para dirigir um filme um cineasta precisa ser cinéfilo?
Não mesmo. Ele deve conhecer seu ofício, mas de fato não é necessário para John Ford assistir Bergman antes de dirigir um western, por exemplo. O cineasta cinéfilo é algo relativamente recente.
16) Qual o pior filme que viu na vida?
É difícil escolher só um. Mas dos recentes, talvez Esquadrão Suicida.