domingo , 17 novembro , 2024

Esqueceram de Mim | Relembrando o clássico dos clássicos de Natal

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O sonho distorcido de várias crianças é que sua família suma, pelo menos por alguns dias. Não que elas estejam carregadas de maldade, mas assim como qualquer pessoa, lidar com as pressões de ser mais novo dentro de um ambiente essencialmente adulto é complicado, principalmente pela falta de compreensão e pelo fato de poder ser deixado de lado ou tratado como alguém inferior. É óbvio que, ao colocar nessas palavras, pareço estar sendo mais melodramático do que o normal – mas é justamente essa premissa que engata a história principal de Esqueceram de Mim. 

A segunda investida diretorial de Chris Columbus é um dos filmes mais clássicos da época natalina, trazendo Macaulay Culkin no papel de Kevin McCallister, um garoto de oito anos de idade que se vê totalmente deslocado dentro de um ambiente familiar disfuncional e superpovoado. Desde o momento em que somos apresentados a esse núcleo de personagens, percebemos que se há algo de comum entre todos eles é a completa falta de equilíbrio psicológico, o que, analisando com um olhar mais brando, chega a ser cômico e não deixa de funcionar como um espelho de inúmeras famílias do mundo inteiro. Na primeira sequência, o diretor constrói um incrível plano sequência pautado na controvérsia, mostrando cada um dos membros que apinham uns aos outros em uma fluidez cênica memorável e que dialoga com o tamanho da mansão principal ao mesmo tempo em que a transforma em um lugar claustrofóbico e sufocante. 



Ora, não é nenhuma surpresa que, em uma casa com mais de dez pessoas, haja certas desavenças. Mas partindo da perspectiva do protagonista, que querendo ou não é a principal vítima, tudo recai sobre ele. Durante uma discussão em pleno jantar e horas antes da família partir em uma viagem de Natal para Paris, ele acaba entrando em uma briga com o irmão mais velho: nesse momento, Columbus opta por tirar a objetividade de uma câmera horizontal, levando-a em um contra-plongée que se inclina para a subjetividade de Kevin, colocando-o em uma posição de total desaprovação dos outros: todos o olham como se a culpa fosse inteiramente dele. E é a partir daí que o garoto tem uma epifania pessoal e percebe que não faz parte dali. 

Muitas pessoas, ao assistirem a cena envolvendo Kevin e Kate (Catherine O’Hara), sua mãe, sentiram-se em um ambiente muito comum e conhecido: em um distúrbio de rebeldia, o protagonista diz que preferiria morar sozinho e que desejava não vê-los nunca mais, dizendo várias vezes que não sentiria falta. Enquanto isso, Kate sente-se completamente de mãos atadas em um momento de puro choque e espanto, falando que esperava que aquilo não fosse verdade. É claro que entendemos a perspectiva do pequeno rapaz, mas também não podemos deixar de nos imaginar no lugar da mãe, que ouviu aquilo vindo do próprio filho. E enquanto que nas sequências predecessoras o enquadramento prezava pela inferiorização de Kevin perante sua família, esse é o primeiro momento em que o jogo vira e que um adulto está numa “posição abaixo” a de uma criança. 

Não é nenhuma surpresa imaginar o que acontece: levando em conta o título do filme, é meio óbvio pensar que, em uma correria para deixar todo mundo pronto e correr para o aeroporto, alguém poderia ter sido esquecido. E considerando que o garoto estava de castigo em um quarto no sótão, ele literalmente foi deixado para trás após uma série de eventos muito casuais, mas que nesse gênero narrativo funcionam de modo singelo e único. É apenas quando a família já está quase chegando ao destino que Kate, em uma construção muito engraçada e até mesmo tensa, de certa forma, lembra-se de que seu filho foi deixado para trás. “Que tipo de mãe eu sou?”, ela se pergunta, olhando catatônica para um ponto fixo enquanto pensa no que vai fazer. 

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Enquanto isso, de volta à casa dos McAllister, Columbus arquiteta um momento completamente desprovido de sons justamente para transparecer a ideia de solidão e de crescente revelação. Enquanto no primeiro ato a gigantesca casa mostrava-se pequena demais para tanta gente, aqui Kevin se encontra em um vasto mundo outrora escondido pela presença de sua família: os planos gerais prezam pela pequenez do protagonista perante uma grandiloquência assustadora. É claro que ele, a priori, não acredita no que está acontecendo, mas logo depois quebra a quarta parede para aproveitar os supostos breves momentos que tem sozinho, transformando algo opressor em sua gloriosa vitória infantil. 

Mas o que seria da história sem os tão aguardados obstáculos? John Hughes, conhecido por suas incríveis investidas adolescentes em comédias românticas, como O Clube dos Cinco’, Gatinhas e Gatões’ e Curtindo A Vida Adoidado’, pega toda sua experiência narrativa e consegue transferi-la sem grandes perdas, mas com mudanças necessárias para o próprio protagonista, em uma jornada do herói não exatamente mítica, mas com doses consideráveis de aventura e amadurecimento. O coming-of-age de Kevin vem após o seu encontro com a dupla de ladrões Harry (Joe Pesci) e Marv (Daniel Sterns), os quais são responsáveis por inúmeros roubos. A partir daí, o garoto vê-se responsável por tomar conta da casa de um perigo real e que, aos olhos de uma criança, fazem apenas parte de uma brincadeira. 

Entretanto, diferente do que se pode pensar, nosso herói é extremamente sagaz. Após encontrar-se com seu arquétipo de guardião – que de forma quase inesperada e compreensiva não emerge na figura de seus pais, mas sim na de seu soturno vizinho Marley (Roberts Blossom) -, percebe que cabe a ele mesmo criar as mais incríveis armadilhas para impedir essa crescente ameaça de se concretizar, pelo menos até alguma coisa conseguir salvá-lo. Ao contrário do que possa se esperar, ele não se mantém na defensiva, mas ataca com todas as forças e toda a criatividade que uma mente infantil pode fornecer, o que o torna ao mesmo tempo maduro o suficiente para ter responsabilidade e se proteger. É estranho e quase melancólico pensar que Kevin teve que ser “abandonado” para encontrar-se dentro de uma personalidade mais adulta, mas esse escopo mais profundo é ofuscado inclusive pela caprichosa trilha sonora composta por John Williams, na qual os componentes natalinos mesclam-se com uma identidade musical aventuresca e envolvente. 

Esqueceram de Mim não é filme memorável por qualquer motivo. Além de toda sua construção extremamente emocionante, a ideia de colocar a narrativa perante um escopo de fim de ano é um dos principais que o transformam num clássico para a família – e cuja profundidade é maior do que se imagina. 

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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A segunda investida diretorial de Chris Columbus é um dos filmes mais clássicos da época natalina, trazendo Macaulay Culkin no papel de Kevin McCallister, um garoto de oito anos de idade que se vê totalmente deslocado dentro de um ambiente familiar disfuncional e superpovoado. Desde o momento em que somos apresentados a esse núcleo de personagens, percebemos que se há algo de comum entre todos eles é a completa falta de equilíbrio psicológico, o que, analisando com um olhar mais brando, chega a ser cômico e não deixa de funcionar como um espelho de inúmeras famílias do mundo inteiro. Na primeira sequência, o diretor constrói um incrível plano sequência pautado na controvérsia, mostrando cada um dos membros que apinham uns aos outros em uma fluidez cênica memorável e que dialoga com o tamanho da mansão principal ao mesmo tempo em que a transforma em um lugar claustrofóbico e sufocante. 

Ora, não é nenhuma surpresa que, em uma casa com mais de dez pessoas, haja certas desavenças. Mas partindo da perspectiva do protagonista, que querendo ou não é a principal vítima, tudo recai sobre ele. Durante uma discussão em pleno jantar e horas antes da família partir em uma viagem de Natal para Paris, ele acaba entrando em uma briga com o irmão mais velho: nesse momento, Columbus opta por tirar a objetividade de uma câmera horizontal, levando-a em um contra-plongée que se inclina para a subjetividade de Kevin, colocando-o em uma posição de total desaprovação dos outros: todos o olham como se a culpa fosse inteiramente dele. E é a partir daí que o garoto tem uma epifania pessoal e percebe que não faz parte dali. 

Muitas pessoas, ao assistirem a cena envolvendo Kevin e Kate (Catherine O’Hara), sua mãe, sentiram-se em um ambiente muito comum e conhecido: em um distúrbio de rebeldia, o protagonista diz que preferiria morar sozinho e que desejava não vê-los nunca mais, dizendo várias vezes que não sentiria falta. Enquanto isso, Kate sente-se completamente de mãos atadas em um momento de puro choque e espanto, falando que esperava que aquilo não fosse verdade. É claro que entendemos a perspectiva do pequeno rapaz, mas também não podemos deixar de nos imaginar no lugar da mãe, que ouviu aquilo vindo do próprio filho. E enquanto que nas sequências predecessoras o enquadramento prezava pela inferiorização de Kevin perante sua família, esse é o primeiro momento em que o jogo vira e que um adulto está numa “posição abaixo” a de uma criança. 

Não é nenhuma surpresa imaginar o que acontece: levando em conta o título do filme, é meio óbvio pensar que, em uma correria para deixar todo mundo pronto e correr para o aeroporto, alguém poderia ter sido esquecido. E considerando que o garoto estava de castigo em um quarto no sótão, ele literalmente foi deixado para trás após uma série de eventos muito casuais, mas que nesse gênero narrativo funcionam de modo singelo e único. É apenas quando a família já está quase chegando ao destino que Kate, em uma construção muito engraçada e até mesmo tensa, de certa forma, lembra-se de que seu filho foi deixado para trás. “Que tipo de mãe eu sou?”, ela se pergunta, olhando catatônica para um ponto fixo enquanto pensa no que vai fazer. 

Enquanto isso, de volta à casa dos McAllister, Columbus arquiteta um momento completamente desprovido de sons justamente para transparecer a ideia de solidão e de crescente revelação. Enquanto no primeiro ato a gigantesca casa mostrava-se pequena demais para tanta gente, aqui Kevin se encontra em um vasto mundo outrora escondido pela presença de sua família: os planos gerais prezam pela pequenez do protagonista perante uma grandiloquência assustadora. É claro que ele, a priori, não acredita no que está acontecendo, mas logo depois quebra a quarta parede para aproveitar os supostos breves momentos que tem sozinho, transformando algo opressor em sua gloriosa vitória infantil. 

Mas o que seria da história sem os tão aguardados obstáculos? John Hughes, conhecido por suas incríveis investidas adolescentes em comédias românticas, como O Clube dos Cinco’, Gatinhas e Gatões’ e Curtindo A Vida Adoidado’, pega toda sua experiência narrativa e consegue transferi-la sem grandes perdas, mas com mudanças necessárias para o próprio protagonista, em uma jornada do herói não exatamente mítica, mas com doses consideráveis de aventura e amadurecimento. O coming-of-age de Kevin vem após o seu encontro com a dupla de ladrões Harry (Joe Pesci) e Marv (Daniel Sterns), os quais são responsáveis por inúmeros roubos. A partir daí, o garoto vê-se responsável por tomar conta da casa de um perigo real e que, aos olhos de uma criança, fazem apenas parte de uma brincadeira. 

Entretanto, diferente do que se pode pensar, nosso herói é extremamente sagaz. Após encontrar-se com seu arquétipo de guardião – que de forma quase inesperada e compreensiva não emerge na figura de seus pais, mas sim na de seu soturno vizinho Marley (Roberts Blossom) -, percebe que cabe a ele mesmo criar as mais incríveis armadilhas para impedir essa crescente ameaça de se concretizar, pelo menos até alguma coisa conseguir salvá-lo. Ao contrário do que possa se esperar, ele não se mantém na defensiva, mas ataca com todas as forças e toda a criatividade que uma mente infantil pode fornecer, o que o torna ao mesmo tempo maduro o suficiente para ter responsabilidade e se proteger. É estranho e quase melancólico pensar que Kevin teve que ser “abandonado” para encontrar-se dentro de uma personalidade mais adulta, mas esse escopo mais profundo é ofuscado inclusive pela caprichosa trilha sonora composta por John Williams, na qual os componentes natalinos mesclam-se com uma identidade musical aventuresca e envolvente. 

Esqueceram de Mim não é filme memorável por qualquer motivo. Além de toda sua construção extremamente emocionante, a ideia de colocar a narrativa perante um escopo de fim de ano é um dos principais que o transformam num clássico para a família – e cuja profundidade é maior do que se imagina. 

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