O 48º Festival de Gramado está acontecendo este ano em um formato diferente. Sem público, sem tapete vermelho e com a apresentação da Renata Boldrini e convidados, o público brasileiro ganhou uma vantagem: os filmes em competição estão sendo exibidos inédita e exclusivamente através do Canal Brasil, todos os dias a partir das 20hs até o dia 26 de setembro. E para celebrar esse novo formato – mais democrático, diga-se de passagem – foi escolhido o longa ‘Por que você não chora?’ como filme de abertura.
Neste filme acompanhamos Jessica (Carolina Monte Rosa), uma estudante de psicologia que, em seu último ano, recebe a tarefa de acompanhar a paciente Bárbara (Bárbara Paz), uma mulher um bocado desequilibrada que é diagnosticada com transtorno de personalidade limítrofe, também conhecido como Transtorno de Personalidade Borderline. Bárbara também está lutando pela guarda de seu filho e, no meio disso tudo, Jessica começa a projetar muito de si na sua paciente, deixando-se impactar pelos distúrbios dela.
A escolha de ‘Por que você não chora?’ como filme de abertura é um importante posicionamento que o Festival de Gramado sinaliza, jogando luz sobre a urgência de se discutir mais abertamente sobre a saúde mental – especialmente nesse setembro amarelo, especialmente nesse ano de 2020, tão difícil.
Escrito e dirigido pela cineasta brasiliense Cibele Amaral, o filme, metafórico, aparenta sofrer do mesmo distúrbio de sua coprotagonista. O primeiro arco é focado em trabalhar a trama de Jessica, para, em seguida, direcionar-se para o círculo de Bárbara e toda a montanha-russa de emoções que ela enfrenta em sua realidade; por fim, volta ao universo de Jessica e como seu mundo é afetado pelas experiências vividas e sofridas durante o período do estágio. Tudo isso sem exatamente encerrar nenhum dos arcos.
Com uma percepção mais aprofundada, o espectador pode observar o abalo da relação médico-paciente como uma crítica ao próprio sistema de saúde mental para ambos os lados: em uma ponta da corda está o paciente, despejando toda a sua carga emocional no psicólogo ou psiquiatra, enxergando-o como tábua de salvação; na outra está o médico, a quem é orientado não se deixar envolver, não demonstrar emoções e, portanto, não chorar. O quanto essa impossibilidade de se permitir sentir não causa, igualmente, marcas profundas naqueles que provêm o tratamento? Essa é uma discussão que precisa ser aberta.
O maior destaque em ‘Por que você não chora?’ está nas atuações da dupla protagonista. Carolina Monte Rosa constrói uma personagem enigmática e impassível – de fato, deve ser dificílimo não exprimir nenhuma emoção. Por sua vez Bárbara Paz é o excesso de emoções, uma explosão de sentimentos, um rolo compressor de impressões que faz o contraponto da personagem terapeuta. O longa conta ainda com a participação especial de Cristiana Oliveira e Elisa Lucinda como duas personagens bem didáticas, cujas funções é mastigar o argumento do filme para o espectador.
Embora deixe muitas lacunas em aberto com elementos inseridos no enredo que não se justificam, ‘Por que você não chora?’ é um bom filme que acende o alerta para o quão urgente é normalizarmos os cuidados mentais para a melhoria das relações entre os cidadãos contemporâneos.