domingo , 22 dezembro , 2024

Luca | Novo filme da Pixar é sobre amizade ou é um desenho homoafetivo?

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Luca’ já está disponível na plataforma da Disney+ e tem feito muito sucesso. Mas tem gerado também muito debate sobre do que realmente se trata a nova animação da Pixar. E, em se tratando de Pixar, a gente sempre pode (e deve!) esperar algo muito mais profundo dos filmes. Por isso, acompanhe agora essa linha de análise de ‘Luca’.



É um filme sobre amizade?

Bom, dizer que ‘Luca’ é um filme sobre amizade é ser redundante, afinal, basicamente todo filme da Pixar é sobre uma relação de amizade: ‘Toy Story’, ‘Divertida Mente, ‘Monstros S.A’, ‘Carros’, ‘Up – Altas Aventuras’ e até mesmo o seu último lançamento, ‘Soul’, que também foi lançado simultaneamente na DisneyPlus. Portanto, analisar o longa como sendo sobre amizade é basicamente fazer uma análise superficial da animação.

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É um desenho homoafetivo?

Nem todo filme sobre dois meninos que são amigos e nutrem carinho um pelo outro é necessariamente sobre a sexualidade deles. Nada na animação da Pixar corrobora essa análise, então, na real se trata apenas de dois meninos que se tornam amigos, sendo que um deles eventualmente sente ciúme da amizade do outro, afinal, o ciúme não é um sentimento exclusivo dos adultos (como ‘Divertida Mente’ nos ensinou). É mais que isso, então, continue conosco.

Me chame pelo seu nome?

Não. Não é uma releitura animada do longa vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Nem toda história protagonizada por dois rapazes numa cidade praiana na Itália se trata disso, haja vista ‘O Carteiro e o Poeta’, ‘A Vida é Bela’ e o lançamento da NetflixO Sol de Riccione’.

Então, vamos pensar…

Por que Itália?

Agora começa nossa proposta de análise, e a primeira pergunta que deve ser feita é: por que o filme se passa na Itália? Por que não na Califórnia, onde fica a Pixar? Ou em qualquer outra cidade do mundo? Perceba que se essa mesma história se passasse em qualquer outra cidade, ainda assim ela aconteceria, de modo que ser na Itália não é essencial para o todo. Mas guarde essa informação.

Monstros marinhos

Ao contrário de ‘A Pequena Sereia’, Luca e Alberto não são sereios, mas sim monstros marinhos. Eles são uma coisa quando estão no mar, mas, quando saem do mar, eles são seres humanos “normais” como qualquer outro. Inclusive, quando vão para a vila ninguém desconfia que eles não sejam como qualquer outra pessoa. Ou seja, são criaturas estranhas que vêm do mar, de quem o povoado da vila morre de medo, inclusive caça eles e os chama de monstro. Guarde essa informação.

Então, do que se trata o filme?

Seguindo essa linha de raciocínio e seguindo a proposta da Pixar de sempre trazer um tema profundo e relevante em seus longas (razão pela qual tantas pessoas amam seus filmes), esta linha de análise propõe que Luca, Alberto e todos os monstros marinhos retratados no longa são metáforas alegóricas para representar, na verdade, a tragédia da imigração em massa dos povos africanos e asiáticos que nos últimos cinco anos têm chegado em grande quantidade às cidades costeiras italianas. Só em 2016 foram mais de 150 mil. É só lembrar da figura desses refugiados chegando pelo mar: muitos chegam nadando, desnudos, com roupas rasgadas, sujos, desnutridos, à beira da morte, porém, depois dos devidos cuidados médicos, esses imigrantes são seres humanos como qualquer outro. Mas, nessas imagens, há o medo ocidental da outridade: o medo daquele que é diferente, razão pela qual a vila da fictícia Portorosso tem medo dos monstros marinhos, por isso estão sempre caçando-os e de já terem tanto ouvido falar deles, apesar de de fato poucos terem visto algum de verdade.

Pontos que corroboram essa teoria

Percebam que os adultos da família de Luca têm medo da superfície, embora, na real, todos eles já tenham saído do mar e saibam como funciona a vida terrena. Então, alegoricamente, são imigrantes que já tiveram a traumática experiência de tentar cruzar a fronteira e acabaram voltando para casa – razão pela qual os pais de Luca tanto temem que o menino se aventure na superfície. A avó de Luca, porém, teve um outro tipo de experiência, menos traumática (talvez porque antigamente a imigração era diferente), razão pela qual ela se sente à vontade para voltar lá todo final de semana, como quem tem um visto.

Ao final do filme aquelas duas senhoras que tomam sorvete se revelam também como monstros marinhos. Isso corrobora nossa teoria para mostrar aos espectadores que, enquanto a vila tinha tanto medo daqueles seres “diferentes”, mal sabiam eles que entre eles já havia esses seres diferentes – que, por suas vezes, precisaram viver disfarçados e com suas identidades ocultadas durante todo esse tempo, de modo a se manterem alinhados à nova cultura, deixando sua própria cultura ocultada. Com a chegada de Luca e a libertação cultural, as duas senhoras se revelam como sendo da mesma raça de Luca.

Percebam também que quando Luca e Alberto estão conversando, eles se entendem. Então, Alberto começa a falar italiano (a língua da vila de Portorosso) com Luca, mas ele não faz a menor ideia do que significa as coisas que está falando: ele só ouviu pessoas falarem aquelas coisas e reproduz aquilo que ouviu. O problema da língua é um dos principais entraves em qualquer tipo de imigração, e é um dos maiores desafios para um refugiado que chega em outro país cuja língua padrão é tão diferente da sua. Para um refugiado/imigrante, a língua é a principal barreira.

Acompanhando a história de Alberto, sabemos que ele perdeu o pai e por isso vive solto à beira da água, escondido, se virando. Esta é uma realidade infelizmente muito comum para crianças refugiadas, que são separadas de suas famílias por diversos motivos, e acabam tendo que sobreviver à própria sorte. Percebam que o que Alberto mais deseja é ter um pai, uma família, razão pela qual ele topa ficar em Portorosso com o pai de Giulia.

Pensemos agora no desejo de Luca. Ele nunca de fato quis ir para a superfície, mas, uma vez que ele vai e conhece a vila, ele passa a desejar aquela vida. Sim, isso é uma releitura da caverna de Platão, mas também é a realidade de muitos desses jovens refugiados, que se arriscam em busca de uma vida melhor para si, muitas vezes até sendo enviados sozinhos para outros países. Tudo que Luca mais quer é estudar, conhecer, saber. Ele quer se tornar um cidadão daquela região.

Por todos esses pontos, oferecemos aqui uma análise mais aprofundada de ‘Luca’. Em se tratando de Pixar, a gente sempre tem que buscar um tema muito mais profundo e humanizado nas produções. ‘Luca’ provavelmente é um filme que retrata alegoricamente o tema dos refugiados, mas que os espectadores ocidentais, acostumados em buscar o final feliz das coisas, estão enxergando apenas uma história sobre amizade. É também uma história de amizade. Uma história que mostra como a amizade entre diferentes raças, entre europeus e refugiados, é possível, saudável e, no final das contas, mostra que somos todos seres humanos.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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Luca | Novo filme da Pixar é sobre amizade ou é um desenho homoafetivo?

Luca’ já está disponível na plataforma da Disney+ e tem feito muito sucesso. Mas tem gerado também muito debate sobre do que realmente se trata a nova animação da Pixar. E, em se tratando de Pixar, a gente sempre pode (e deve!) esperar algo muito mais profundo dos filmes. Por isso, acompanhe agora essa linha de análise de ‘Luca’.

É um filme sobre amizade?

Bom, dizer que ‘Luca’ é um filme sobre amizade é ser redundante, afinal, basicamente todo filme da Pixar é sobre uma relação de amizade: ‘Toy Story’, ‘Divertida Mente, ‘Monstros S.A’, ‘Carros’, ‘Up – Altas Aventuras’ e até mesmo o seu último lançamento, ‘Soul’, que também foi lançado simultaneamente na DisneyPlus. Portanto, analisar o longa como sendo sobre amizade é basicamente fazer uma análise superficial da animação.

É um desenho homoafetivo?

Nem todo filme sobre dois meninos que são amigos e nutrem carinho um pelo outro é necessariamente sobre a sexualidade deles. Nada na animação da Pixar corrobora essa análise, então, na real se trata apenas de dois meninos que se tornam amigos, sendo que um deles eventualmente sente ciúme da amizade do outro, afinal, o ciúme não é um sentimento exclusivo dos adultos (como ‘Divertida Mente’ nos ensinou). É mais que isso, então, continue conosco.

Me chame pelo seu nome?

Não. Não é uma releitura animada do longa vencedor do Oscar de Melhor Roteiro Adaptado. Nem toda história protagonizada por dois rapazes numa cidade praiana na Itália se trata disso, haja vista ‘O Carteiro e o Poeta’, ‘A Vida é Bela’ e o lançamento da NetflixO Sol de Riccione’.

Então, vamos pensar…

Por que Itália?

Agora começa nossa proposta de análise, e a primeira pergunta que deve ser feita é: por que o filme se passa na Itália? Por que não na Califórnia, onde fica a Pixar? Ou em qualquer outra cidade do mundo? Perceba que se essa mesma história se passasse em qualquer outra cidade, ainda assim ela aconteceria, de modo que ser na Itália não é essencial para o todo. Mas guarde essa informação.

Monstros marinhos

Ao contrário de ‘A Pequena Sereia’, Luca e Alberto não são sereios, mas sim monstros marinhos. Eles são uma coisa quando estão no mar, mas, quando saem do mar, eles são seres humanos “normais” como qualquer outro. Inclusive, quando vão para a vila ninguém desconfia que eles não sejam como qualquer outra pessoa. Ou seja, são criaturas estranhas que vêm do mar, de quem o povoado da vila morre de medo, inclusive caça eles e os chama de monstro. Guarde essa informação.

Então, do que se trata o filme?

Seguindo essa linha de raciocínio e seguindo a proposta da Pixar de sempre trazer um tema profundo e relevante em seus longas (razão pela qual tantas pessoas amam seus filmes), esta linha de análise propõe que Luca, Alberto e todos os monstros marinhos retratados no longa são metáforas alegóricas para representar, na verdade, a tragédia da imigração em massa dos povos africanos e asiáticos que nos últimos cinco anos têm chegado em grande quantidade às cidades costeiras italianas. Só em 2016 foram mais de 150 mil. É só lembrar da figura desses refugiados chegando pelo mar: muitos chegam nadando, desnudos, com roupas rasgadas, sujos, desnutridos, à beira da morte, porém, depois dos devidos cuidados médicos, esses imigrantes são seres humanos como qualquer outro. Mas, nessas imagens, há o medo ocidental da outridade: o medo daquele que é diferente, razão pela qual a vila da fictícia Portorosso tem medo dos monstros marinhos, por isso estão sempre caçando-os e de já terem tanto ouvido falar deles, apesar de de fato poucos terem visto algum de verdade.

Pontos que corroboram essa teoria

Percebam que os adultos da família de Luca têm medo da superfície, embora, na real, todos eles já tenham saído do mar e saibam como funciona a vida terrena. Então, alegoricamente, são imigrantes que já tiveram a traumática experiência de tentar cruzar a fronteira e acabaram voltando para casa – razão pela qual os pais de Luca tanto temem que o menino se aventure na superfície. A avó de Luca, porém, teve um outro tipo de experiência, menos traumática (talvez porque antigamente a imigração era diferente), razão pela qual ela se sente à vontade para voltar lá todo final de semana, como quem tem um visto.

Ao final do filme aquelas duas senhoras que tomam sorvete se revelam também como monstros marinhos. Isso corrobora nossa teoria para mostrar aos espectadores que, enquanto a vila tinha tanto medo daqueles seres “diferentes”, mal sabiam eles que entre eles já havia esses seres diferentes – que, por suas vezes, precisaram viver disfarçados e com suas identidades ocultadas durante todo esse tempo, de modo a se manterem alinhados à nova cultura, deixando sua própria cultura ocultada. Com a chegada de Luca e a libertação cultural, as duas senhoras se revelam como sendo da mesma raça de Luca.

Percebam também que quando Luca e Alberto estão conversando, eles se entendem. Então, Alberto começa a falar italiano (a língua da vila de Portorosso) com Luca, mas ele não faz a menor ideia do que significa as coisas que está falando: ele só ouviu pessoas falarem aquelas coisas e reproduz aquilo que ouviu. O problema da língua é um dos principais entraves em qualquer tipo de imigração, e é um dos maiores desafios para um refugiado que chega em outro país cuja língua padrão é tão diferente da sua. Para um refugiado/imigrante, a língua é a principal barreira.

Acompanhando a história de Alberto, sabemos que ele perdeu o pai e por isso vive solto à beira da água, escondido, se virando. Esta é uma realidade infelizmente muito comum para crianças refugiadas, que são separadas de suas famílias por diversos motivos, e acabam tendo que sobreviver à própria sorte. Percebam que o que Alberto mais deseja é ter um pai, uma família, razão pela qual ele topa ficar em Portorosso com o pai de Giulia.

Pensemos agora no desejo de Luca. Ele nunca de fato quis ir para a superfície, mas, uma vez que ele vai e conhece a vila, ele passa a desejar aquela vida. Sim, isso é uma releitura da caverna de Platão, mas também é a realidade de muitos desses jovens refugiados, que se arriscam em busca de uma vida melhor para si, muitas vezes até sendo enviados sozinhos para outros países. Tudo que Luca mais quer é estudar, conhecer, saber. Ele quer se tornar um cidadão daquela região.

Por todos esses pontos, oferecemos aqui uma análise mais aprofundada de ‘Luca’. Em se tratando de Pixar, a gente sempre tem que buscar um tema muito mais profundo e humanizado nas produções. ‘Luca’ provavelmente é um filme que retrata alegoricamente o tema dos refugiados, mas que os espectadores ocidentais, acostumados em buscar o final feliz das coisas, estão enxergando apenas uma história sobre amizade. É também uma história de amizade. Uma história que mostra como a amizade entre diferentes raças, entre europeus e refugiados, é possível, saudável e, no final das contas, mostra que somos todos seres humanos.

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Janda Montenegrohttp://cinepop.com.br
Escritora, autora de 6 livros, roteirista, assistente de direção. Doutora em Literatura Brasileira Indígena UFRJ.

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