domingo , 22 dezembro , 2024

O que aprendemos nas outras vezes em que Hollywood quase parou

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Estreias adiadas, cinemas fechados, uma crise nos estúdios de Hollywood. Não, esta não é a primeira vez que isso acontece. Antes da corrida para evitar o contágio pelo novo coronavírus, a indústria da Sétima Arte sofreu uma paralisação semelhante à atual em 1933. Os motivos podem até ter sido completamente diferentes, mas as consequências não estão tão distantes assim — e ajudam a entender qual é a perspectiva que enfrentamos no momento.

Para isso, é preciso lembrar as aulas de história. O cenário é pós Crise de 29, e Franklin Delano Roosevelt venceu as eleições presidenciais de 32, tomando posse em março do ano seguinte. Foi então que começou a implementar sua agenda para conter a crise, o que acabou refletindo na área do entretenimento. 



A primeira estratégia de Roosevelt foi fechar as agências bancárias de todo o país de 6 a 13 de março de 33, já que a população estava fazendo altas retiradas de toda a economia. Oficialmente, a justificativa era dar ao governo tempo para entender qual era a situação dos bancos e estabilizá-los financeiramente. Na prática, era simplesmente conter a população e impedir que sacassem todo o dinheiro e afundassem o país ainda mais a crise. 

Quando os bancos foram reabertos, pouco havia mudado em termos práticos na economia. Mas as retiradas diminuíram consideravelmente e a população parecia estar mais calma. Ou seja: a tática deu certo. 

Assista também:
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Mas o feriado bancário foi o que causou um grande problema em Hollywood. À época, os chefes dos estúdios reuniram os funcionários e contaram que, como não havia dinheiro líquido, havia duas possíveis soluções: eles aceitavam um corte salarial de 50% por várias semanas ou as empresas sairiam do mercado. Os empregados acabaram aceitando o corte, com a promessa de que o valor seria restituído assim que a situação fosse normalizada.

Essa restituição, é claro, não aconteceu na maioria dos casos, inclusive em grandes estúdios até hoje entre os mais importantes. O The Hollywood Reporter conta ainda que alguns cortes sequer eram necessários. Para a população, o quadro era caótico: a grande ameaça era de que os estúdios iriam se fechar para nunca mais serem reabertos, e que a cultura estava em completo risco.

Na prática, o que essa situação toda causou foi…a criação das associações dos roteiristas, diretores e atores — ou seja, WGA, DGA e SAG. Isso porque os funcionários estavam contando com a recém criada Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (sim, a associação do Oscar) para a proteção de seus direitos. Quando a AMPAS lavou as mãos, a sindicalização tornou-se necessária.

Rechaçada, a Academia eventualmente passou a se posicionar a respeito de questões trabalhistas e voltou a se fortalecer. Mas não o suficiente para evitar que outras paralisações tomassem conta da indústria do entretenimento. Ao todo, foram 14 greves em Hollywood entre 1941 e 2007, de diversos setores: de músicos a atores de comerciais. 

Embora a mais longa greve de Hollywood seja a dos músicos de 1942, que durou cerca de 1 ano e um mês, e a maior greve dos roteiristas seja a de 1988, a greve dos roteiristas de 2007 é a mais fresca e significativa na memória pública.

Em linhas gerais, a greve dos roteiristas de 2007 foi causada por um impasse em relação ao valor pago por vendas de mídias físicas, como DVD, e dos webisódios, que são mais ou menos os avós dos programas de streaming. Em aproximadamente 100 dias de protesto, que envolveram personalidades da mídia e membros do SAG, o prejuízo estimado foi de US$ 2,1 bilhões, segundo analistas. As consequências sentidas na prática foram temporadas de séries reduzidas, filmes de qualidade duvidosa saindo do papel por falta de opção, e uma explosão de reality shows invadindo as telinhas e ganhando o gosto do público. 

A questionável 4ª temporada de ‘Lost’ foi uma das vítimas da greve dos roteiristas

A longo prazo, a ideia de temporadas reduzidas, já muito usada por séries de canais pagos, foi se tornando mais e mais agradável para a audiência, escassa de tempo e abarrotada de conteúdo. A grande consequência da greve, no entanto, foi abrir as portas para discussões sobre impacto de consumo e distribuição de séries e filmes em novas mídias. Afinal, os principais argumentos do WGA eram o alcance de episódios distribuídos online e a relevância destes conteúdos, teoricamente paralelos, para a trama principal.

Tudo isso eventualmente culminaria no streaming como conhecemos hoje, e consequentemente na próxima pergunta, que diz respeito ao cenário de 2020. O que irá mudar na distribuição de filmes daqui em diante? 

Uma das estratégias adotadas pelos estúdios para lidar com o adiamentos e o fechamento das salas de cinema é diminuir a janela entre o lançamento nas telonas e em VOD: Frozen 2 chegou mais cedo ao Disney+ nos Estados Unidos, e títulos como Aves de Rapina, Dois Irmãos, Bloodshot, The Hunt eO Homem Invisível também tiveram seus lançamentos digitais adiantados

Muitos analistas questionam se o movimento será mantido quando tudo voltar ao normal, ou se isso abre precedentes para que filmes medianos de grandes estúdios adotem o online de vez como a principal casa. Especula-se também a possibilidade de a estratégia de ‘Trolls 2’ (Trolls World Tour), que supostamente será lançado ao mesmo tempo nos cinemas e no VOD, abrir portas para um novo formato. Mas é cedo para bater o martelo, e não é prudente fazer conclusões do olho do furacão. Quando tudo isso passar, ainda teremos os filmes que “simplesmente precisam ser vistos no cinema” e filmes que “dá para esperar e assistir em casa”.

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Imediatamente, estamos diante de um prejuízo econômico associado a grandes demissões. Circulam informações que roteiristas de produções em desenvolvimento já estão sendo demitidos por canais de streaming ainda inéditos; séries perdem datas de estreia, locações e reduzem temporadas; blockbusters de arrasar quarteirões como Mulan, Velozes & Furiosos 9, Viúva Negra e ‘007 – Sem Tempo para Morrer’ são apenas alguns dos muitos filmes adiados. Tudo isso deve provocar um enorme efeito cascata nas estreias do segundo semestre em diante e uma canibalização dos lançamentos menores — sem falar no inevitável prejuízo econômico do visado verão americano.

Não bastasse, o tradicionalíssimo Festival de Cannes, que aconteceria em maio, foi adiado. Se for realizado, será apenas no segundo semestre. O que acontece com a temporada de premiações? Juntando isso ao adiamento do SXSW, estamos diante de um cenário em que filmes que deveriam ter sido apresentados no festival texano seguem sem distribuição, e as figurinhas do Oscar que deveriam surgir em terras francesas terão uma trajetória consideravelmente mais curta.

Resumo da ópera? Os prejuízos econômicos são incalculáveis, mas analistas de investimento estimam que os parques da Disney vão sentir os efeitos da pandemia no mínimo até o fim do ano, enquanto acalmam afirmando que as operações dos estúdios devem se normalizar muito em breve. 

Enquanto isso, são os streamings que navegam em águas cheias. Mesmo assim, a própria Netflix já pede aos assinantes que assistam a séries em qualidade SD, com medo de não conseguir atender a grande demanda. Por tudo isso, aos amantes do cinema e da TV: ainda sentiremos os efeitos do coronavírus na arte que consumimos por muito, muito tempo. Mas das duas grandes crises anteriores, passado o prejuízo, criaram-se soluções e alternativas, abriram-se debates e novos caminhos. O momento aqui também vai chegar. Só não sabemos quando. 

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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Estreias adiadas, cinemas fechados, uma crise nos estúdios de Hollywood. Não, esta não é a primeira vez que isso acontece. Antes da corrida para evitar o contágio pelo novo coronavírus, a indústria da Sétima Arte sofreu uma paralisação semelhante à atual em 1933. Os motivos podem até ter sido completamente diferentes, mas as consequências não estão tão distantes assim — e ajudam a entender qual é a perspectiva que enfrentamos no momento.

Para isso, é preciso lembrar as aulas de história. O cenário é pós Crise de 29, e Franklin Delano Roosevelt venceu as eleições presidenciais de 32, tomando posse em março do ano seguinte. Foi então que começou a implementar sua agenda para conter a crise, o que acabou refletindo na área do entretenimento. 

A primeira estratégia de Roosevelt foi fechar as agências bancárias de todo o país de 6 a 13 de março de 33, já que a população estava fazendo altas retiradas de toda a economia. Oficialmente, a justificativa era dar ao governo tempo para entender qual era a situação dos bancos e estabilizá-los financeiramente. Na prática, era simplesmente conter a população e impedir que sacassem todo o dinheiro e afundassem o país ainda mais a crise. 

Quando os bancos foram reabertos, pouco havia mudado em termos práticos na economia. Mas as retiradas diminuíram consideravelmente e a população parecia estar mais calma. Ou seja: a tática deu certo. 

Mas o feriado bancário foi o que causou um grande problema em Hollywood. À época, os chefes dos estúdios reuniram os funcionários e contaram que, como não havia dinheiro líquido, havia duas possíveis soluções: eles aceitavam um corte salarial de 50% por várias semanas ou as empresas sairiam do mercado. Os empregados acabaram aceitando o corte, com a promessa de que o valor seria restituído assim que a situação fosse normalizada.

Essa restituição, é claro, não aconteceu na maioria dos casos, inclusive em grandes estúdios até hoje entre os mais importantes. O The Hollywood Reporter conta ainda que alguns cortes sequer eram necessários. Para a população, o quadro era caótico: a grande ameaça era de que os estúdios iriam se fechar para nunca mais serem reabertos, e que a cultura estava em completo risco.

Na prática, o que essa situação toda causou foi…a criação das associações dos roteiristas, diretores e atores — ou seja, WGA, DGA e SAG. Isso porque os funcionários estavam contando com a recém criada Academia de Artes e Ciências Cinematográficas (sim, a associação do Oscar) para a proteção de seus direitos. Quando a AMPAS lavou as mãos, a sindicalização tornou-se necessária.

Rechaçada, a Academia eventualmente passou a se posicionar a respeito de questões trabalhistas e voltou a se fortalecer. Mas não o suficiente para evitar que outras paralisações tomassem conta da indústria do entretenimento. Ao todo, foram 14 greves em Hollywood entre 1941 e 2007, de diversos setores: de músicos a atores de comerciais. 

Embora a mais longa greve de Hollywood seja a dos músicos de 1942, que durou cerca de 1 ano e um mês, e a maior greve dos roteiristas seja a de 1988, a greve dos roteiristas de 2007 é a mais fresca e significativa na memória pública.

Em linhas gerais, a greve dos roteiristas de 2007 foi causada por um impasse em relação ao valor pago por vendas de mídias físicas, como DVD, e dos webisódios, que são mais ou menos os avós dos programas de streaming. Em aproximadamente 100 dias de protesto, que envolveram personalidades da mídia e membros do SAG, o prejuízo estimado foi de US$ 2,1 bilhões, segundo analistas. As consequências sentidas na prática foram temporadas de séries reduzidas, filmes de qualidade duvidosa saindo do papel por falta de opção, e uma explosão de reality shows invadindo as telinhas e ganhando o gosto do público. 

A questionável 4ª temporada de ‘Lost’ foi uma das vítimas da greve dos roteiristas

A longo prazo, a ideia de temporadas reduzidas, já muito usada por séries de canais pagos, foi se tornando mais e mais agradável para a audiência, escassa de tempo e abarrotada de conteúdo. A grande consequência da greve, no entanto, foi abrir as portas para discussões sobre impacto de consumo e distribuição de séries e filmes em novas mídias. Afinal, os principais argumentos do WGA eram o alcance de episódios distribuídos online e a relevância destes conteúdos, teoricamente paralelos, para a trama principal.

Tudo isso eventualmente culminaria no streaming como conhecemos hoje, e consequentemente na próxima pergunta, que diz respeito ao cenário de 2020. O que irá mudar na distribuição de filmes daqui em diante? 

Uma das estratégias adotadas pelos estúdios para lidar com o adiamentos e o fechamento das salas de cinema é diminuir a janela entre o lançamento nas telonas e em VOD: Frozen 2 chegou mais cedo ao Disney+ nos Estados Unidos, e títulos como Aves de Rapina, Dois Irmãos, Bloodshot, The Hunt eO Homem Invisível também tiveram seus lançamentos digitais adiantados

Muitos analistas questionam se o movimento será mantido quando tudo voltar ao normal, ou se isso abre precedentes para que filmes medianos de grandes estúdios adotem o online de vez como a principal casa. Especula-se também a possibilidade de a estratégia de ‘Trolls 2’ (Trolls World Tour), que supostamente será lançado ao mesmo tempo nos cinemas e no VOD, abrir portas para um novo formato. Mas é cedo para bater o martelo, e não é prudente fazer conclusões do olho do furacão. Quando tudo isso passar, ainda teremos os filmes que “simplesmente precisam ser vistos no cinema” e filmes que “dá para esperar e assistir em casa”.

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Imediatamente, estamos diante de um prejuízo econômico associado a grandes demissões. Circulam informações que roteiristas de produções em desenvolvimento já estão sendo demitidos por canais de streaming ainda inéditos; séries perdem datas de estreia, locações e reduzem temporadas; blockbusters de arrasar quarteirões como Mulan, Velozes & Furiosos 9, Viúva Negra e ‘007 – Sem Tempo para Morrer’ são apenas alguns dos muitos filmes adiados. Tudo isso deve provocar um enorme efeito cascata nas estreias do segundo semestre em diante e uma canibalização dos lançamentos menores — sem falar no inevitável prejuízo econômico do visado verão americano.

Não bastasse, o tradicionalíssimo Festival de Cannes, que aconteceria em maio, foi adiado. Se for realizado, será apenas no segundo semestre. O que acontece com a temporada de premiações? Juntando isso ao adiamento do SXSW, estamos diante de um cenário em que filmes que deveriam ter sido apresentados no festival texano seguem sem distribuição, e as figurinhas do Oscar que deveriam surgir em terras francesas terão uma trajetória consideravelmente mais curta.

Resumo da ópera? Os prejuízos econômicos são incalculáveis, mas analistas de investimento estimam que os parques da Disney vão sentir os efeitos da pandemia no mínimo até o fim do ano, enquanto acalmam afirmando que as operações dos estúdios devem se normalizar muito em breve. 

Enquanto isso, são os streamings que navegam em águas cheias. Mesmo assim, a própria Netflix já pede aos assinantes que assistam a séries em qualidade SD, com medo de não conseguir atender a grande demanda. Por tudo isso, aos amantes do cinema e da TV: ainda sentiremos os efeitos do coronavírus na arte que consumimos por muito, muito tempo. Mas das duas grandes crises anteriores, passado o prejuízo, criaram-se soluções e alternativas, abriram-se debates e novos caminhos. O momento aqui também vai chegar. Só não sabemos quando. 

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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