sábado , 16 novembro , 2024

O que esperar de Army of the Dead? | A Origem dos Mortos-Vivos e o Consumismo “zumbificado” por Romero

Novo filme de Zack Snyder promete tocar em tema popularizado pelo pai do gênero zumbi

Recentemente foi disponibilizado o novo trailer de Army of the Dead, próximo filme dirigido por Zack Snyder para a Netflix previsto para 2021. Segundo a premissa, um grupo de mercenários deve roubar um cassino em uma Las Vegas infestada de zumbis; dessa forma dando margem para discutir o significado do famoso lema “cidade do pecado” mediante uma possível crítica social.

Para o público atual, zumbis e comentários sócio-políticos podem não ser tão distintos um do outro (visto principalmente a popularidade obtida por The Walking Dead que constantemente se aventura em comentários sobre a selvageria humana gratuita ou como forma de defesa). Porém até 1968, quando foi lançada A Noite dos Mortos-Vivos, adaptar os icônicos canibais meio mortos significava realizar um filme de fantasia.



Isso porque o conceito inicial atrelado aos zumbis no cinema, mais especificamente, até meados dos anos 60 era muito mais diretamente ligado à concepção folclórica que muitos países da África, ou com grandes concentrações de escravos trazidos do continente, tinham dos ditos mortos que voltavam à vida. A fonte da lenda remete ao folclore haitiano que aborda sobre corpos que são reanimados por meio de métodos mágicos, geralmente praticados por um feiticeiro experiente chamado bakor, e cuja única vontade é de servir ao novo mestre.

“A Noite dos Mortos Vivos”; um clássico do cinema independente

Algumas obras no início do século XX já adaptaram essa origem haitiana do mito zumbi, sendo uma das mais conhecidas o filme White Zombie com Bela Lugosi de 1932, ainda que pecando por atribuir a magia maliciosa praticada pelos bakor à prática da religião vudu, como se uma fosse indissociável da outra. King of the Zombies, de 1941, também põe na mesa a questão do zumbi como uma vítima do controle de terceiros, ainda que relacionando isso à uma trama de espionagem política.

Dani Di Placido, na matéria The Evolution of the Zombie para a Forbes, aborda sobre como a lenda pode ter ligações profundas com dramas da realidade. “O zumbi haitiano reflete um medo óbvio; ser escravizado por uma figura poderosa, e forçado a fazer sua vontade. Dado que os haitianos são descendentes dos africanos escravizados, não é surpreendente que esse fosse o monstro que amedrontava seu subconsciente”.

Essa ligação com o misticismo, no entanto, não duraria para sempre. Quando o diretor George Romero iniciou seu projeto, o cinema de maneira geral passava por uma mudança; saia o modelo clássico de se produzir filmes e uma nova geração de cineastas inspirada pelos movimentos europeus (Nouvelle Vague e o Novo Cinema Alemão principalmente) rodava novos projetos dispostos a mais do que nunca a discutir tabus como sexo e violência, além de tecer críticas à acontecimentos como a Guerra do Vietnã e o consumo desenfreado.

O inesquecível Bela Lugosi em “White Zombie”

A estreia de A Noite dos Mortos-Vivos representou um primeiro passo para o cineasta pois reformulou a noção atrelada aos zumbis como sendo apenas servos sem livre arbítrio. Com Romero a desconstrução entregou para o público uma nova interpretação: aquela das criaturas que andam em hordas e tem uma fome canibal descontrolada. O filme também criou o cenário que seria mais comum para obras do gênero que é o de um grupo de pessoas acuado precisando achar um meio de impedir que os zumbis invadam o local.

Mesmo assim, essa ainda era uma produção independente e, portanto, com uma abordagem de enredo forçadamente limitada e com nenhum espaço para estudar mais profundamente as questões sociais que o diretor desejava trazer. Dito isso, em 1978 ele lançou a sequência Despertar dos Mortos contendo não só um orçamento maior do que o filme original como também tendo a ajuda do cineasta italiano Dario Argento na elaboração do enredo e distribuição.

Logo de cara é perceptível que o filme era mais expandido que seu predecessor; enquanto que a obra de 1968 se limitou a acompanhar um grupo de pessoas acuado em uma cabana, a sequência mostra logo de início a dissolução da sociedade devido aos ataques dos mortos vivos; com a mídia em total confusão mas decidida a continuar a transmissão de um debate sobre o caos; uma batida policial que termina em confronto e numa eventual execução de diversos moradores de origem porto-riquenha em um prédio.

“Despertar dos mortos” expandiu a mitologia dos zumbis de Romero

Romero consegue então finalmente aplicar sua crítica ferrenha aos principais problemas da sociedade do ponto de vista dele ao combiná-los com tais seres fantasiosos como os zumbis. Entre situações que envolvem violência e racismo, a obra abre margem para tecer um comentário sobre fé e a ligação dos vivos com seus mortos. 

É possível reconhecer em cada tiro dado “por diversão”  por personagens figurantes em zumbis como uma comparação a excessos de soldados no Vietnã; dessa forma o filme equilibra o medo do ser humano em receber alguma punição divina ao desrespeitar cadáveres (deixando-os intactos e assim propensos a se tornarem zumbis) com uma apatia com a morte nascida muito rápida desse apocalipse. O ato final, famoso por se passar em um shopping, não é gratuito pois mesmo mortos os humanos tendem, segundo Romero a se voltarem para os templos do consumismo a fim de sanar suas necessidades.

Army of the Dead tem em mãos a possibilidade de continuar o legado iniciado pela saga dos mortos de George Romero; mesmo que possa não entregar uma nova abordagem sobre essa forma do dissecar social, o vindouro filme de Snyder precisa mostrar que tem ciência de pertencer a um movimento muito maior, muito mais importante e socialmente consciente do que pode parecer a princípio.

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Recentemente foi disponibilizado o novo trailer de Army of the Dead, próximo filme dirigido por Zack Snyder para a Netflix previsto para 2021. Segundo a premissa, um grupo de mercenários deve roubar um cassino em uma Las Vegas infestada de zumbis; dessa forma dando margem para discutir o significado do famoso lema “cidade do pecado” mediante uma possível crítica social.

Para o público atual, zumbis e comentários sócio-políticos podem não ser tão distintos um do outro (visto principalmente a popularidade obtida por The Walking Dead que constantemente se aventura em comentários sobre a selvageria humana gratuita ou como forma de defesa). Porém até 1968, quando foi lançada A Noite dos Mortos-Vivos, adaptar os icônicos canibais meio mortos significava realizar um filme de fantasia.

Isso porque o conceito inicial atrelado aos zumbis no cinema, mais especificamente, até meados dos anos 60 era muito mais diretamente ligado à concepção folclórica que muitos países da África, ou com grandes concentrações de escravos trazidos do continente, tinham dos ditos mortos que voltavam à vida. A fonte da lenda remete ao folclore haitiano que aborda sobre corpos que são reanimados por meio de métodos mágicos, geralmente praticados por um feiticeiro experiente chamado bakor, e cuja única vontade é de servir ao novo mestre.

“A Noite dos Mortos Vivos”; um clássico do cinema independente

Algumas obras no início do século XX já adaptaram essa origem haitiana do mito zumbi, sendo uma das mais conhecidas o filme White Zombie com Bela Lugosi de 1932, ainda que pecando por atribuir a magia maliciosa praticada pelos bakor à prática da religião vudu, como se uma fosse indissociável da outra. King of the Zombies, de 1941, também põe na mesa a questão do zumbi como uma vítima do controle de terceiros, ainda que relacionando isso à uma trama de espionagem política.

Dani Di Placido, na matéria The Evolution of the Zombie para a Forbes, aborda sobre como a lenda pode ter ligações profundas com dramas da realidade. “O zumbi haitiano reflete um medo óbvio; ser escravizado por uma figura poderosa, e forçado a fazer sua vontade. Dado que os haitianos são descendentes dos africanos escravizados, não é surpreendente que esse fosse o monstro que amedrontava seu subconsciente”.

Essa ligação com o misticismo, no entanto, não duraria para sempre. Quando o diretor George Romero iniciou seu projeto, o cinema de maneira geral passava por uma mudança; saia o modelo clássico de se produzir filmes e uma nova geração de cineastas inspirada pelos movimentos europeus (Nouvelle Vague e o Novo Cinema Alemão principalmente) rodava novos projetos dispostos a mais do que nunca a discutir tabus como sexo e violência, além de tecer críticas à acontecimentos como a Guerra do Vietnã e o consumo desenfreado.

O inesquecível Bela Lugosi em “White Zombie”

A estreia de A Noite dos Mortos-Vivos representou um primeiro passo para o cineasta pois reformulou a noção atrelada aos zumbis como sendo apenas servos sem livre arbítrio. Com Romero a desconstrução entregou para o público uma nova interpretação: aquela das criaturas que andam em hordas e tem uma fome canibal descontrolada. O filme também criou o cenário que seria mais comum para obras do gênero que é o de um grupo de pessoas acuado precisando achar um meio de impedir que os zumbis invadam o local.

Mesmo assim, essa ainda era uma produção independente e, portanto, com uma abordagem de enredo forçadamente limitada e com nenhum espaço para estudar mais profundamente as questões sociais que o diretor desejava trazer. Dito isso, em 1978 ele lançou a sequência Despertar dos Mortos contendo não só um orçamento maior do que o filme original como também tendo a ajuda do cineasta italiano Dario Argento na elaboração do enredo e distribuição.

Logo de cara é perceptível que o filme era mais expandido que seu predecessor; enquanto que a obra de 1968 se limitou a acompanhar um grupo de pessoas acuado em uma cabana, a sequência mostra logo de início a dissolução da sociedade devido aos ataques dos mortos vivos; com a mídia em total confusão mas decidida a continuar a transmissão de um debate sobre o caos; uma batida policial que termina em confronto e numa eventual execução de diversos moradores de origem porto-riquenha em um prédio.

“Despertar dos mortos” expandiu a mitologia dos zumbis de Romero

Romero consegue então finalmente aplicar sua crítica ferrenha aos principais problemas da sociedade do ponto de vista dele ao combiná-los com tais seres fantasiosos como os zumbis. Entre situações que envolvem violência e racismo, a obra abre margem para tecer um comentário sobre fé e a ligação dos vivos com seus mortos. 

É possível reconhecer em cada tiro dado “por diversão”  por personagens figurantes em zumbis como uma comparação a excessos de soldados no Vietnã; dessa forma o filme equilibra o medo do ser humano em receber alguma punição divina ao desrespeitar cadáveres (deixando-os intactos e assim propensos a se tornarem zumbis) com uma apatia com a morte nascida muito rápida desse apocalipse. O ato final, famoso por se passar em um shopping, não é gratuito pois mesmo mortos os humanos tendem, segundo Romero a se voltarem para os templos do consumismo a fim de sanar suas necessidades.

Army of the Dead tem em mãos a possibilidade de continuar o legado iniciado pela saga dos mortos de George Romero; mesmo que possa não entregar uma nova abordagem sobre essa forma do dissecar social, o vindouro filme de Snyder precisa mostrar que tem ciência de pertencer a um movimento muito maior, muito mais importante e socialmente consciente do que pode parecer a princípio.

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