Sob uma sensação térmica de 60º C, lembro-me de entrar no Estádio Olímpico Nilton Santos no dia 17 de novembro de 2023, por volta das cinco e meia da tarde, para esperar o início do primeiro show da ‘The Eras Tour’, aclamado concerto de Taylor Swift, no Brasil. Enquanto os fãs mais ferrenhos se aglomeravam perto da passarela, ansiosos para o momento em que a titânica performer tomaria conta dos palcos, resolvi ficar um pouco mais para trás para ter uma visão da legião incontável de swifties que, mesmo embaixo de um sol escaldante e digladiando para conseguirem comprar um mísero copo de água, juraram que não deixariam nada estragar aquele momento histórico – afinal, a última vez que Swift viera ao Brasil foi em 2013.
De certa forma, a passagem de Taylor já era cobiçada desde 2020, quando deveria ter passado por aqui com a turnê promocional de ‘Lover’, seu sétimo álbum de estúdio – mas a pandemia do COVID-19 atrapalhou os planos e a fez adiar os planos por um tempo considerável. E, talvez, isso tenha sido para o melhor: desde então, ela embarcou em sua jornada para relançar álbuns antigos, que foram revisitados pela crítica e pelo público (e que renderam inúmeros presentes para os fãs, como músicas inéditas e a versão de dez minutos da ovacionada faixa “All Too Well”, integrada à ‘The Eras’), bem como três compilados de inéditas (‘Folklore’, ‘Evermore’ e ‘Midnights’), rendendo-lhe mais uma estatueta de Álbum do Ano e acrescentando mais camadas à sua carreira camaleônica.
Com o início da nova turnê, Swift imediatamente quebrou inúmeros recordes de arrecadação, expandindo seu império ao redor do mundo e cumprindo sua promessa de voltar ao nosso país após anunciar três apresentações no Rio de Janeiro e em São Paulo. E é claro que, considerando o fervor do público brasileiro, ela ficaria encantada ao descobrir que os fãs haviam conseguido exibir uma imagem no próprio Cristo Redentor para lhe dar as boas-vindas de maneira inusitada e que, inexplicavelmente, gerou a fúria em grupos mais conservadores (o que, na verdade, era apenas uma cortina de fumaça para esconder o constante sexismo que Taylor enfrenta desde seus primeiros anos de carreira). No final das contas, os planos dos swifties se concretizaram e fomentaram o que seria não apenas um dos melhores shows do ano, mas reiteraria a força performática descomunal da artista – capaz de mover milhares de pessoas em um mesmo lugar a gritarem letras românticas e de empoderamento a plenos pulmões.
Mesmo com inúmeros vídeos circulando pelas redes sociais desde o primeiro dia dos shows, ver a contagem do relógio chegando a zero é uma experiência única – e a antecipação já começa a dar as caras quando a última música do setlist de espera, “Applause”, de Lady Gaga, irrompe em seus primeiros toques. Quando os bailarinos deslizam pela passarela, sabemos que a jornada começou e, ao longo de três horas e meia, Taylor entrega tudo de si para celebrar a culminação testamentária de uma carreira recheada de sucessos e que ainda tem muito a nos contar.
O concerto é composto por nada menos que dez atos, incluindo uma seção acústica em que a artista escolhe duas canções que não fazem parte do setlist da turnê para presentear os fãs. Cada um deles é pensado meticulosamente não apenas para ser um espetáculo visual, mas uma amálgama entre pessoalismo, candura e mágica que garante que todas as engrenagens sejam extremamente necessárias para a compreensão das mensagens que Swift quer dar aos espectadores: logo de cara, somos arrebatados em fascínio por uma explosão de cores apaixonante que acompanha a estética dos álbuns, aproveitando para mergulhar em uma psicológica arquitrama que não poderia ser melhor representada por outra pessoa além da cantora e compositora.
A verdade é que Taylor insurge como uma artista que está além do tempo e do espaço, beirando um delicioso anacronismo que reúne dezessete anos de carreira em um magnífico número através do qual ela sabe que não é a única protagonista – visto que ela conta com um aparato de realizadores e o calor dos fãs. Como ela constantemente nos lembra, ela não estaria lá sem nós (mas, considerando o árduo trabalho em que mergulhou desde sua estreia oficial no cenário fonográfico, ela teria chegado aonde chegou: no patamar de uma das maiores popstars da história da música atual). E é essa relação que mantém com a audiência que transforma o show em uma colaboração intrínseca e simbiótica de vários elementos que confluem para uma memorabilia incandescente e inefável e que, imediatamente, nos leva a pensar o que ela fará em um futuro próximo.
Mencionar a quantidade de hits que Swift nos entrega em seu show parece algo redundante nesse ponto – pois há algo muito maior que nos cativa, como mencionado nos parágrafos anteriores. Mas é sempre incrível unir-se em um conglomerado de vozes que grita os versos de “Blank Space”, “22”, “You Need To Calm Down” e “Willow”, fazendo parte do espetáculo através de um convite irrecusável. É claro que alguns problemas técnicos apareceram em sua abertura no Brasil – mas nada disso importa quando percebemos a magnitude do que a ‘The Eras Tour’ representa aos assíduos seguidores da artista e, mais ainda, a ela mesma.