2020 marca o aniversário dos 30 anos de ‘Caçada ao Outubro Vermelho’ e da possível estreia da terceira temporada de ‘Jack Ryan’
Em março de 1990 chegava aos cinemas Caçada ao Outubro Vermelho, adaptação do livro homônimo de Tom Clancy que narra a tentativa do Capitão do submarino Outubro Vermelho, Marko Ramius, em levar a moderna embarcação soviética para os Estados Unidos em um ato de deserção e vingança contra seu próprio país.
A aproximação, porém, não gera uma situação de conforto para os americanos pois eles não estão cientes que este submarino nuclear está se entregando e, ao mesmo tempo a marinha russa está à caça da embarcação. Com isso, somente o analista da CIA Jack Ryan pode fazer uma intermediação entre o governo ocidental e o submarino.
Antes de mais nada é importante estabelecer a importância do material fonte, no caso o livro. Foi o primeiro livro que o Tom Clancy escreveu e a primeira vez também em que ele pôde expor todo seu conhecimento militar, principalmente sobre o funcionamento detalhado de um submarino nuclear. Sem dúvida o episódio mais simbólico relacionado ao livro de Clancy foi quando o ex-presidente americano, Ronald Reagan, elogiou-o publicamente.
No contexto da publicação da obra em 1984, essa aprovação do mandatário não foi ao acaso. Reagan estava em vias de concorrer à reeleição defendendo uma pauta anticomunismo e de retomada à corrida armamentista com os russos. No âmbito econômico os EUA demonstravam crescimento em virtude do boom do mercado de ações na época, enquanto os soviéticos concentravam todos os seus recursos no Afeganistão. Ao mesmo tempo, algumas regiões do bloco comunista do leste já começavam a demonstrar insatisfação popular com o modelo autoritário de alguns regimes.
Portanto, um livro sobre um alto oficial da marinha russa que decide entregar de livre e espontânea vontade o submarino mais avançado da frota para os americanos, e só não é destruído pois um oficial da inteligência nacional (que no mesmo ano se encontrava em meio a extremamente cara Operação Ciclone, dando apoio aos guerrilheiros anti-soviéticos no Afeganistão) decide intervir a seu favor.
Durante o artigo Ronald Reagan Responsible for Tom Clancy’s Rise, a autora Nikki Schwab repassou uma frase do autor Tevi Troy em que ele aponta o peso que o elogio do ex-presidente teve para a obra. “Presidentes podem surtir efeito nas vendas de livros. Mas o chocalho de livros do presidente é maior quando eles escolhem obras que os americanos estão inclinados a ler, um fenômeno conhecido como Lei de Clancy”.
Não à toa, seis anos depois uma adaptação foi encomendada sob a direção de John McTiernan (conhecido até então pelo primeiro Duro de Matar e O Predador). Aceitar esse projeto significava assumir um risco técnico, principalmente na questão de construção do roteiro. Isso porque o material original é extremamente rico em detalhes técnicos sobre o funcionamento de equipamentos militares. O fato serviu para enriquecer a leitura, mas seria difícil de transpassar para a tela sem soar didático e deslocado demais do resto da história.
O produtor do filme, Mace Neufeld, já admitiu em outras ocasiões a dificuldade logística relacionada a essa questão. “Em Hollywood, em decorrência do curto prazo, poucas pessoas em posição de falar ‘sim’ para um projeto como esse leram o livro. Eles geralmente leem o relatório de leitura e esse livro não se condensa bem em duas ou três páginas”.
Em se tratando de elenco, a obra contou com grandes nomes de Hollywood como Sean Connery na pele do verdeiro protagonista Marko Ramius, Alec Baldwin dando vida ao herói Jack Ryan (Baldwin foi o primeiro ator a interpretar o personagem), James Earl Jones como o Almirante Greer e Sam Neill como o Capitão Borodin. Financeiramente falando, o filme também se destacou, tendo sido uma das grandes bilheterias de 1990. Segundo o Box Office Mojo, ele teve um orçamento de US$ 30 milhões e, ao final do período de exibição, conseguiu arrecadar um lucro de mais de US$ 200 milhões.
Criticamente o filme arrancou muitos elogios pelo desempenho de seu elenco e por conquistas técnicas. No Oscar de 1991, ele recebeu duas indicações: Melhor Montagem e Melhor Som. Naquele mesmo ano concorreu ao BAFTA em três categorias: Melhor ator (Connery), Melhor Desenho de Produção e Melhor Som
A longo prazo o sucesso de Caçada ao Outubro Vermelho acabou incentivando novas incursões ao universo criado por Tom Clancy, apelidado eventualmente (mas sem envolvimento do autor) de Ryanverso em homenagem ao protagonista Jack Ryan, em filmes como Jogos Patrióticos (1992), Perigo Real e Imediato (1994) e os reboots com um Ryan mais jovem em seus primeiros anos como agente em A Soma de Todos os Medos (2002) e Operação Sombra – Jack Ryan (2014) – este último não baseado em nenhum livro.
Em 2018 o serviço de streaming da Amazon encomendou uma série que seria responsável por atualizar as histórias de Clancy para o mundo atual e com John Krasinski no papel principal. O responsável pelo programa ficou sendo Carlton Cuse, que anteriormente já esteve à frente de Lost. Com duas temporadas até o momento e uma terceira já confirmada, Jack Ryan utiliza situações (ou melhor dizendo, crises) reais que repercutiram em tempos recentes para servir de ponto de partida para o enredo; não muito diferente dos livros que tinham como base a guerra fria ou operações contra cartéis de drogas na América Latina.
A primeira temporada tem como premissa a ação de grupos terroristas fundamentalistas em solo ocidental, baseado livremente em episódios reais como os atentados no metrô de Madrid em 2004 ou Manchester em 2017. Já a segunda é mais focada na instabilidade política que assola a Venezuela e o interesse estrangeiro (mais especificamente o russo) pela continuidade dessa fragilidade.
Apesar de entregar uma trama cheia de ação e um investimento técnico visivelmente alto por parte da Amazon, Jack Ryan não traz nada que já não tenha sido explorado antes por Homeland, 24 Horas ou até um pouco por NCIS. Por outro lado, jargões técnicos são usados com frequência, especialmente na primeira temporada, para explicar temas como transferências financeiras. É a série utilizando o principal elemento dos livros a seu favor.