A cada ano os cinéfilos são brindados com centenas de produções para degustarem. São filmes de toda parte do mundo, mas as atenções em geral são voltadas para o cinema dos EUA – o mais exportado internacionalmente e mais consumido em seu próprio território, um dos mais fortes mercados cinematográficos. Não por acaso Hollywood é conhecida como a terra do cinema. Destas centenas ou milhares de produções anuais, no máximo umas duas dezenas se destacam verdadeiramente. E tão difícil quanto se destacar positivamente em um respectivo ano, é se destacar negativamente. Aqui não estou me referindo a uma produção genérica qualquer, que ainda consegue encontrar defensores em alguns casos, mas sim a filmes unanimemente execrados – usados como a primeira camada do fundo do poço. Tais filmes são os exatos extremos opostos dos melhores filmes do ano.
Toda esta introdução apenas para chegarmos até Pare! Senão Mamãe Atira, de 1992, “comédia” (ênfase nas aspas) protagonizada pelo astro Sylvester Stallone (então um dos maiores de Hollywood) que entraria para a história infamemente conhecido como um dos piores longas-metragens de todos os tempos. A obra peculiar está completando 30 anos de sua estreia em 2022 e está atualmente disponível na Netflix (embora não saibamos até quando – poderá ser removido do catálogo a qualquer momento). Com o pensamento “o que seria dos filmes bons sem os ruins”, nada mais justo do que uma nova olhada neste filme… digamos, pouco apreciado na filmografia de Stallone e no catálogo da Universal Pictures.
Nos anos 1980, Sylvester Stallone estava no topo do mundo e era um dos maiores astros do cinema de ação em Hollywood. O ator foi importantíssimo não apenas para abrir portas para gente como Dwayne Johnson, Vin Diesel e Jason Statham, mas também por ajudar a consolidar este subgênero dos “exércitos de um homem só”, filmes onde o protagonista era o suficiente para derrotar quantos bandidos fossem. Muito deste prestígio conquistado por Stallone se deu graças ao sucesso das franquias Rocky e Rambo – que na década atingiam seus auges com Rocky IV e Rambo 2 – A Missão, ambos de 1985. Sly, no entanto, não reinava só, e tinha uma verdadeira pedra austríaca em seu sapato, que atende pelo nome impronunciável Arnold Schwarzenegger. Na década, os dois brucutus duelavam nos bastidores pelos melhores filmes e as maiores bilheterias – fato confirmado por ambos em entrevistas atuais.
Nessa “guerra declarada” a competição era bem real para estar no topo como o rei de Hollywood. Hoje, é claro, os veteranos são amigos, já colaboraram em pelo menos quatro produções juntos, e contam estas histórias rindo. A mais notória delas é justamente a que envolve Pare! Senão Mamãe Atira. Segundo o próprio Arnold, após o sucesso de sua transição para a comédia nos elogiados Irmãos Gêmeos (1988) e Um Tira no Jardim de Infância (1990), todo tipo de oferta no gênero chegava à sua porta. Um destes roteiros era justamente o escrito por William Osborne e Will Davies, dupla responsável por Irmãos Gêmeos, em parceria com Blake Snyder. A ideia para o citado filme de 1988 não é, por assim dizer, a mais mundana para uma comédia – afinal ter Arnold e Danny DeVito como irmãos gêmeos muito diferentes poderia ter dado muito errado, mas nas mãos de um realizador como Ivan Reitman deu muito certo. E aqui a proposta era mais ou menos a mesma – com um policial linha dura precisando lidar com seu maior desafio: a visita da mãe enxerida!
A equipe de Irmãos Gêmeos e Pare! Senão Mamãe Atira inclusive era mais ou menos a mesma – contando além do roteiro, com a produção de Ivan Reitman. O pensamento geral era: por mais insana e até mesmo idiota que fosse a premissa de Irmãos Gêmeos em seu roteiro, os atores e os realizadores fizeram a história funcionar. E o mesmo podia ser feito no filme da “mamãe é uma peça”. Assumindo a direção, era contratado pela Universal Pictures, o estúdio que produziria o longa pela “bagatela” de US$45 milhões (um valor elevado para a época), o cineasta Roger Spottiswoode – diretor veterano cujo trabalho anterior também havia performado abaixo do esperado (Air America – Loucos Pelo Perigo, de 1990), mas depois seguiria para o sucesso 007 – O Amanhã Nunca Morre (1997). Sem qualquer papa na língua, o ex-Governator admite que quando leu o roteiro de Pare! Senão Mamãe Atira, achou uma m#rda. Assim o próximo passo do grandalhão foi mandar espalhar o boato pelos quatro cantos de Hollywood que ele estaria muito interessado no projeto. Stallone mordeu a isca e disse para seu agente que queria o papel principal custasse o que fosse – acreditando que assim o roubaria das mãos do rival.
Na trama, Stallone vive o policial Joe Bomowski, o típico durão do repertório da carreira do ator. A cena que abre o filme inclusive poderia ser tirada de qualquer veículo de ação estrelado por Sly, e mostra o personagem disfarçado em uma operação que sai errado e termina numa troca de tiros com mortes e letreiros luminosos caindo na cabeça dos bandidos – bem no estilo da ação megalômana que tais produções do ator costumam exibir. Joe não é o policial mais ortodoxo de seu distrito e ainda reserva uma relação amorosa com sua chefe, papel de JoBeth Williams (a mãe de Poltergeist). Nada disso parece abalar o protagonista, sua maior preocupação é mesmo sua matriarca invasiva e totalmente sem noção Tutti (papel de Estelle Getty). A atriz veterana, falecida em 2008 aos 84 anos, na época era um nome muito famoso da TV graças ao seriado Super Gatas (Golden Girls), da rede NBC, que permaneceu no ar de 1985 a 1992 – e estava inclusive no ar encerrando sua sétima e última temporada quando Pare! Senão Mamãe Atira estreou no fim de fevereiro de 1992. Aliás, uma das artes promocionais no cartaz do filme traz Getty de cabelos brancos (embora no filme tenha cabelos ruivos) para melhor associá-la à personagem do querido seriado.
Pare! Senão Mamãe Atira pode ser considerado um filme de uma piada só. Aqui, os realizadores parecem querer extrair graça a todo custo simplesmente de ter o brucutu Sylvester Stallone constantemente humilhado pelos paparicos sem noção de sua idosa mãe (Estelle Getty). O pitch era apenas ter Stallone e Getty juntos – e só por esta descrição já deu para perceber o quanto isso pode ser repetitivo. Esta “mamãe é uma peça” continuamente mostra fotos de quando o policial era criança para completos estranhos na rua, usa aspirador durante a madrugada acordando o filho, lava sua arma a arruinando por completo, e inclusive compra armas automáticas ilegais de vendedores nas ruas para presentear o filho. Além, é claro, de se meter na vida pessoal do sujeito – a quem ainda enxerga como um menino. No auge da “pagação de mico” do filme, Stallone tem um pesadelo com a mãe na qual de fato se transforma num bebê usando fraldas no meio de uma operação policial. Mas o maior crime de Pare! Senão Mamãe Atira é ser uma comédia onde o riso não pode ser encontrado em nenhum lugar. O que é fatal para qualquer filme do gênero.
Não foi apenas Sylvester Stallone que foi enganado nos bastidores para fazer o filme. Sua co-protagonista Estelle Getty também terminou ludibriada pelos produtores do longa. Quando a então septuagenária atriz leu o roteiro e percebeu que a história teria tantas armas envolvidas, avisou que só faria o filme se elas fossem retiradas ou reduzidas substancialmente da narrativa. Os produtores concordaram, e quando Getty assinou, o resultado (como podemos ver em tela) não foi bem o prometido.
Pare! Senão Mamãe Atira fez sua estreia no dia 21 de fevereiro de 1992 – época “morta” (ao menos no passado) para o lançamento de grandes filmes (a Universal talvez já estivesse prevendo o pior). Com um orçamento de US$45 milhões o filme sequer se pagou nos EUA, obtendo uma arrecadação final de um pouco mais de US$28 milhões em seu país de origem. O longa, porém, seria salvo pela carreira internacional, onde fez mais US$42 milhões ao redor do mundo, somando um total de US$70 milhões e se tornando um sucesso moderado de bilheteria. Em seu fim de semana de estreia, chegou em segunda posição do ranking, atrás de Quanto Mais Idiota Melhor, que havia estreado no fim de semana anterior. No fim de semana seguinte, cairia para terceiro, atrás da estreia de Memórias de um Homem Invisível (comédia com Chevy Chase e Daryl Hannah, dirigida por John Carpenter) e depois para sexta posição.
As críticas, no entanto, inclusive do próprio astro em relação à obra, impediriam qualquer chance de continuação (ainda bem). Para! Senão Mamãe Atira recebeu 3 indicações ao mais famoso “prêmio” do pior do cinema, o Framboesa de Ouro: pior ator (Stallone), pior atriz coadjuvante (Estelle Getty) e pior roteiro – e saiu “vitorioso” de todos os três. Fora isso, também foi indicado a pior filme do ano na “premiação” do Hastings Bad Cinema Society, o Stinkers Bad Movie Awards, em sua 15ª edição, em 1992. O renomado crítico de cinema Roger Ebert, um dos maiores, mais importantes e influentes de todos os tempos, disse o seguinte do filme em seu programa Siskel & Ebert At the Movies na época: “Este é um dos piores filmes que eu já vi. Não possui sequer uma cena engraçada. E não possui qualquer momento interessante”. Mas o golpe de misericórdia viria do próprio astro do filme, Sylvester Stallone. O ator foi categórico ao dizer que este é o pior filme que já fez. Afirmação que reitera a toda oportunidade que possui. Se para mais nada, Pare! Senão Mamãe Atira entra para a história como o filme no qual um astro trapaceou outro a fazer, na mais extrema pegadinha já tentada. Não é todo dia que vemos uma manobra dessas.