A década passada foi marcada por um dos maiores eventos de todos os tempos da televisão – a estreia de ‘Game of Thrones’, adaptação seriada da aclamada saga de fantasia assinada por George R.R. Martin. Ao longo de oito temporadas, o público foi convidado a conhecer o conturbado mundo de Westeros, navegando entre as intrigas, as disputas de poder e as chocantes reviravoltas envolvendo famílias poderosas e personagens extremamente complexos que caíram no gosto dos espectadores e da crítica – não é surpresa, pois, que a produção quebrou recordes de audiência e de prêmios. Entretanto, é necessário falar do “elefante na sala” e comentar que o grand finale dessa épica narrativa deixou muito a desejar, culminando em um agridoce sentimento de frustração.
Agora, está na hora de voltarmos a Westeros com a vindoura adaptação de ‘A Casa do Dragão’ (ou ‘House of the Dragon’, no original em inglês). Anunciada pouco depois do término da série principal, o spin-off nos leva de volta ao passado, duzentos anos antes do nascimento de Daenerys (Emilia Clarke), e desenrola um enredo focado na infame Casa Targaryen no auge de seu poder e no começo de sua decadência derradeira. E o episódio piloto, intitulado “The Heirs of the Dragon”, consegue capturar toda a essência pela qual nos apaixonamos há mais de uma década, apostando fichas em um drama familiar de época que nos arranca suspiros e nos prepara para uma temporada recheada de acontecimentos enervantes. O resultado é bastante positivo, ainda mais considerando que lidamos com o pontapé inicial.
O universo de ‘Game of Thrones’ (ou, se quisermos expandir para os romances de ‘As Crônicas de Gelo e Fogo’) tornou-se um estandarte para obras de fantasia audiovisuais e vem inspirando diversas construções da televisão e do streaming contemporâneos. Logo, ‘A Casa do Dragão’ teria um duro e significativo trabalho não apenas para se manter à par da investida predecessora, como para recuperar uma fanbase que ainda lidava com o luto dos episódios finais, cujos problemas variavam desde um desequilibrado ritmo até um roteiro sem muita inspiração. Felizmente, os mesmos obstáculos não são vistos aqui, ao menos por enquanto – e acredito que o motivo seja a entrada de Martin como co-criador da série derivada, ao lado de Ryan J. Condal. É notável como a visão do romancista impregna cada uma das engrenagens do primeiro capítulo, desde as pungentes escolhas na direção de arte até a caracterização dos personagens.
Mas nada disso seria possível sem a presença de Miguel Sapochnik na cadeira de direção e na supervisão do projeto como showrunner. O vencedor do Emmy ficou encarregado de trazer à vida a iteração da Batalha dos Bastardos, por exemplo, que é relembrado até hoje como um dos melhores episódios de todos os tempos – e, no spin-off, Sapochnik parece condicionado a recuar alguns passos para não entregar as cartas que preparou ao público. Dessa maneira, é bem provável que alguns reclamem do ritmo da história, mas não se enganem: é imprescindível que haja uma apresentação dos personagens, uma revisitação ao mundo de Westeros e a delineação das tramas essenciais para convencer os fãs de comprar o ingresso e mergulhar de cabeça na história – e essa estrutura convencional funciona durante a uma hora de duração.
O livro original é pautado na culminação da guerra de sucessão da Casa Targaryen e os eventos anteriores são adaptados com maestria para as telinhas. Aqui, seguimos a ascensão da Princesa Rhaenyra (com Milly Alcock interpretando a versão mais jovem da protagonista) ao trono, depois de ser ignorada pelo pai, o Rei Viserys I (Paddy Considine), como a próxima na linhagem a governar o reino. Porém, depois de constantes tragédias se abatendo na família, Viserys é obrigado a lutar contra as leis centenárias que regem a realidade como a conhece e elevar a filha à posição de futura Rainha, dando margem para um possível embate civil que envolve os lordes, o povo e um presunçoso príncipe chamado Daemon (Matt Smith) que se sente no ímpeto de reclamar pelo que lhe pertence por direito.
Dizer que a série é grandiosa é quase cair na redundância, mas, para além do magnífico e cinemático escopo (cortesia de uma equipe criativa muito competente), é o elenco que rouba nossa atenção. Considine, conhecido por sua aclamada carreira em filmes independentes, encarna as múltiplas camadas de Viserys em um turbilhão de emoções que revela sua dupla jornada como regente e pai/marido, infundido em um mandatório arco de duras decisões; Smith, veterano da televisão, rende-se a uma performance de tirar o fôlego e que já pode ser colocada na lista de suas melhores atuações; e Alcock, dividindo boa parte das cenas com a ótima Emily Carey como Alicent Hightower, prepara o terreno para a transformação de Rhaenyra de uma jovem rebelde a uma poderosa Rainha pronta para destruir qualquer um que se coloque no caminho.
No momento em que a música-tema de ‘Game of Thrones’ emerge em um explosivo retorno para ‘A Casa do Dragão’, é quase impossível não se emocionar. Mais uma vez, a parceria entre Martin e a HBO gera frutos deliciosos, recheados de um sentimento de nostalgia e originalidade que há muito não tínhamos – e, ao final do primeiro episódio, é quase excruciante ter que esperar mais uma semana para saber o que vai acontecer.