sábado, abril 27, 2024

Primeiras Impressões | ‘O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder’ é um primoroso espetáculo que honra o legado de Tolkien

Cuidado: possíveis spoilers à frente.

O texto a seguir discorre sobre os dois primeiros episódios da temporada.

É possível contar nos dedos as produções literárias que estendem seu legado até os dias de hoje – mas, sem sombra de dúvida, uma das sagas mais importantes da história é ‘O Senhor dos Anéis’. Responsável por influenciar, bem, basicamente qualquer autor que tenha vindo depois de J.R.R. Tolkien, a obra foi construída de forma tão intrincada que serve de inspiração arquetípica para a insurgência de diversos motes fantásticos da contemporaneidade, desde os vistos nos escritos de J.K. Rowling e George R.R. Martin até o sombrio universo delineado por Neil Gaiman (não é surpresa, pois, que os romances de Tolkien sejam estudados em cursos próprios dentro de faculdades ao redor do mundo).

Em 2001, quase seis décadas e meia depois da publicação do volume inicial (‘A Sociedade do Anel’), o famoso cineasta Peter Jackson assumiu a difícil missão de adaptar essa épica aventura para as telonas – e o resultado não poderia ser diferente: além do sucesso de bilheteria, os longas-metragens foram aplaudidos pelos especialistas e pelo público, conquistando inúmeros prêmios e sendo consagrados como alguns dos melhores filmes de todos os tempos. Agora, está na hora de retornarmos para a Terra-Média com a ambiciosa série ‘O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder’, supervisionada pela Amazon Studios.

Ficar com um pé atrás era algo natural, ainda mais levando em conta a memória afetiva da trilogia original e a decepção com a saga ‘O Hobbit’, que não conseguiu atender às expectativas e se valeu demais da paixão pela jornada de Frodo e seus companheiros. Entretanto, para a felicidade de todos, o saldo da obra é mais que positivo e já pode ser considerada uma das grandes investidas do ano – e que deve ser apreciada em sua completude. Desenvolvida por J.D. Payne e Patrick McKay, cada engrenagem é forjada com cautela magnífica, demonstrando respeito pelo cosmos assinado por Tolkien e até mesmo pelo legado deixado por Jackson. Enquanto a narrativa bebe das fórmulas da Jornada do Herói em estágios diferentes (e não num sentido pejorativo, pelo contrário), o escopo imagético é de tirar o fôlego, talhado em um espetáculo visual irretocável.

Considerando que ‘Os Anéis de Poder’ configura-se como uma série, os episódios conseguem se desenrolar em pequenas obras-primas de uma hora – e levam o tempo necessário para que as múltiplas tramas deem os primeiros passos e premeditem um desenrolar instigante e recheado de reviravoltas. É óbvio que, considerando que estes são os dois capítulos de abertura, apenas alguns segredos são revelados e vários outros são cultivados para não nos deixar perder essa nostálgica sensação – ainda mais com a aparição contundente de Morfydd Clark como a elfa guerreira Galadriel. Diferente da etérea caracterização vista nos filmes (e encarnada pela icônica Cate Blanchett), a Galadriel que protagoniza o show derivado é movida por uma sede de vingança e de justiça contra as forças das trevas que tiraram a vida de seu irmão e que ameaçam destruir a bondade que existe na Terra-Média.

Clark faz um trabalho notável como a personagem, mas não é única a nos roubar a atenção: como mencionado, são vários os protagonistas e coadjuvantes a povoarem os quatro cantos do universo tolkiano e todos têm seu momento de glória. Temos o divertido relacionamento entre o elfo Elrond (Robert Aramayo) e Durin IV (Owain Arthur), príncipe da cidade dos anões Khazad-dûm, que rende uma das melhores e mais honestas sequências da temporada; temos a curiosidade sobressalente da jovem harfoot Nori (Markella Kavenagh), que nunca se contentou com o cotidiano advertido de seus conterrâneos e sempre buscou uma aventura que a levasse para conhecer o mundo; temos o enlace proibido entre o elfo Arondir (Ismael Cruz Córdova) e a humana Bronwyn (Nazanin Boniadi), que emula temáticas similares vistas nas obras originais; e, é claro, temos a menção indireta aos Anéis do Poder, que serão, em breve, forjados pelo poderoso Celebrimbor (Charles Edwards), que os fãs podem se recordar do jogo ‘Shadow of Mordor’.

Não deixe de assistir:

Nada disso viria à tona sem um realizador competente por trás das câmeras e que conseguisse trazer o mais detalhado aspecto da Terra-Média às telinhas – e é graças a J.A. Bayona, nome por trás do subestimado ‘Sete Minutos Depois da Meia-Noite’, que os episódios se tornam realidade. O diretor espanhol já demonstrou ter um olho crítico para obras de fantasia, utilizando uma sólida bagagem para celebrar aqueles que o inspiraram, mas sem deixar suas peculiaridades de lado. Bayona, aliado ao incrível time criativo da Amazon Studios, tem o espaço necessário para retratar a imensidão da natureza contra a pequenez da ambição dos personagens (cujo contraste é reiterado pela sensação de infinitude) e a eterna batalha entre o bem e o mal (não no sentido maniqueísta, essencialmente, mas na beligerância externa e interna de cada persona).

O semblante emblemático e oscilante entre o pitoresco e o epopeico é outro elemento resgatado por Bayona, Payne e McKay, motivo pelo qual temos grandiosas construções cênicas que variam em tom, atmosfera e forma numa fluidez constante e reverberante. É dessa forma que, ainda que envolvida em uma névoa de originalidade com potencial aplaudível, a série revela ser uma espécie de irmã mais nova da saga literária e das incursões fílmicas – jogando easter eggs para os fãs de longa data e convidando os recém-chegados a adentrar essa extraordinária viagem.

‘O Senhor dos Anéis: Os Anéis de Poder’ é mais do que poderíamos esperar de um título que se promoveria a expandir o universo de J.R.R. Tolkien. Mesmo restrito apenas a dois episódios, a obra sabe como nos cativar e deixar um gostinho de quero mais para garantir nossa fidelidade e nos emocionar pouco a pouco.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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