O Homeless louco que você respeita
Nesta sexta-feira, dia 17 de março, estreia no colosso Netflix a mais nova produção da Marvel, Punho de Ferro. A série adapta novamente um personagem da casa de ideias, o último a ganhar uma série própria, antes da junção em Os Defensores, que trará a união de Demolidor (o único com duas temporadas no currículo), Jessica Jones, Luke Cage e do próprio. O CinePOP recebeu a oportunidade de assistir aos seis primeiros episódios do programa antes de sua estreia oficial, e comentaremos para você nossas impressões iniciais do novo programa em uma rápida análise.
Origem
Punho de Ferro nasceu na década de 1970, e assim como a criação de Luke Cage (que pegou carona na onda do cinema negro da época, a chamada blaxploitation), o herói é reflexo da febre kung fu que também tomava conta do período, gerando na TV e cinema (além de outras mídias) um verdadeiro fenômeno cultural. A Marvel, como sempre foi visionária e seguidora (ou ditadora) de tendências, não demorou a aderir ao filão com o personagem. De fato, nos quadrinhos a dupla 70´s (Cage e Punho) chegou inclusive a trabalhar junta, conhecidos como Heróis de Aluguel. É sabido também que Punho de Ferro, até mais que Luke Cage, é um personagem obscuro, do time B (ou C) da empresa.
Trama
Na trama, Danny Rand é um rico herdeiro de uma empresa, que retorna para sua cidade após um longo período afastado, no qual todos davam por certa a sua morte. Uma vez de volta, Rand repara que tudo mudou e precisa iniciar uma jornada por justiça com as próprias mãos, já que no tempo que ficou afastado, também recebeu treinamento para se tornar um exímio guerreiro. Soa familiar? Sim, você não estará de todo equivocado se pensou que a trama de Punho de Ferro lembra demais a de um famoso herói da rival DC, em cartaz no canal CW – a estrutura aqui é muito similar a de Arrow. No entanto, Punho de Ferro carece do carisma e energia do programa rival citado, que sobressaem sua narrativa de folhetim.
Considerações
Punho de Ferro igualmente possui narrativa e estrutura de folhetim, com diálogos capengas, muita filosofia de boteco e personagens rasos e estereotipados. Espera-se certo nível de qualidade em séries da parceria Marvel / Netflix, que até o momento entregaram novidades suficientes para requererem o topo do que é produzido no território hoje. Tal nível de esperteza e insight não é encontrado no novo programa, fazendo dos primeiros episódios uma missão ingrata de ser suplantada. Ao contrário de Oliver Queen, que é recebido de volta de braços abertos por amigos, familiares e pela própria cidade, Danny Rand passa por uma verdadeira epopeia para conseguir provar quem é. Mas também não é por menos, já que após um desastre de avião que matou seus pais, ele foi dado como morto. Quando reaparece anos mais tarde, descalço, com a aparência de mendigo e sem provas de ser quem afirma, naturalmente é tratado com descrença.
Seu comportamento psicótico (ele insiste e usa de violência para conseguir o que deseja) faz com que seja expulso, vivendo como sem teto, para depois ser internado em um sanatório. Não é pura diversão? É exatamente o que desejamos de uma série de heróis: melodramas sobre perda de identidade, políticas aborrecidas sobre o mundo empresarial e uma visita a torturantes hospitais psiquiátricos. O plano da Marvel de reunir os quatro personagens citados em um único programa quase foi reestruturado, quando a segunda temporada de Demolidor trouxe um personagem ladrão de holofotes. Trata-se do matador Justiceiro, vivido de forma intensa por Jon Bernthal, chamando tanta atenção que quase substituiu Rand como um dos Defensores. Boatos inclusive circularam do cancelamento de Punho de Ferro, aparentemente um personagem difícil de ser adaptado e repaginado.
A Marvel, no entanto, optou por seguir em frente com o plano original, topando o desafio, mas também garantindo uma série própria para o ex-policial vingador Frank Castle. São muitos problemas que percebemos no resultado do programa, sendo um dos principais a falta de uma identidade que o separe das milhares de produções sobre o tema misticismo e artes marciais. Punho de Ferro não vai ao fundo da questão de forma séria, apenas esboçando entender do que fala. O resultado soa como aquele bêbado chato que se atina a filosofar e proferir histórias sem sentido, se passando por entendedor.
Personagens
Danny Rand não é um personagem especialmente carismático, isso se deve muito porque ninguém lhe dá credibilidade – e não podemos culpá-los, afinal ele não passa nenhuma. Se vivesse no mundo real, ninguém lhe daria atenção, já que não devemos sair falando para pessoas que não vemos há anos e desconhecidos coisas que soam irreais ou seremos confundidos com loucos. Dito e feito. O roteiro é mal resolvido e estruturado, criando personagens que variam de ruins a medíocres. Voltando para o protagonista, o intérprete Finn Jones não faz um bom trabalho como um jovem atormentado e sem lugar no mundo, falta-lhe graça no papel, ao mesmo tempo não conseguindo atingir a nota almejada para passar segurança como um aprendiz rumo ao domínio pleno de sua arte. Pense em Mark Hamill no papel de Luke Skywalker.
A entrega de certas falas e diálogos da boca de Jones soam forçadas e sem a veracidade necessária. É como se não acreditasse verdadeiramente nelas. A seu favor podemos dizer que poucos dominariam a façanha, já que o texto fica na tênue linha do ridículo. O mesmo pode ser dito da parceira de aventuras do protagonista, Colleen Wing (Jessica Henwick), dona de uma academia de artes marciais, que acolhe o sujeito, e nas horas vagas luta vale tudo derrotando sem poderes homens com o triplo de seu peso. A química entre os dois é zero. Quem se sai melhor é a experiente Jessica Stroup (The Following), no papel de Joy Meachum, amiga de infância e atual diretora da empresa Rand, ao lado do irmão Ward Meachum (Tom Pelphrey). Os irmãos são os personagens mais interessantes da série.
Existem ainda aparições de personagens das outras séries da casa, interligando este universo como de costume. Tais personagens, que não valem ser mencionados ainda, são parte da trama, e não apenas pincelados a esmo.
Resumo
Os primeiros episódios de Punho de Ferro demoram a engatar, nunca conseguindo atingir o ápice esperado. Se fosse um programa normal de TV, aonde a busca pela audiência é conquistada em uma briga mais violenta, talvez já tivesse sido cancelado. O formato de produção Netflix transforma programas televisivos em obras fechadas, como longa metragens de 13 horas de duração. E neste aspecto, como diriam críticos renomados do passado: “se um filme não mostra a que veio no primeiro rolo, dificilmente ele se recupera”. Espero que esta máxima não valha para Punho de Ferro. A verdade é que depois que Marvel lançou seus primeiros programas, espera-se certo nível de qualidade, certamente não atingido aqui. Punho de Ferro não empolga e não envolve, deixando escassas as cenas de ação e reviravoltas. Danny Rand precisará sacudir a poeira e dar a volta por cima se quiser manter o ritmo de seus colegas em Os Defensores.