Como todos sabem, os anos 80 (além de serem imbatíveis) serviram para cimentar o que conhecemos hoje como blockbuster. Então, se você está curtindo o MCU até o talo hoje, agradeça aos anos 1980. E como sabemos também, blockbuster chama sequência – afinal quem em sã consciência perderia a chance de duplicar seu dinheiro? Se a continuação tiver o mínimo de qualidade, a coisa fica até melhor. É claro também que dar continuidade a um filme no cinema não é mérito dos anos 80, com produções como Tubarão 2, O Exorcista 2, O Poderoso Chefão II e Rocky II datando, todos, da década anterior. As sequências, no entanto, já existem desde os primórdios do cinema, com The Fall of a Nation (1916), a continuação do controverso O Nascimento de uma Nação (1915), sendo considerada a primeira da história – e infelizmente um filme perdido, restando apenas alguns fotogramas.
Curiosamente, nenhum dos itens citados acima são filmes que necessariamente pediam uma continuação – ou seja, possuem começo, meio e fim bem definidos, e arcos de histórias fechadas. E essa é a melhor maneira de se continuar uma obra, do zero, delineando bem sua própria narrativa. É desta forma que muitos filmes seguem até hoje, com um desfecho que fecha a porta, que será reaberta dependendo de seu merecimento. Os anos 1980, porém, nos mostraram um outro lado da moeda – frisando o desespero de produtores em ligarem rapidamente uma produção na outra, a fim de criar uma franquia rentável.
Isso se deu pela popularização do cinema e o elo que foi criado com outras mídias e peças de marketing, como brinquedos, games e todo tipo de merchandising. Tubarão e Star Wars foram os dois responsáveis originais. Assim chegamos ao terceiro item e assunto da matéria: os filmes que instigam uma continuação em seu desfecho, mas que devido ao resultado negativo nas bilheterias, terminaram sem nunca as receber. Situação que igualmente segue ocorrendo até hoje. Portando, nesta matéria usaremos como exemplo somente filmes que prometeram, mas não cumpriram. Vamos conhecer.
A Coisa
Igualmente icônico por suas reprises no SBT (onde eu e muitos de minha geração tivemos o primeiro contato com o longa), este terror satírico que funciona muito como uma crítica ferrenha ao consumismo desenfreado, que na década de 1980 abriu novos níveis – e funciona tanto quanto (servindo de uma dobradinha recomendada) Despertar dos Mortos (1978), de George Romero. Escrito e dirigido por Larry Cohen, essa produção B de baixo orçamento não deve ser confundida com The Thing – O Enigma de Outro Mundo (1982), de John Carpenter, ou It (Uma Obra-Prima do Medo/A Coisa), de Stephen King, devido ao seu título por essas bandas tupiniquins.
Aqui, o título original é The Stuff, e a trama gira em torno de uma substância encontrada no gelo muito parecida com um sorvete/ iogurte. Devido ao sabor doce, sem qualquer averiguação mais aprofundada, uma mega empresa começa a comercializar a substância – cuja origem, muito provavelmente, é alienígena. Logo, o produto vira febre no nível dos maiores refrigerantes, sendo facilmente encontrado nos lares americanos. Ao mesmo tempo, coisas terríveis começam a ocorrer com os consumidores de tal alimento, que exibe uma qualidade altamente viciante – transformando e controlando a mente de todos os que se propõem a consumi-lo. O que por si só é uma grande analogia aos fast food, que de nutritivos ao nosso organismo não têm nada, muito pelo contrário, e mesmo assim não conseguimos abandona-los.
No meio disso, um menino é o único que se recusa a comer o “The Stuff”, a mais nova sensação, e sofre represália de sua família, já completamente tomada pela novidade. Apesar de ser parcialmente listado como comédia, A Coisa (1985) possui cenas pra lá de intensas – em especial a que envolve o personagem Chocolate Chip Charlie (Garrett Morris) e sua bocarra (o que trouxe pesadelos por muito tempo para este que vos fala ainda na infância). No final do longa, percebemos que “a coisa” continua sendo comercializada no mercado negro, demonstrando que o terror não chegou ao fim. O que deixou crianças de toda uma geração se perguntando sobre o que aconteceria dali para frente. Uma pergunta cuja resposta se encontra apenas em nossas mentes.
Os Aventureiros do Bairro Proibido
Para todos que cresceram nos anos 1980, este foi o filme que mais vontade tínhamos de ver continuar. O longa, que segundo reza a lenda serviu para inspirar o game Mortal Kombat, termina num cliffhanger de roer todas as unhas. Após a épica batalha no submundo da Pequena China entre as forças do bem e do mal, o bruxo vilão Lo Pan é derrotado, assim como seus asseclas, e o herói Jack Burton (imortalizado nas formas de Kurt Russell, em mais um de seus personagens icônicos na década de 80) igualmente abandona seus companheiros para seguir seu caminho sozinho – já notaram que isso era uma tendência dos protagonistas machões do cinema, que precisavam estar sempre solo.
E é aí que, quando achamos que o filme iria terminar numa boa para Jack – que contava sua história para os outros colegas caminhoneiros através do rádio -, uma das criaturas apenas vislumbradas durante a projeção, uma verdadeira fera bestial, surge na carroceria do caminhão do herói, dando um baita susto no espectador. Enquanto Jack segue alheio à presença do monstro, sabíamos que o protagonista se veria à frente do perigo novamente. Os Aventureiros do Bairro Proibido, ou Big Trouble in Little China no original, é claro, é um dos filmes cult dirigidos por John Carpenter, um favorito dos fãs da época. O longa teve uma produção problemática, e embora fosse tudo o que um garoto quisesse ver na época, sofreu em seu lançamento nos cinemas, não arrecadando sequer o valor de seu orçamento.
O filme viria a ser redescoberto nas locadoras, que na época andavam a toda – imagine um Netflix dos anos 1980. Assim, tudo o que diversos jovens amantes do bom e velho cinema de entretenimento queriam na época era ver uma nova aventura de Jack e sua turma, e saber o destino do herói. Coisa que a Fox e Carpenter nos devem até hoje. Em contrapartida, Dwayne Johnson provoca um projeto para ressuscitar a marca faz algum tempo, e embora se pensasse que o novo longa seria um reboot, novas sinopses apontam para uma possível sequência tardia – o que funcionaria muito melhor, seguindo a tendência atual. Neste contexto, Russell poderia retornar como um Burton envelhecido (ao lado do resto do elenco original) e The Rock forneceria o starpower atual para segurar o filme e garantir uma boa bilheteria a esta possível continuação. Quem dera John Carpenter estivesse envolvido.
Mestres do Universo
Engana-se quem pensa que garantir uma continuação já no filme original é coisa dos blockbusters atuais. É só voltar no tempo e perceber que os anos 1980 estão cheios de filmes assim. Um dos mais descarados foi esta primeira (e única) adaptação em live action para as telonas de um dos desenhos animados mais queridos pela garotada da época: He-Man. Só quem viveu no período para compreender o fenômeno pop que foram a linha de brinquedos e o cartoon. É claro que um filme com atores reais era exigido pelos obcecados entusiastas mirins – e ela demorou bastante para sair do papel. Dois anos depois do fim do programa animado para ser mais preciso.
Fora a falta de timing, outro forte elemento somou contra o filme: o fato da obra ser produzida por nenhuma outra senão a picareta Cannon Films – o estúdio mais cara de pau que Hollywood já viu, mas que não por menos fez a alegria da gurizada com seus filmes de ação baratos, estrelados por gente como Chuck Norris, Jean Claude Van Damme e Charles Bronson. Até mesmo Sylvester Stallone andou molhando seus pés na Cannon, não uma, mas duas vezes, com Cobra (1986) e Falcão – O Campeão dos Campeões (1987). E foi justamente este segundo filme, sobre quedas de braço, o responsável pela falência da companhia. Na verdade, um trio de filmes do qual Falcão fazia parte.
O ano de 1987 foi o mais ambicioso da Cannon e caso sua “trinca vencedora” tivesse dado certo, o estúdio poderia estar ativo até hoje. O problema é que os primos israelenses Menahem Golan e Yoram Globus eram mais ambiciosos do que de fato tinham condições de entregar, e assim decidiram filmar de forma simultânea as duas outras superproduções do ano: Mestres do Universo e Superman IV: Em Busca da Paz. E enquanto o quarto filme do Homem de Aço teve um orçamento reduzido de US$17 milhões, o filme do He-Man ganhou um pouco mais de grana com US$22 milhões. Mesmo assim, para o que os produtores idealizaram, a grana foi curta.
Assim, Mestres do Universo teve sua trama ambientada em grande parte na Terra – já que seria mais caro criar um mundo alienígena -, e personagens desconhecidos e menos complicados para segurar os custos. Resultado, terminou não agradando seu público-alvo. Ah sim, o desfecho. Após He-Man (Dolph Lundgren) derrotar o vilão Esqueleto (Frank Langella), jogando-o num poço do Castelo de Greyskull, o bruxo cadavérico retorna numa cena-pós crédito para anunciar que retornará – chupa, Marvel! É claro que isso nunca de fato ocorreria. No entanto, duas novidades sobre este universo totalmente 80’s chegam para os saudosistas. A primeira é a nova animação, produzida pela Netflix, a ser lançada ainda este ano. E a segunda, é um novo longa em live action que há anos está para sair do papel.
Conan – O Destruidor
O primeiro Conan (1982) foi o filme que colocou o nome do austríaco musculoso Arnold Schwarzenegger no mapa e o seu primeiro papel de protagonista no cinema. O sucesso do longa trouxe uma continuação dois anos depois, com um clima mais próximo das aventuras dos quadrinhos no qual é baseado. Para muitos, como este que vos fala, o segundo Conan foi o mais marcante (com direito a cenas assustadoras) na infância. O filme termina com a Princesa Jehnna (Olivia D’Abo) assumindo o trono e dando aos guerreiros aliados cargos em sua corte. Mas quando chega a hora do herói, ele recusa, ganha um beijo (D’Abo tinha apenas 14 anos, e Schwarzenegger já tinha 37) e parte para seu destino, sempre um lobo solitário.
Depois, junto com a narração, vemos Conan sentado em seu próprio trono, anos mais velho, enquanto o narrador profere: “Mas esta é uma outra história”. Essa história seria contada no encerramento da trilogia, Conan – O Conquistador, que seria lançado em 1987, com Arnold voltando ao papel. No entanto, o terceiro Conan caiu no inferno dos desenvolvimentos e terminou como produção abandonada. Antes disso, em 1985, o personagem quase retornou para o spin off Red Sonja (Guerreiros de Fogo), com uma heroína criada pelo mesmo autor de Conan. No entanto, devido a problemas com os direitos autorais, Conan e Red Sonja não puderam dividir as telas, fazendo com que Arnold interpretasse o genérico guerreiro Kalidor – embora todos no fundo saibam se tratar do herói (não sei como não nomearam o personagem de Konnan).
Bem, Guerreiros de Fogo trouxe Kalidor e o roteiro de Conan – O Conquistador foi reaproveitado pela Universal para se tornar Kull – O Conquistador (1997), protagonizado por Kevin Sorbo. Em 2011, a opção foi por um reboot da franquia, trazendo desta vez Jason Momoa como o personagem título, nesta reimaginação de Conan – O Bárbaro. Nem tudo está perdido, porém, já que desde 2014 o próprio Arnold vem afirmando que um terceiro filme, cujo título já mudou de A Lenda de Conan para Conan, o Rei, vai sair. Lembrando que o veterano se encontra atualmente no auge de seus 73 anos, e provavelmente precisará do apoio de personagens mais jovens o cercando para as cenas de ação.
A Bolha Assassina
Mais curiosidade à vista. A Bolha Assassina (1988) é na realidade o remake (superior, diga-se de passagem) do clássico de 1958 – que foi um dos primeiros trabalhos no cinema do lendário astro Steve McQueen. O longa gerou uma continuação tardia em 1972, intitulada Beware! The Blob. Essa sequência não fez o mesmo sucesso. Trinta anos depois do original e o diretor Chuck Russell, recém-saído do sucesso de A Hora do Pesadelo 3 (1987), marcou outro golaço com este que é um dos filmes do gênero mais lembrados e adorados dos 80’s. Uma verdadeira aula em efeitos práticos, o filme conta a história de um meteorito caindo em nosso planeta, trazendo consigo uma criatura extraterrestre viscosa, uma espécie de super parasita, que dissolve a carne humana ao entrar em contato com ela, se alimentando e cada vez ampliando seu tamanho.
O toque brilhante do roteiro, que se torna uma reviravolta em relação ao original, é descobrirmos que na verdade tal criatura foi criada aqui, na Terra, como um teste de arma química realizado pelo governo americano – uma p*ta crítica! O monstro se torna em pouco tempo o terror para uma pequena cidade, e neste remake ganhamos até mesmo replicada a icônica cena do ataque ao cinema. Tudo aqui é maior e melhor (os efeitos nem se fala), e a história ganha mais aprofundamento e novas tintas, assim como os personagens. Para termos uma ideia, a brincadeira inicial com o filme dos anos 1950, coloca o esportista ao lado da líder de torcida, algo saído da América do conto de fadas dos 50’s, somente para numa reviravolta eliminar o galã logo de início e deixar a mocinha com o bad boy motoqueiro, avesso às regras e totalmente anti-estabelecimento.
Kevin Dillon e Shawnee Smith formam uma boa dupla, e o filme não perdoa sequer as crianças, que igualmente se tornam vítimas da bolha. No desfecho, depois de congelada (seu ponto fraco), a criatura é aparentemente vencida. Mas algum tempo depois, na última cena, vemos o Reverendo Meeker (Del Close) num sermão enigmático, somente para depois percebermos que o sujeito, agora desfigurado pelo fogo, guardou num pote de vidro um pedaço da bolha, que começa a descongelar e a se mover – prometendo uma nova “limpeza”. Bem, esta sequência, infelizmente jamais viria. E os fãs do bom terror aguardam até hoje.
Noite dos Arrepios
É clichê, mas é real. Os anos 1980 foram uma época única, diferente de tudo o que veio antes ou depois – e para o cinema, acima de tudo, um período extremamente criativo, justamente por ser da mesma forma muito sem noção. Os ideais de politicamente correto não existiam, o que permitia aos idealizadores surfar num cadáver em chamas na estratosfera enquanto bebendo uma Coca-Cola, garantindo a plateia de vir à loucura. Junte a isso o fato de que foi a década onde os blockbusters foram cimentados e elevados a um novo patamar. Assim, se torna muito curioso perceber um filme que tenha todos os elementos para ganhar uma continuação, ou quem sabe até se tornar uma franquia, e que tenha terminado apenas com um único longa.
Sim, estes casos foram raros (como todos os citados na lista até agora) e sua explicação se dá por dois motivos: o primeiro é o fracasso retumbante do filme original, e o segundo é por razão de algum conflito interno na produção (brigas, direitos autorais, atores problemáticos, etc.). E esta obra recai mais no primeiro item, já que foi uma produção sem muita repercussão na época, descoberta como item cult nas locadoras e reprises na TV aberta. Pegando carona na originalidade dos 80’s, este terror é escrito e dirigido por Fred Dekker – grande nome da época tendo escrito A Casa do Espanto (1985) e dirigido Deu a Louca nos Monstros (1987).
Aqui, Dekker mistura tudo na trama, numa salada bem apetitosa. Temos maníacos fugidos de um hospício, serial killers, criaturas alienígenas, zumbis, vermes interplanetários, um detetive durão, amargurado e vingativo e, é claro, muito drama adolescente com dois amigos nerds, uma graciosa mocinha e os típicos valentões. Ou seja, um resumão do que foi os anos 1980. Como não amar? É preciso ver para crer. E o melhor, o final deixa uma porta escancarada para uma sequência, seja na versão que foi para os cinemas (com um último susto) com um cachorro ainda infectado, soltando um verme para cima da heroína Cynthia (Jill Whitlow), ou na edição original, com uma grande cena de efeitos especiais envolvendo a chegada na Terra de uma nave com extraterrestres procurando os vermes soltos no planeta. Os anos 1980 ficaram nos devendo Noite dos Arrepios 2.