domingo , 22 dezembro , 2024

Superman da Fleischer | Os 80 Anos de um Grande Clássico da Animação

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Série de desenho dos anos 40 moveu toda a indústria da animação

No episódio piloto do seriado Superman & Lois tem um momento em que o herói de Krypton interage com um adolescente que ele acabou de salvar. Na ocasião o jovem elogia seu traje, com um visual clássico mas com um escudo que mistura o S vermelho com um pentágono de cor preta – apesar de semelhante ao visto pelo velho Clark em Reino do Amanhã não é o mesmo. Esta é a versão da animação da Fleischer Studios.



Em meados da primeira metade do século XX a indústria do entretenimento que mais crescia era, sem dúvidas, o cinema. Em 1927 a produção O Cantor de Jazz trouxe o som gravado junto da película pela primeira vez, a empresa Technicolor começou a implantar um novo sistema de colorização de filmes a partir de 1924 para rivalizar com a britânica Kinemacolor e em 1937 Walt Disney mudou o cinema com Branca de Neve e os Sete Anões.

Esse foi o primeiro longa animado do estúdio mas não sua primeira empreitada no terreno da animação, visto que em 1928 foi lançado o curta O Vapor Willie no qual a presença de Mickey Mouse foi popularizada (ainda que não tenha sido sua estreia em uma animação). Entretanto, no caso de Branca de Neve e os Sete Anões, o estúdio atingiu um outro patamar no quesito animação.

Assista também:
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Episódio piloto fez referência ao uniforme criado pela série animada da Fleischer

Na ficha do longa assinada por J.B. Kaufman e publicada pela Biblioteca do Congresso, redigida para o programa de Preservação Nacional de Filmes, é apontado quais foram as inovações apresentadas pela obra da Disney. “Como a maior parte dos ‘primeiros’ celebrados, não foi de fato a primeira produção animada. Porém é justo dizer que nenhuma produção anterior apresentou toda gama de animação técnica que Branca de Neve mostrou, ou que o combinou com cores tão ricas, uma trilha musical viciante ou com uma história cuidadosamente desenvolvida”.

Dessa forma, no alvorecer da década de 40 a Walt Disney Productions era a grande referência da indústria no quesito animação mas isso não implicava necessariamente em um monopólio; correndo por fora havia uma outra empresa conhecida como Fleischer Studios. Fundada pouco antes da Walt Disney Production, por volta de 1921, a companhia começou com o nome de Inkwell Studios, Inc. em referência a sua série de animações mudas Out of the Inkwell (lançadas entre 1918 e 1929).

Foi essa produção, com todas as inovações técnicas proporcionadas por ela, bem como outros projetos como Popeye e Betty Boop , que conferiu um status de competidora oficial à supremacia da Disney; essa mesma situação atraiu o interesse da Paramount Pictures que, em 1941, incorporou a Fleischer a suas propriedades. No decorrer desse mesmo período os irmãos fundadores da companhia, Max e Dave Fleischer, estavam desenvolvendo seu mais novo projeto: As Viagens de Gulliver. Este seria o segundo longa animado a ser produzido por um estúdio após o feito da Disney e, para a Paramount, essa seria a obra que deveria ultrapassar Branca de Neve e os Sete Anões.

A Fleischer já tinha um nome bem conhecido na indústria por sucessos como Popeye e Betty Boop

Ao mesmo tempo, nesse período, outro fenômeno cultural se espalhava pelo país. Alguns anos antes, por volta de 1938, foi publicado pela então National Periodical Publications a revista Action Comics #1; ela que também é conhecida como a primeira aventura do Superman e a primeira história em quadrinhos com um super-herói. Tamanho foi o sucesso de vendas da edição que a Paramount negociou os direitos de uma adaptação do personagem para uma animação nos cinemas junto à editora. 

Importante citar que naquela altura já existia uma adaptação para outra mídia envolvendo o Superman. Em 1940 a estação WOR – AM lançava semanalmente o programa The Adventures of Superman voltado para a transmissão radiofônica; tal show era indiscutivelmente um sucesso de público.

De início a sugestão não foi bem recebida pela Fleischer Studios pois ao mesmo tempo em que eles estavam focados no lançamento de sua próxima produção, eles sabiam que negar o pedido do estúdio não seria algo de bom tom e poderia complicar o relacionamento. Dessa maneira eles pensaram na seguinte tática: eles aceitariam o projeto mas, a cada episódio produzido, eles inflacionariam o orçamento da produção contando que isso desestimularia a Paramount a continuar com a ideia.

As Viagens de Gulliver” era o projeto que a empresa queria verdadeiramente lançar na época

O custo de produção voltado para cada episódio atingiria os US$ 100.000 (o equivalente em valores hoje a US$ 1.886.442,86) com a justificativa de que para atingir o nível de qualidade exigido pela Paramount seria necessário que um grande montante fosse investido; mesmo que fosse um valor considerado o quádruplo do orçamento padrão para animações na época. Porém a vontade dos irmãos foi contrariada quando a Paramount não recuou perante o assustador orçamento e decidiu negociar com eles.

Ficou decidido então que eles iriam disponibilizar para o primeiro episódio um total de US$ 50.000 e para o resto dos capítulos um total de US$ 30.000; além de um tempo para a produção bem mais amplo do que o normal para a época: sete meses. No tocante a estrutura narrativa ficou decidido que cada episódio seria uma história fechada de no máximo dez minutos que passaria em sessões prévias aos filmes em cartaz nos cinemas, não fugindo muito do conceito de curtas animados que eram bem populares no período.

A concepção de origem do Superman para essa versão, apresentada em menos de um minuto por uma narração em off no início do primeiro episódio, se manteve bem fiel ao que era canônico até então (conforme o que foi apresentado na primeira página da Action Comics #1); Krypton explode, Jor-El envia seu único filho à Terra, a criança é encontrada por um motorista e enviada a um orfanato e então a história se inicia para o ponto em que ela já o Superman.

Em suas primeiras aventuras Superman não podia voar

Assim como nas primeiras histórias assinadas por Jerry Siegel e Joe Shuster a origem do herói não era tão importante quanto contar os feitos dele já adulto, logo naquele primeiro momento haviam muitas lacunas a serem preenchidas sobre sua origem; além de consequentemente repensadas nos anos que viriam.

De qualquer forma, as histórias apresentadas pela Fleischer eram bastante diretas e simples, geralmente apresentando o vilão da vez prestes a cometer algum ato criminoso quando ele é confrontado pelo protagonista e, em certas ocasiões, Lois Lane acabava ficando em perigo e necessitando do auxílio do Superman. Como dito antes, essa narrativa era muito alinhada com o que era proposto pelos quadrinhos da época e a concepção do personagem também; não só em termos de origem como também de poderes, afinal tanto na animação quanto nos quadrinhos ele ainda não voava e dependia de super saltos para alcançar grandes alturas.

O roteiro não foi nem de longe o que tornou essa série animada algo realmente memorável, mas sim seu estilo técnico de animação. Esteticamente a Fleischer se inspirou muito, principalmente para os primeiros nove episódios, no visual dos filmes noir que estavam em alta nas décadas de 30 e 40, apelando bastante para o uso exacerbado de sombras nos cenários (principalmente com o vilão em cena). 

O uso de sombra e luz foi bem utilizado pela Fleischer na composição dos cenários para criar um clima noir

No artigo The First Onscreen Superman Was a Gorgeous Series of Animated Shorts o autor Charley Parker aponta sobre o quão diferente foi o estilo visual adotado pela animação. “…Tudo isso é retratado em uma bela e renderizada direção de arte ao estilo cinematográfico dos anos 40, com poças de luz sombrias, silhuetas de figuras, longas sombras contra a parede e sombras nas janelas; uma paleta de cor profunda e rica além de uma incrível vocação para efeitos como arco elétrico, visão de raio-x, humano e maquinário voador, cenas da cidade a noite…”.

Tamanha foi a aceitação com esse visual que, décadas depois, ele serviria de inspiração para compor a também aclamada Batman Animated Series. Com uma duração de 1941 a 1942, a série animada da Fleischer pode não ter alcançado seu objetivo inicial de destronar a Disney mas ela de fato mudou os rumos da indústria de quadrinhos, servindo de inspiração para grandes nomes que viriam a surgir nas décadas posteriores como Frank Miller (que credita a ela a inspiração ao criar O Retorno do Cavaleiro das Trevas) e Alex Ross (cuja a idealização para o visual do Superman tanto no já mencionado Reino do Amanhã quanto em outros trabalhos seus se apoia nessas animações).

The Fleischer Superman Cartoons sem dúvida permanece como não só uma das visões mais clássicas do personagem mas como um dos mais lembrados exemplares da Era de Ouro das animações por suas conquistas e inovações. Da mesma forma que seu herói era capaz de pular edifícios com um só salto a empresa de animação, com um só salto, levou a indústria a novos rumos.

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Em meados da primeira metade do século XX a indústria do entretenimento que mais crescia era, sem dúvidas, o cinema. Em 1927 a produção O Cantor de Jazz trouxe o som gravado junto da película pela primeira vez, a empresa Technicolor começou a implantar um novo sistema de colorização de filmes a partir de 1924 para rivalizar com a britânica Kinemacolor e em 1937 Walt Disney mudou o cinema com Branca de Neve e os Sete Anões.

Esse foi o primeiro longa animado do estúdio mas não sua primeira empreitada no terreno da animação, visto que em 1928 foi lançado o curta O Vapor Willie no qual a presença de Mickey Mouse foi popularizada (ainda que não tenha sido sua estreia em uma animação). Entretanto, no caso de Branca de Neve e os Sete Anões, o estúdio atingiu um outro patamar no quesito animação.

Episódio piloto fez referência ao uniforme criado pela série animada da Fleischer

Na ficha do longa assinada por J.B. Kaufman e publicada pela Biblioteca do Congresso, redigida para o programa de Preservação Nacional de Filmes, é apontado quais foram as inovações apresentadas pela obra da Disney. “Como a maior parte dos ‘primeiros’ celebrados, não foi de fato a primeira produção animada. Porém é justo dizer que nenhuma produção anterior apresentou toda gama de animação técnica que Branca de Neve mostrou, ou que o combinou com cores tão ricas, uma trilha musical viciante ou com uma história cuidadosamente desenvolvida”.

Dessa forma, no alvorecer da década de 40 a Walt Disney Productions era a grande referência da indústria no quesito animação mas isso não implicava necessariamente em um monopólio; correndo por fora havia uma outra empresa conhecida como Fleischer Studios. Fundada pouco antes da Walt Disney Production, por volta de 1921, a companhia começou com o nome de Inkwell Studios, Inc. em referência a sua série de animações mudas Out of the Inkwell (lançadas entre 1918 e 1929).

Foi essa produção, com todas as inovações técnicas proporcionadas por ela, bem como outros projetos como Popeye e Betty Boop , que conferiu um status de competidora oficial à supremacia da Disney; essa mesma situação atraiu o interesse da Paramount Pictures que, em 1941, incorporou a Fleischer a suas propriedades. No decorrer desse mesmo período os irmãos fundadores da companhia, Max e Dave Fleischer, estavam desenvolvendo seu mais novo projeto: As Viagens de Gulliver. Este seria o segundo longa animado a ser produzido por um estúdio após o feito da Disney e, para a Paramount, essa seria a obra que deveria ultrapassar Branca de Neve e os Sete Anões.

A Fleischer já tinha um nome bem conhecido na indústria por sucessos como Popeye e Betty Boop

Ao mesmo tempo, nesse período, outro fenômeno cultural se espalhava pelo país. Alguns anos antes, por volta de 1938, foi publicado pela então National Periodical Publications a revista Action Comics #1; ela que também é conhecida como a primeira aventura do Superman e a primeira história em quadrinhos com um super-herói. Tamanho foi o sucesso de vendas da edição que a Paramount negociou os direitos de uma adaptação do personagem para uma animação nos cinemas junto à editora. 

Importante citar que naquela altura já existia uma adaptação para outra mídia envolvendo o Superman. Em 1940 a estação WOR – AM lançava semanalmente o programa The Adventures of Superman voltado para a transmissão radiofônica; tal show era indiscutivelmente um sucesso de público.

De início a sugestão não foi bem recebida pela Fleischer Studios pois ao mesmo tempo em que eles estavam focados no lançamento de sua próxima produção, eles sabiam que negar o pedido do estúdio não seria algo de bom tom e poderia complicar o relacionamento. Dessa maneira eles pensaram na seguinte tática: eles aceitariam o projeto mas, a cada episódio produzido, eles inflacionariam o orçamento da produção contando que isso desestimularia a Paramount a continuar com a ideia.

As Viagens de Gulliver” era o projeto que a empresa queria verdadeiramente lançar na época

O custo de produção voltado para cada episódio atingiria os US$ 100.000 (o equivalente em valores hoje a US$ 1.886.442,86) com a justificativa de que para atingir o nível de qualidade exigido pela Paramount seria necessário que um grande montante fosse investido; mesmo que fosse um valor considerado o quádruplo do orçamento padrão para animações na época. Porém a vontade dos irmãos foi contrariada quando a Paramount não recuou perante o assustador orçamento e decidiu negociar com eles.

Ficou decidido então que eles iriam disponibilizar para o primeiro episódio um total de US$ 50.000 e para o resto dos capítulos um total de US$ 30.000; além de um tempo para a produção bem mais amplo do que o normal para a época: sete meses. No tocante a estrutura narrativa ficou decidido que cada episódio seria uma história fechada de no máximo dez minutos que passaria em sessões prévias aos filmes em cartaz nos cinemas, não fugindo muito do conceito de curtas animados que eram bem populares no período.

A concepção de origem do Superman para essa versão, apresentada em menos de um minuto por uma narração em off no início do primeiro episódio, se manteve bem fiel ao que era canônico até então (conforme o que foi apresentado na primeira página da Action Comics #1); Krypton explode, Jor-El envia seu único filho à Terra, a criança é encontrada por um motorista e enviada a um orfanato e então a história se inicia para o ponto em que ela já o Superman.

Em suas primeiras aventuras Superman não podia voar

Assim como nas primeiras histórias assinadas por Jerry Siegel e Joe Shuster a origem do herói não era tão importante quanto contar os feitos dele já adulto, logo naquele primeiro momento haviam muitas lacunas a serem preenchidas sobre sua origem; além de consequentemente repensadas nos anos que viriam.

De qualquer forma, as histórias apresentadas pela Fleischer eram bastante diretas e simples, geralmente apresentando o vilão da vez prestes a cometer algum ato criminoso quando ele é confrontado pelo protagonista e, em certas ocasiões, Lois Lane acabava ficando em perigo e necessitando do auxílio do Superman. Como dito antes, essa narrativa era muito alinhada com o que era proposto pelos quadrinhos da época e a concepção do personagem também; não só em termos de origem como também de poderes, afinal tanto na animação quanto nos quadrinhos ele ainda não voava e dependia de super saltos para alcançar grandes alturas.

O roteiro não foi nem de longe o que tornou essa série animada algo realmente memorável, mas sim seu estilo técnico de animação. Esteticamente a Fleischer se inspirou muito, principalmente para os primeiros nove episódios, no visual dos filmes noir que estavam em alta nas décadas de 30 e 40, apelando bastante para o uso exacerbado de sombras nos cenários (principalmente com o vilão em cena). 

O uso de sombra e luz foi bem utilizado pela Fleischer na composição dos cenários para criar um clima noir

No artigo The First Onscreen Superman Was a Gorgeous Series of Animated Shorts o autor Charley Parker aponta sobre o quão diferente foi o estilo visual adotado pela animação. “…Tudo isso é retratado em uma bela e renderizada direção de arte ao estilo cinematográfico dos anos 40, com poças de luz sombrias, silhuetas de figuras, longas sombras contra a parede e sombras nas janelas; uma paleta de cor profunda e rica além de uma incrível vocação para efeitos como arco elétrico, visão de raio-x, humano e maquinário voador, cenas da cidade a noite…”.

Tamanha foi a aceitação com esse visual que, décadas depois, ele serviria de inspiração para compor a também aclamada Batman Animated Series. Com uma duração de 1941 a 1942, a série animada da Fleischer pode não ter alcançado seu objetivo inicial de destronar a Disney mas ela de fato mudou os rumos da indústria de quadrinhos, servindo de inspiração para grandes nomes que viriam a surgir nas décadas posteriores como Frank Miller (que credita a ela a inspiração ao criar O Retorno do Cavaleiro das Trevas) e Alex Ross (cuja a idealização para o visual do Superman tanto no já mencionado Reino do Amanhã quanto em outros trabalhos seus se apoia nessas animações).

The Fleischer Superman Cartoons sem dúvida permanece como não só uma das visões mais clássicas do personagem mas como um dos mais lembrados exemplares da Era de Ouro das animações por suas conquistas e inovações. Da mesma forma que seu herói era capaz de pular edifícios com um só salto a empresa de animação, com um só salto, levou a indústria a novos rumos.

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