Qualquer leitor de quadrinhos, desde os mais antigos até a garotada de hoje, quando tá ali totalmente imerso numa história empolgante, sempre imagina àquelas páginas ganhando vida e indo para as telas através de um filme ou então uma série animada. E quando eu falo que tem gente pensando nesse tipo de produção há muito tempo, é porque realmente começaram desde o tempo dos nossos avós. O primeiro desenho animado de um super-herói que saiu dos quadrinhos não podia ser outro se não o Superman. Foi exatamente em 1941 que a Paramount conseguiu os direitos pra fazer uma adaptação baseada nos gibis do Homem de Aço, e pra isso chamou os experientes irmãos Fleischer, que já tinham feito clássicos como Popeye e Betty Boop. E eles não entregaram qualquer desenho, mas sim um clássico instantâneo que influenciou diversas outras produções e é referência até hoje. Com um orçamento total de $530,000 mil dólares, uma fortuna na época, Mas e Fave Fleischer criaram técnicas nunca vistas antes, que traziam movimentos hiper-realistas e uma variedade de cores impressionante.
O desenho do Super-Homem apenas abriu as portas, pois ao passar dos anos fizeram diversas séries animadas do Batman, Super Amigos, Homem-Aranha, X-Men e dezenas de outras figuras conhecidas da Marvel e DC. Alguns deles eram excepcionais como Batman The Animated Series e Liga da Justiça. Só que outros heróis e anti-heróis mais obscuros ou não tão balados quanto esses dos principais selos americanos também ganharam desenhos animados. Que foi o caso de Spawn – O Soldado do Inferno, ou no original Todd McFarlane’s Spawn, lançado em 1997 pela HBO. E que não fica atrás de nenhum desses citados e está disponível no catálogo da HBO Max.
Na verdade, o desenho do Spawn aborda temas bem mais pesados, já presentes nas revistas do personagem, que vão de drogas, sexo e prostituição até violência extrema, racismo e ocultismo. Assuntos, aliás, expostos através de cenas e situações chocantes. Em alguns países, incluindo o próprio Brasil, alguns desses andamentos foram censurados. Mas se engana quem pensa que esses elementos foram inseridos de forma gratuita. Os quadrinhos de Spawn, apesar de todo lado místico envolvendo anjos e demônios e céu e inferno, sempre trataram de histórias urbanas e falaram das partes mais marginalizada da sociedade. Desde mendigos, moradores de rua, drogados e prostituas a cafetões, traficantes, mafiosos e policiais corruptos. Obviamente o linguajar chulo é uma marca registrada nas histórias de Todd McFarlane em Spawn. E felizmente a animação conseguiu transpor tudo isso de um modo bem corajoso. Sendo mais tarde reconhecida pela crítica e ganhando o Emmy de Melhor Programa de Animação em 1999.
Ainda assim a série teve só três curtas temporadas, com seis capítulos anuais. A primeira temporada traz o retorno de Al Simons à Terra, onde ele tem que aprender a lidar com os novos poderes, seu simbionte e o necroplasma que parece querer explodir sua pele. Só que o arco principal abordado nessa parte inicial é o do maníaco e pedófilo Kincaid. Já a segunda adentra nos dilemas familiares com sua ex-esposa Wanda e seu melhor amigo Terry, que na verdade o traiu. Na terceira e última temporada temos casos de investigação envolvendo os detetives Sam e Twitch, além do próprio Spawn combatendo criaturas como vampiras e etc.
Tudo isso sob a supervisão do criador, produtor e argumentista Todd McFarlane e dos parceiros da Image Comics. Além da equipe de animadores contratada pela HBO, extremamente competente por trazer um visual onírico e repleto de sombras. O roteiro, totalmente adaptado dos quadrinhos originais, foi escrito por Alan McElroy, nome já conhecido por trabalhar em famosas franquias de terror como Halloween e Pânico na Floresta. A trilha sonora foi assinada por Shirley Walker, uma experiente compositora no ramo dos quadrinhos, tendo no currículo trilhas como Batman A Máscara do Fantasma, Dick Tracy e Darkman. O elenco também é de luxo e contou com as vozes dos atores Keith David como Spawn e Richard Dysart dando vida ao misterioso Cogliostro. Um conjunto de fatores que formaram um dos desenhos mais interessantes já adaptados da nona arte.
Vale lembrar que como a Image era o selo dos quadrinhos que mais bombava nos anos 90, por vários grandes artistas terem saído da Marvel e migrado pra lá como Jim Lee, Erik Larsen, Robert Kirkman e o próprio McFarlane, me recuso a citar Rob Liefield, a New Line também produziu um filme em live action do Spawn. Que vendo atualmente faz a gente sentir uma vergonha alheia tremenda, mas eu confesso que quando moleque pirei com os efeitos do simbionte e da tal capa. Hoje é tudo horroroso. Quer dizer, menos o Palhaço ou Violador. Sem zoeira, essa é um dos personagens saídos dos quadrinhos mais perfeitamente transpostos para os cinemas que eu já vi, ao lado do Superman do Christopher Reeve e o Tony Stark do Robert Downey Jr. O John Leguizamo parece que nasceu pra viver o Palhaço.
Também foi anunciado dia desses que iriam fazer um novo filme do Spawn. Além de oficializar tudo, o senhor McFalane apareceu ao lado do oscarizado Jamie Foxx que vai interpretar ninguém menos que o Spawn. Algo totalmente inusitado, mesmo que isso fosse comentado anteriormente. O curioso é que, pelo que o Todd já divulgou, a produção deve trazer como protagonista não o Al Simons, que se transforma no Spawn após vender sua alma a Malebogia, mas sim um dos detetives da história, o magrelo Twitch, que tem uma boa participação nos quadrinhos, principalmente na minissérie A Maldição de Spawn. O Todd disse em uma entrevista recente que o próprio Soldado do Inferno só faria parte da trama, aparecendo em algumas cenas. O que é uma ideia bem curiosa e que, particularmente, creio que tenha ainda mais chance de dar certo. O McFalane sempre apontou que o universo de Spawn com os círculos do inferno era mais importante que qualquer protagonista. Tanto que cansou de chamar grandes roteiristas como Alan Moore e Neil Gaiman para escrever as minisséries Violador e Angela. Só nos resta então aguardar e ver no que dá.