A esta altura você que é fã de cinema e principalmente de terror já deve estar mais do que escolado sobre o fato: A Hora do Pesadelo 2: A Vingança de Freddy (1985) é o filme gay mais famoso do gênero. E esta não é nenhuma teoria da conspiração, forçada de barra ou tentativa de lacração – basta uma pesquisa rápida na internet para ter revelada tais informações.
Com a sequência do fenômeno A Hora do Pesadelo (1984), de Wes Craven, completando 39 anos em 2024, achamos que este era o momento mais que especial para revisitarmos a obra, e apontarmos a você todas as curiosidades e muitos detalhes sobre a produção. Confira abaixo.
A Hora do Pesadelo, escrito e dirigido por Wes Craven, foi lançado em novembro de 1984 (chegando ao Brasil absurdos dois anos depois em 1986 – e isso devido ao barulho que fez). Com um orçamento de US$1.8 milhão, devolveu aos cofres de um então pequeno e recém inaugurado estúdio chamado New Line Cinema mais que confortáveis US$25.5 milhões somente nos EUA.
O sucesso desta pequena obra-prima serviu para colocar o nome de Craven, então um diretor de filmes B, no topo da cadeia de Hollywood (e torná-lo um mestre no gênero); firmar a New Line no mercado e introduzir na cultura pop um dos maiores vilões da história do cinema: o monstro Freddy Krueger (interpretado por Robert Englund). Tanto que até hoje um apelido conhecido da New Line ficou “a casa que Freddy construiu”, já que foi devido à franquia que o estúdio se ergueu.
Naturalmente, o sucesso colossal do primeiro (para seus parâmetros) despertou o interesse do produtor Robert Shaye (irmão da atriz Lin Shaye), fundador e dono então da New Line, em seguir fazendo filmes com Freddy. É reportado também que foi o sucesso deste segundo filme – que com um orçamento de US$3 milhões, retornou para o estúdio US$30 milhões somente nos EUA – que incentivou e estabeleceu a pequena produtora no meio das gigantes da meca do cinema. Hoje, a New Line foi comprada e é subsidiária da Warner Bros.
Curiosamente, no entanto, a primeira ordem de Shaye foi se livrar de tudo em relação ao primeiro filme. Isso apenas pelo motivo financeiro, já que repetir os realizadores originais significaria gastar mais. Craven, o nome mais associado ao projeto, se recusou a ter qualquer envolvimento, pois à princípio não via a história como uma franquia – o diretor inclusive queria terminar o longa original com um final feliz, e foi forçado pelo estúdio a um desfecho sombrio e ambíguo. Nem mesmo a protagonista original Nancy, papel de Heather Langenkamp, foi cogitada para retornar, com a atriz afirmando em entrevistas que sequer recebeu o convite. Langenkamp é um dos nomes mais lembrados em relação à franquia, e sua heroína.
Não deixe de assistir:
A atriz retornaria em Os Guerreiros dos Sonhos (1987) e O Novo Pesadelo (1994). O mais impressionante, porém, era o desejo de substituir o icônico Robert Englund na pele do vilão Freddy. Segundo relatos, Shaye não estava disposto a um salário maior para o ator (que era exigido de seu agente) e testou um dublê no papel – seguindo o que era feito nos filmes Sexta-Feira 13, com Jason a cada filme personificado por um intérprete diferente. Porém, após se mostrar insatisfatória a tentativa de troca, os realizadores perceberam que Englund era a verdadeira alma da franquia e aceitaram o novo acordo salarial.
Assim, entram em cena o roteirista David Chaskin (em sua estreia na função) e o diretor Jack Sholder (O Escondido, 1987) – apesar do roteirista Leslie Bohem ter oferecido suas ideias aos produtores, sobre a trama envolver gravidez e possessão, como forma de homenagear o clássico O Bebê de Rosemary (1968), de Roman Polanski. Chaskin reutiliza o conceito da possessão para o segundo A Hora do Pesadelo, e a ideia da gravidez ganharia vida no quinto filme da franquia, lançado em 1989.
Com novos roteirista e diretor, a continuação ganhava também novos personagens e uma nova história. Diferente de todos os demais slashers da época, A Vingança de Freddy é um dos poucos produtos do gênero a utilizar um protagonista masculino e girar sua trama ao redor dele: fazendo de Jesse (Mark Patton) o único “Scream Queen” homem da franquia. Indo morar com sua família na mesma casa da protagonista do original, Jesse termina virando igualmente alvo do maníaco desfigurado Freddy Krueger em seus pesadelos. Desta vez, porém, Freddy não deseja caçar e matar o rapaz, mas sim “usar o seu corpo”, possuindo-o para poder agir na vida real. A transcendência de Freddy para o mundo real, inclusive fazendo vítimas no território dos “acordados” é considerado por muitos fãs, alguns envolvidos na produção e inclusive o próprio Wes Craven uma traição do conceito original do “assassino dos sonhos”.
Agora chegamos ao tópico do texto: o conceito homoerótico. Por anos, este teor permaneceu como subtexto, uma mera mensagem subliminar, até ser enfaticamente apontado, ao ponto de hoje não conseguirmos olhar para o filme sem perceber o que era óbvio desde o início. Segundo relatos, embora tenha passado despercebido durante muito tempo nos EUA, foi justamente o clima gay de A Vingança de Freddy o que garantiu seu sucesso na Europa o transformando em um cult instantâneo. Foi somente em 2010 que o roteirista Chaskin abriu o jogo e confessou suas intenções, mas afirmando que era para ser uma mensagem sutil. E talvez tenha sido, para uma era de exageros como os anos 1980. Hoje, basta uma segunda olhada para que o longa seja visto com suas reais conotações.
Apesar de ser considerado um terror gay, a controvérsia de A Hora do Pesadelo 2 reside no fato do longa ser considerado também homofóbico. No documentário de 4 horas de duração Never Sleep Again: The Elm Street Legacy (2010), um dos mais completos arquivos sobre toda a franquia, o trecho sobre a parte dois, fazendo uso de entrevistas com os principais envolvidos, é um dos mais esclarecedores. Aparentemente, o ator Mark Patton, que vive o protagonista Jesse, hoje um gay assumido (mas na época ainda no armário), se afastou do mundo do entretenimento após seu trabalho neste filme. O ator buscava o estrelato e se sentiu extremamente traído pelo material visto em tela – como dito, a maioria não sabia, ou fingia não saber de tal subtexto. O caso segue vindo à tona e ano passado outro documentário foi lançado, este intitulado Scream, Queen! My Nightmare on Elm Street (2019), retrospectiva do filme cult e do ator Mark Patton.
O conceito aqui é o seguinte: Freddy Krueger neste filme é uma analogia da descoberta da sexualidade. E no caso de Jesse, da descoberta de sua homossexualidade. É um coming of age no qual o protagonista vê aflorar, tem sonhos (ou pesadelos) com algo que quer dominar seu corpo, sua vida, algo tido como ruim, como monstruoso, que ele precisa lutar para esconder. Freddy quer usar seu corpo para poder sair das sombras, para poder existir fora dos sonhos. Jesse tem uma pretendente nas formas de Lisa (Kim Myers, escolhida por sua semelhança física com Meryl Streep), mas ele não se sente confortável em se entregar a ela. Ele tenta, mas termina sempre voltando aos braços de Ron Grady (Robert Rusler, de Mulher Nota Mil). Para Jesse, Lisa é uma amiga. Já Ron, o que começa como uma rivalidade, uma implicância, desenvolve para uma relação de confidência. As picuinhas envolvem arriar as calças um do outro. E num momento nada sutil, o clima esquenta entre Jesse e Lisa numa cabana perto da piscina. Beijos e amassos, mas quando o ato está para ser consumado, Jesse hesita, fica assustado e foge. Algo não o permite, por mais que tente. É o “monstro”. Ele corre para a casa de Ron, prefere estar por lá, à noite a sós com ele em seu quarto, escondido, mesmo que seja para confessar o que não foi capaz de fazer. Ron retruca, “ela está lá e você prefere ficar aqui comigo?”.
Fora isso, temos, é claro, a infame cena da dancinha, na qual Jesse, sozinho no quarto, usando adereços dignos de Elton John, rebola num ritmo pra lá de homoerótico ao som de “Touch Me (All Night Long)”, da banda Wish com Fonda Rae. A cena é referência à Negócio Arriscado (1983), com Tom Cruise. Temos também seus gritos de medo, estridentes, superagudos e femininos. Mas os elementos gays do filme não se concentram apenas no protagonista. Num nível mais hardcore, temos o personagem do treinador Schneider (Marshall Bell), o professor de educação física que adora punir seus alunos homens e… espioná-los tomando banho no vestiário. Como se não bastasse, num de seus “pesadelos”, Jesse vagueia até um clube de sadomasoquismo gay e quem ele encontra por lá? Justamente o treinador Schneider, um frequentador assíduo. Como forma de “punição”, o tutor leva o rapaz de volta ao colégio e o “castiga” no chuveiro. Porém, o caçador vira a caça quando Jesse “assume seu lado Freddy” e o “mata” jogando bolas em seu rosto, tirando sua roupa, o amarrando nu nas duchas, e chicoteia seu traseiro com toalhas. Somente para descobrir que nada disso havia sido sonho.
Por um lado, A Hora do Pesadelo 2: A Vingança de Freddy pode ser considerado muito corajoso, ainda mais se levarmos em conta o período ultraconservador, de machões que só viviam para distribuir sopapos e levar uma fila de mulheres para a cama, numa verdadeira competição de testosterona que foram os anos 1980 – sem muito espaço para qualquer outra opção sexual que não fosse hétero. Pegar um filme de sucesso e subverte-lo numa obra gay, não é algo visto sequer nos dias de hoje. Por outro lado, a forma como foi feito, mesmo que o espaço encontrado na época tenha sido apenas esse, pode não ser a melhor das mensagens e representações para a comunidade.
Embora a reclamação de Mark Patton seja em relação ao filme tê-lo arrancado do armário à força na época, e o ator ter abraçado em partes a obra como cult hoje, existe uma grande problemática nesta trama subliminar. O que acontece é que Freddy, a homossexualidade enrustida de Jesse, no filme é tratado como algo a ser combatido e derrotado. Como algo ruim, algo maligno que está saindo de dentro dele e de seu controle, que faz vítimas ao redor, e seu relacionamento com Grady termina inclusive de forma trágica, com o pai do rapaz presenciando o destino do filho. Lisa, a “namorada”, está o tempo todo ao seu lado, apesar de suas “esquisitices”, lutando para que seu “lado sombrio” não se manifeste. No final, Freddy (já nas formas de Jesse) é derrotado por um beijo de Lisa, como se através de um relacionamento hétero (“o amor verdadeiro”) a sombra “do mal” se extinguisse. Assim, o lado obscuro do protagonista o deixa finalmente, e ele está livre para assumir sua sexualidade ao lado de Lisa. Mas por quanto tempo?
A conclusão de A Vingança de Freddy, fosse essa a intenção ou não, hoje pode ser muito lida quase como “a cura gay”. O filme estreou no dia 1º de novembro de 1985, em quarta posição no ranking das bilheterias norte-americanas, enfrentando a pesada concorrência de Desejo de Matar 3, Viver e Morrer em Los Angeles e O Fio da Suspeita. No Brasil, chegou novamente com dois anos de atraso. Seja por qual motivo, apesar do sucesso, a franquia sofreria um leve hiato e só viria a lançar um novo produto dois anos depois, em 1987.
E você, já havia percebido esta conotação sexual em A Vingança de Freddy? Curte o filme? Comente.