sexta-feira, março 29, 2024

A trajetória de sucesso da Netflix na rota do Oscar

Tem sido uma jornada morro acima, mas a Netflix enfim está alcançando seu lugar ao sol na cobiçada Temporada de Premiações. Quando a Academia de Artes e Ciências Cinematográficas divulgou a lista de indicados ao Oscar 2020, no último dia 13 de janeiro, a liderança da Netflix em número de indicações disputou lugar entre os assuntos mais comentados das redes sociais com a esnobada de Jennifer Lopez e a ausência de mulheres na categoria de direção. Foram ao todo 24 nomeações, e esta ascensão da Netflix é veloz até mesmo para os padrões hollywoodianos. Afinal de contas, foi apenas em 2014  que a gigante do streaming conseguiu a sua primeira indicação ao Oscar (com o documentário The Square), e foi em 2015 que lançou seu primeiro longa de ficção original, Beasts of no Nation. Se durante grande parte desse tempo a Netflix foi a rejeitada das premiações, o que aconteceu para tudo mudar tão rapidamente?

A forma mais simples, porém incompleta, de se responder a esta pergunta é com O Irlandês. O custoso longa de Martin Scorsese protagonizado por Al Pacino, Robert De Niro e Joe Pesci acumula, sozinho, 10 indicações, depois de ter figurado no topo de dezenas de renomadas listas de melhores filmes de 2019. Outras seis das 24 indicações são responsabilidade de História de um Casamento, de Noah Baumbach. Juntos, os títulos são os carros-chefe da Netflix na temporada 2020, e são parte do resultado de um investimento que não começou ontem. Na verdade, um investimento que começou a dar certo em 2017.

Esta guinada para cima na trajetória da Netflix tem nome e sobrenome: Scott Stuber, chefe de filmes originais da plataforma. No ano em que Stuber assumiu o posto, depois de duas décadas trabalhando na Universal Pictures, a gigante do streaming ganhou o seu primeiro Oscar, pelo curta-documentário Os Capacetes Brancos — um mérito que, a bem verdade, é anterior ao trabalho dele. Mas em 2018 veio o primeiro Oscar por um longa-metragem, o documentário Ícaro. No ano seguinte, foram 15 indicações (incluindo uma na categoria de melhor filme) e quatro vitórias: três para Roma e uma para Absorvendo o Tabu. A conclusão você já entendeu: alguma coisa na estratégia de Stuber deu muito certo.

Seu trabalho, aliás, é autorizar e supervisionar projetos que vão de explosivos blockbusters a filmes independentes ignorados pelos grandes estúdios. Isso também envolve enxergar quais são os que têm potencial para chegarem longe na temporada de premiações, e é neste campo que Stuber se agiganta. “Acho que o mercado do cinema vai passar por um renascimento, como aconteceu na década de 1970”, opinou em entrevista ao Wall Street Journal. “Filmes interessantes e provocadores serão feitos porque este modelo de negócios fornece apoio para isso.”

No sentido de investir de forma estratégica em filmes que têm o perfil do prêmio máximo da Academia, o método da Netflix acaba sendo o de vencer pelo cansaço. A confiança em Roma, o intimista e autoral projeto vitorioso de Alfonso Cuarón, fez com que a plataforma gastasse entre US$ 25 e US$ 30 milhões somente na campanha do filme para o Oscar, em 2019. O resultado foi a coroação como melhor filme estrangeiro, melhor diretor e melhor fotografia, embora tenha perdido o prêmio principal para Green Book – O Guia. Isso depois de ter saído do renomado Festival de Veneza com o Leão de Ouro de melhor filme, na contramão de todas as restrições impostas pelo Festival de Cannes à gigante do streaming. Sinal de que já estavam no caminho certo.

Desta forma, ao bancar projetos rejeitados pelos grandes estúdios — o que aconteceu inclusive com O Irlandês devido aos altos custos com o rejuvenescimento digital — e abraçados pela crítica, a Netflix rompe a barreira imposta sobre ela pelo tradicionalismo de Hollywood, ou no mínimo tenta. Ela faz com que seja quase impossível seus filmes serem ignorados, seja porque tem dinheiro para fazer isso ou porque vende a tão idealizada “liberdade criativa” para os realizadores. As recém anunciadas compras de dois clássicos cinemas norte-americanos — o Egyptian Theatre em Los Angeles e o Paris Theater em Nova York — apenas contribuem para o cenário: a Netflix terá suas próprias salas para fazer circularem seus originais que almejam ao circuito de arte, cumprindo as regras da Academia facilmente. Qualquer rejeição do circuito exibidor eventualmente deixará também de ser um problema.

Não apenas isso, mas a simples presença de Stuber à frente dos projetos da Netflix fez com que as produções do streaming passassem a ser mais aceitas na indústria. Além dos grandes projetos que ele vem encabeçando, seus contatos facilitaram a construção de um relacionamento entre a Netflix e as redes de cinema, algo essencial para um filme que  tente pleitear uma vaga no Oscar. Segundo o Business Insider, Stuber passou grande parte de 2017 se aproximando dos maiores complexos para que estes aceitassem exibir filmes da Netflix. E conseguiu. 

Mas apesar de liderar em número, de ter dois indicados em melhor filme (O Irlandês e História de um Casamento) e dois em melhor documentário (Indústria Americana e o brasileiro Democracia em Vertigem), os especialistas apontam que não há grandes perspectivas de vitória para os filmes da Netflix no Oscar 2020. No Globo de Ouro, apesar das 17 indicações nas categorias de cinema, a única vitória foi para Laura Dern por melhor atriz coadjuvante. Ou seja, o caminho até é certo, mas é tortuoso.

Ainda assim, a quantidade de indicações é o símbolo de uma conquista. A própria Disney, após a fusão com a Fox, ficou atrás com 23, e a tendência é a Netflix seguir crescendo. O grande trunfo da gigante do streaming, neste sentido, é o fato de não ocupar apenas uma fatia do mercado, mas ter se consolidado com êxito justamente aproveitando os nichos deixados em aberto pelos grandes estúdios — foi assim com as comédias românticas e está sendo assim na busca pelo almejado careca dourado.

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No fim da história, nem a concorrência dos demais serviços de streaming, nem as restrições impostas por grandes festivais serão capazes de impedir a rota astronômica da Netflix. Pode ser que ainda demore um pouco mais, mas chegará o dia em que a companhia vencerá o prêmio máximo da Academia, seja na insistência ou no merecimento. E os estúdios que reaprendam a jogar o próprio jogo.

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Laysa Zanettihttps://cinepop.com.br
Repórter, Crítica de Cinema e TV formada em Twin Peaks, Fringe, The Leftovers e The Americans. Já vi Laranja Mecânica mais vezes que você e defendo o final de Lost.

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