sexta-feira, abril 26, 2024

Análise | Como ‘Pânico 2’ usou a Mídia, a Violência e a Metalinguagem à serviço do Ghostface

O sucesso estrondoso do primeiro filme garantiu que Pânico se tornasse uma franquia de sofisticada, sendo o segundo capítulo, em meu ponto de vista, o mais complexo de todos, primoroso tanto esteticamente quanto em seus requisitos dramáticos. Após os acontecimentos em Woodsboro, os sobreviventes são deslocados para o espaço de uma universidade. É lá que os novos assassinos começam a atacar, motivados por um arco gigantesco de horror que será devidamente encerrado apenas no terceiro filme. Sidney, Dewey, Gale e Randy, ecos da trama anterior, adentram agora numa bifurcada jornada de evolução de suas esferas pessoais e psicológicas enquanto personagens, delineados pelo ótimo roteiro de Kevin Williamson e dirigidos pela adequada orquestração do terror, regida pelo competente Wes Craven. Aqui, por meio de uma análise bastante minuciosa, analisaremos algumas cenas do filme, tendo em vista fazer um panorama revisionista do legado de Ghostface. Direção de fotografia, diálogos, metáforas visuais, elementos contextuais e outros traços próprios da análise crítica permitirão que vocês, caros leitores, embarquem numa viagem ao sofisticado universo de Pânico 2.

Vamos nessa?

Os personagens da abertura, interpretados por Omar Epps e Jada Pinkett Smith, estão na fila de um cinema, conversando enquanto aguardam para assistir Facada, adaptação cinematográfica do livro de Gale Weathers, texto que narra os acontecimentos do filme anterior. Enquanto ela está interessada no filme com a Sandra Bullock, exibido numa sala de cinema do outro lado da rua, o namorado reforça a sua vontade de se divertir com assassinatos. No brilhante diálogo, a personagem feminina expõe a sua insatisfação sobre a presença do personagem afro-americano nos filmes de terror e, com isso, reforça o tom autocrítico e paródico de Pânico 2, narrativa que também presta homenagem ao clássico Psicose e sua cena do chuveiro, apresentada no filme dentro do filme, numa passagem bastante emblemática.

No interior da sala de cinema, os personagens são dizimados, com algo já costumeiro na abertura de um filme slasher: o estabelecimento de um assassinato, catalisador de tudo que ocorrerá mais adiante na história. Ao colocar a personagem para morrer de maneira bastante espetaculosa, Wes Craven traz questões sobre violência, apreciação do público e relação do conteúdo que a mídia expõe cotidianamente com a própria plateia. Num palco situado no interior da sala de exibição, Ghostface cumpre o seu papel criminoso e nos deixa diante do que será Pânico 2, um dos grandes momentos estéticos e dramáticos da franquia.

A final girl interpretada por Neve Campbell está mais forte que antes. Ciente da inevitabilidade de sua situação após o lançamento do filme, nesta cena, ela acorda com o telefone tocando. É um trote, alguém se passando por Ghostface. Abaixo, Kevin Williamson, roteirista da produção, faz uma pequena participação como jornalista em um programa de TV que entrevista Cotton Weary, personagem mais desenvolvido neste momento da franquia.

Não deixe de assistir:

Ao sair para procurar Randy, Sidney Prescott precisa atravessar uma legião de jornalistas afoitos por seu depoimento acerca das mortes apresentadas na eficiente abertura de Pânico 2, conectadas diretamente com o seu passado recente. Na sala de aula, estudantes de Cinema discutem sobre as continuações: as sequências destruíram o terror? Eis o mote das reflexões. Indo além do gênero, o debate envolve questões sociológicas, análises estéticas e a assim, destacam como a metalinguagem encontra o seu melhor momento na franquia. É uma discussão bastante referencial, pois ao falar de partes 2, 3 e 4 de alguns filmes, eles colocam o próprio Pânico 2 em debate, uma sequência que consegue, por sinal, ser melhor que o antecessor.

Gale Weathers, personagem interpretada por Courteney Cox, retorna ainda mais ácida no filme, focada no sucesso de seu livro, material sobre os assassinatos em Woodsboro no contexto anterior. Ruiva e com figurino cromaticamente mais fechado que a sua coleção em 1996, a personagem atua de maneira mais severa e apesar de se tornar uma aliada de Sidney no desfecho, ainda assim comporta-se de maneira comprometedora enquanto ser humano ético. Ademais, abaixo, ela se aproveita de uma situação para render assunto em torno do encontro forjado entre Sidney e Cotton, isto é, o preso injustiçado e a garota que perdeu a mãe para assassinos frios, confusa ao depor e levar o amante de sua mãe para a cadeia. Repare no primeiro frame: a vilã, uma das assassinas, passa constantemente pelo campo de visão da câmera orquestrada por uma direção de fotografia que sabe aproveitar o melhor da profundidade.

Dewey, personagem de David Arquette, reencontra Gale depois do incidente midiático com Sidney e Cotton. Ele a observa, critica e os depois discutem, mas há algo na atmosfera do papo que nos permite crer na conciliação, algo que de fato ocorrerá, com ambos a lutar próximo ao desfecho, menos favorável para Dewey, mais uma vez ferido gravemente. Abaixo, Sidney conversa com as garotas da fraternidade, numa das diversas passagens do filme em steadicam, recurso que permite a circulação mais sofisticada da câmera, dando ao uso do plano-sequência, mais organicidade e valorização estética.

O uso de steadicam abre a cena do assassinato da personagem de Sarah Michelle Gellar, atriz que teve uma breve participação no desenvolvimento da trama. Ela assiste Nosferatu na TV, um dos maiores clássicos do terror, enquanto Ghostface inicia as ligações que vão culminar em sua morte. A passagem toda faz referência ao primeiro embate entre Sidney e Ghostface, na primeira metade de Pânico. A suspeita do “monstro” atrás da porta, as escadas, a batalha e por fim, a morte da personagem. Aqui, percebemos mais uma pista do filme sobre a quantidade de assassinos. São dois? Apenas um? Para saber, basta observar que enquanto um aterroriza a garota na ligação, o outro já está pronto para o ataque no interior da casa que a equipe de produção de Wes Craven alugou para a passagem, um espaço amplo, próprio para o uso de profundidade de campo e ideal para a histeria entre a vítima e seu algoz.

Aqui, todos os suspeitos usam azul. O namorado de Sidney, o colega Mickey, uma das meninas da fraternidade, dentre outros personagens que passam pelo local. É o momento antes do primeiro contato entre Sidney e Ghostface em Pânico 2, filme que teve o roteiro vazado na época e precisou mudar o seu final. Ao atender uma ligação no local da festa, esvaziado pelas pessoas que se deslocaram para a cena de crime anterior, Sidney percebe que o assassino está cada vez mais próximo. Abaixo, mais uma vez, a direção de fotografia do filme investe em bastante profundidade de campo, para criar diversas possibilidades narrativas sem precisar sobrepor planos no desenvolvimento da história.

Gale e seu faro jornalístico: aqui, ela apresenta para o policial responsável pela investigação, a relação do nome das vítimas com personagens importantes do filme anterior. Quem está por detrás das mortes tem plena consciência do projeto de matança que pretende chegar até Sidney. Observe mais uma vez que a vilã, lá atrás, espreita a repórter e Dewey num tenso diálogo.

Um dos elementos essenciais da franquia Pânico: a metalinguagem. Aqui, temos o filme dentro do filme sendo comentado numa determinada passagem, antes da apresentação do segundo palco da narrativa, o teatro onde Sidney ensaia uma peça sobre Cassandra, importante personagem da mitologia grega. De maneira circular, o filme abre e fecha com um palco. É uma referência que Wes Craven fez aos clássicos trágicos, conteúdo dramático que nos ajuda a compreender melhor a sina da final girl de Neve Campbell. Para o diretor, o “horror” nos acompanha desde os primórdios das civilizações, por isso, o teatro foi um importante elemento inserido na concepção da história em Pânico 2.

Wes Craven contou, certa vez, que assistiu a um filme do italiano Fellini e viu o uso de celofane como elemento cenográfico num ambiente teatral. Para ele, era uma questão de tempo utilizar o recurso, em seu ponto de vista, esteticamente interessante. O material é utilizado no ensaio em que Sidney tenta se concentrar, mas acaba tendo visões sobre Ghostface e perdendo todo o seu foco, haja vista a condição trágica das coisas que gravitam em torno de seu cotidiano em Pânico 2. A paranoia diante das incertezas sobre quem será o próximo encontra um bom momento na cena posterior, com Dewey e Gale cercados por pessoas com telefone, possíveis suspeitos. Neste momento, Ghostface estabelece contato e qualquer um pode ser o assassino. A profundidade de campo, mais uma vez, ajuda no estabelecimento da paranoia.

O design de som e a trilha sonora são elementos importantes em qualquer filme. Na franquia Pânico, não seria diferente. Aqui, Gale Weathers encontra-se ilhada num departamento de som da faculdade de cinema. Lá, os estúdios herméticos não permitem que ninguém escute os seus gritos de pavor enquanto Ghostface a persegue. Ademais, na cena posterior, Dewey é atacado e não temos certeza sobre a sua sobrevivência. Ela entra ainda mais em desespero. A textura percussiva de Marco Beltrami, então, cumpre o papel de transmitir para os espectadores o seu desespero, haja vista a demonstração da personagem do outro lado de uma película isoladora do som. É um uso interessante das possibilidades sonoras de um filme. São passagens que também flertam com a sonoridade no som da faca a desferir golpes no ar. É lógico que fisicamente, isso é algo impossível, mas na dinâmica da estética de um produto ficcional, funciona muito bem para aumentar a sensação de medo e perigo.

Num dos melhores momentos de Pânico 2, Sidney e sua melhor amiga, interpretada por Elise Neal, tentam sobreviver ao ataque de Ghostface depois que um acidente ceifa a vida dos seguranças da final girl. As feições de força de Sidney são contrastadas pelo olhar apavorado da amiga enquanto ambas tentam escapar do assassino. Num determinado trecho, quando Sidney quase arranca a máscara e desvenda a identidade do antagonista, ela se esbarra no volante do carro e aciona a buzina. Observe que o design de som amplifica a sensação de medo e tensão. O som da buzina é de um caminhão, acoplado num chevrolet básico, potencializando a atmosfera de terror proposta pela passagem filmada toda no interior de um estacionamento, repleta de closes para captação da tensão entre personagens e situação perigosa.

No desfecho, antagonistas são revelados. A cena no interior do teatro, anteriormente, tinha sido planejada para acontecer num dos quintais da fraternidade, com personagens pendurados em árvores, etc. Acabou que o fim foi estabelecido no teatro, escolha muito mais empolgante e complexa. Os assassinos, Mickey e a mãe de Billy Loomis, expõem os seus motivos, isto é, um incentivado pela vingança e o outro supostamente influenciado pela mídia e cinema na composição de seu comportamento psicopata. No embate entre Sidney e sua antiga sogra, as coisas ganham dimensão ampla, com referências ao processo de fúria da natureza, quando a moça resolve utilizar alguns elementos da cenografia de sua peça para lutar contra a mãe vingativa, tema já presente no slasher desde Sexta-Feira 13. Interessante observar que ao longo de todo o filme, não há cenas com as duas personagens no mesmo espaço.

Preparados para a próxima empreitada com a franquia Pânico? Vamos compreender mais sobre o terceiro capítulo da saga de Ghostface no próximo texto, combinado?

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