domingo , 26 janeiro , 2025

Artigo | Conclave: Thriller sobre Vaticano Reflete Mudanças Históricas na Igreja

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Lançado nos cinemas brasileiros na última quinta, 23 de janeiro, Conclave estreou com grande impacto, recebendo no mesmo dia oito indicações ao Oscar, incluindo Melhor Filme. Com direção de Edward Berger (Nada de Novo no Front), o longa não apenas oferece um thriller instigante, mas também reflete diretamente as transformações e os dilemas éticos enfrentados pela Igreja Católica no mundo contemporâneo.

Logo no início de 2025, o Vaticano anunciou mudanças históricas, como a nomeação de uma mulher para um cargo inédito de liderança e a aceitação de padres gays, desde que vivam em celibato. Promovidos sob a liderança do Papa Francisco, esses avanços desafiam séculos de tradição e apontam para uma instituição em busca de adaptar-se às demandas do mundo em constante mudança.

Grupo de cardeais em vestes vermelhas
Ralph Fiennes indicado ao Oscar de Melhor Ator por Conclave (Foto: divulgação)

Essas notícias adicionam uma camada de relevância contemporânea ao enredo de Conclave, adaptado do romance homônimo de Robert Harris, publicado em 2016, que retrata um momento crítico para a Igreja: a escolha de um novo líder em meio a alianças políticas, dilemas morais e segredos cuidadosamente guardados. Adaptado por Peter Straughan, o filme possui um final diferente do livro. 

Um Jogo de Poderes no Coração do Vaticano

Na trama, o cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) está prestes a se tornar o primeiro Papa inglês desde Adriano IV (1154-1156), o único pontífice britânico da história. Enquanto o atual Papa agoniza, outros cardeais ambiciosos se reúnem para o conclave, cada um com suas estratégias ocultas para alcançar o papado. O filme apresenta um elenco diversificado de personagens, cada qual simbolizando facções e ideologias dentro da Igreja — reflexo também das disputas vistas em lideranças políticas ao redor do mundo.

Stanley Tucci interpreta Bellini, um cardeal liberal que busca reformas profundas; Sergio Castellitto dá vida ao reacionário Tedesco, um fundamentalista racista; John Lithgow é Tremblay, cujo comportamento conciliador esconde suas verdadeiras intenções; Lucian Msamati interpreta Adeyemi, um cardeal africano confiante e incisivo; e Carlos Diehz assume o papel de Benítez, uma figura misteriosa que surpreende a todos ao ser nomeado cardeal arcebispo de Cabul. 

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Apesar de tantos personagens masculinos intrigantes, o destaque vai para Isabella Rossellini, que interpreta a irmã Agnes, confidente do falecido papa. Com menos de seis minutos em cena  — os quais lhe valeram uma indicação ao Oscar  —, Rossellini entrega uma performance magnética, dando à sua personagem uma presença astuta e estrategista, que rouba os holofotes em um universo dominado por homens.

Quando Ficção e Realidade se Encontram

Conclave se junta a uma tradição de filmes que exploram os bastidores da Igreja Católica e seus dilemas morais e institucionais. Enquanto Spotlight: Segredos Revelados (2015) aborda a investigação jornalística sobre os escândalos de abuso sexual no clero e Os Dois Papas (2019), de Fernando Meirelles, oferece uma visão humanizada do relacionamento entre Bento XVI e Francisco, Conclave foca no lado político-religioso das eleições papais, trazendo uma tensão quase shakespeariana às disputas de poder no Vaticano.

A direção de Edward Berger em Conclave constrói tensão com maestria, utilizando a performance intimista de Ralph Fiennes e elementos visuais cuidadosamente projetados para criar um clima de constante inquietação, como o forte contraste entre vermelho e branco. Em parceria com o diretor de fotografia Stéphane Fontaine, o diretor alemão explora ângulos fechados e iluminação sombria para intensificar a claustrofobia e o peso emocional que permeiam o conclave

Isabella Rossellini indicado ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Conclave (Foto: divulgação)

A produção de Suzie Davies contribui com cenários que evocam uma atmosfera onírica e, ao mesmo tempo, ritualística, transportando o público para o centro das intrigas políticas e espirituais. Cada votação, pontuada por silêncios estratégicos e expressões contidas, é coreografada como um jogo de xadrez psicológico, amplificando a sensação de perigo iminente e transformando o processo de escolha papal em um suspense asfixiante.

O filme nos leva a refletir sobre dilemas que vão além das paredes do Vaticano, como a tensão entre escolhas pessoais e coletivas. Assim como o cardeal Lawrence enfrenta o peso de um destino que não escolheu, muitos de nós lidamos com decisões difíceis que afetam nossas comunidades ou nossos próprios valores. Essa conexão humana, entre poder, sacrifício e redenção, torna a trama profundamente ressonante para qualquer espectador, religioso ou não. 

As Mudanças Reais no Vaticano

Enquanto o filme explora os bastidores de um evento fictício, o Vaticano real enfrenta debates profundos sobre inclusão e igualdade. Um marco recente foi a nomeação da irmã Simona Brambilla, de 59 anos, como prefeita do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, no dia 6 de janeiro, tornando-a a primeira mulher a liderar um dos principais departamentos do Vaticano.

Se existisse a plena igualdade de oportunidades, as mulheres poderiam contribuir para um mundo de paz, de inclusão, de solidariedade e sustentabilidade integral”, afirmou o Papa Francisco no prefácio do livro Mais Liderança Feminina para um Mundo Melhor: O Cuidado como Motor para a Nossa Casa Comum, organizado por Anna Maria Tarantola, ex-diretora do Banco da Itália. A decisão reflete não apenas uma igualdade simbólica, mas um impacto prático no funcionamento da Igreja.

Cardeais e freira em túnicas religiosas.

Outra questão atual que dialoga com Conclave é a aceitação de homens gays nos seminários, desde que vivam em celibato — assim como todos os sacerdotes. Embora o tema ainda encontre resistência em setores mais conservadores da Igreja, o Papa Francisco deu passos significativos ao afirmar que pessoas LGBTQIA+ devem ser acolhidas com respeito e dignidade. O longa reflete que as escolhas que moldam o futuro da Igreja, tanto na ficção quanto na realidade, carregam implicações políticas e sociais.

Reflexos de uma Igreja em Transformação

Essas transformações, que transitam entre o espiritual e o político, fazem de Conclave mais do que um suspense: ele se torna um espelho das crises e adaptações enfrentadas pela Igreja Católica. Desde a substituição de Bento XVI por Francisco, o Vaticano vem promovendo mudanças significativas, como a simplificação de protocolos funerários papais, em 2024, e a declaração da pena de morte como inadmissível no Catecismo, em 2018. Essas decisões demonstram como a instituição busca se reinventar diante de um mundo cada vez mais diverso e plural.

Imagem customizada por Simone Ashmoore (ScreenRant)

Assim como cada cardeal no filme representa uma posição política para o futuro da instituição, o Vaticano atual navega por debates que envolvem não apenas tradições religiosas, mas também questões sociais e políticas de grande impacto global. Se na ficção a cada contagem de votos aparece um empecilho para o candidato “ideal”, na vida real a cada eleição democrática, vemos crescer discursos separatistas e interesses pessoais acima dos dos eleitores. 

Ao explorar as transformações internas de uma das instituições mais influentes do mundo, Conclave nos convida a olhar para nossas próprias estruturas de poder, sejam elas religiosas, políticas ou sociais. Estaríamos prontos para abraçar mudanças que desafiam séculos de tradição em nome de um futuro mais inclusivo? Essa é uma questão que transcende o cinema e ecoa em nosso cotidiano.

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Logo no início de 2025, o Vaticano anunciou mudanças históricas, como a nomeação de uma mulher para um cargo inédito de liderança e a aceitação de padres gays, desde que vivam em celibato. Promovidos sob a liderança do Papa Francisco, esses avanços desafiam séculos de tradição e apontam para uma instituição em busca de adaptar-se às demandas do mundo em constante mudança.

Grupo de cardeais em vestes vermelhas
Ralph Fiennes indicado ao Oscar de Melhor Ator por Conclave (Foto: divulgação)

Essas notícias adicionam uma camada de relevância contemporânea ao enredo de Conclave, adaptado do romance homônimo de Robert Harris, publicado em 2016, que retrata um momento crítico para a Igreja: a escolha de um novo líder em meio a alianças políticas, dilemas morais e segredos cuidadosamente guardados. Adaptado por Peter Straughan, o filme possui um final diferente do livro. 

Um Jogo de Poderes no Coração do Vaticano

Na trama, o cardeal Lawrence (Ralph Fiennes) está prestes a se tornar o primeiro Papa inglês desde Adriano IV (1154-1156), o único pontífice britânico da história. Enquanto o atual Papa agoniza, outros cardeais ambiciosos se reúnem para o conclave, cada um com suas estratégias ocultas para alcançar o papado. O filme apresenta um elenco diversificado de personagens, cada qual simbolizando facções e ideologias dentro da Igreja — reflexo também das disputas vistas em lideranças políticas ao redor do mundo.

Stanley Tucci interpreta Bellini, um cardeal liberal que busca reformas profundas; Sergio Castellitto dá vida ao reacionário Tedesco, um fundamentalista racista; John Lithgow é Tremblay, cujo comportamento conciliador esconde suas verdadeiras intenções; Lucian Msamati interpreta Adeyemi, um cardeal africano confiante e incisivo; e Carlos Diehz assume o papel de Benítez, uma figura misteriosa que surpreende a todos ao ser nomeado cardeal arcebispo de Cabul. 

Apesar de tantos personagens masculinos intrigantes, o destaque vai para Isabella Rossellini, que interpreta a irmã Agnes, confidente do falecido papa. Com menos de seis minutos em cena  — os quais lhe valeram uma indicação ao Oscar  —, Rossellini entrega uma performance magnética, dando à sua personagem uma presença astuta e estrategista, que rouba os holofotes em um universo dominado por homens.

Quando Ficção e Realidade se Encontram

Conclave se junta a uma tradição de filmes que exploram os bastidores da Igreja Católica e seus dilemas morais e institucionais. Enquanto Spotlight: Segredos Revelados (2015) aborda a investigação jornalística sobre os escândalos de abuso sexual no clero e Os Dois Papas (2019), de Fernando Meirelles, oferece uma visão humanizada do relacionamento entre Bento XVI e Francisco, Conclave foca no lado político-religioso das eleições papais, trazendo uma tensão quase shakespeariana às disputas de poder no Vaticano.

A direção de Edward Berger em Conclave constrói tensão com maestria, utilizando a performance intimista de Ralph Fiennes e elementos visuais cuidadosamente projetados para criar um clima de constante inquietação, como o forte contraste entre vermelho e branco. Em parceria com o diretor de fotografia Stéphane Fontaine, o diretor alemão explora ângulos fechados e iluminação sombria para intensificar a claustrofobia e o peso emocional que permeiam o conclave

Isabella Rossellini indicado ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante por Conclave (Foto: divulgação)

A produção de Suzie Davies contribui com cenários que evocam uma atmosfera onírica e, ao mesmo tempo, ritualística, transportando o público para o centro das intrigas políticas e espirituais. Cada votação, pontuada por silêncios estratégicos e expressões contidas, é coreografada como um jogo de xadrez psicológico, amplificando a sensação de perigo iminente e transformando o processo de escolha papal em um suspense asfixiante.

O filme nos leva a refletir sobre dilemas que vão além das paredes do Vaticano, como a tensão entre escolhas pessoais e coletivas. Assim como o cardeal Lawrence enfrenta o peso de um destino que não escolheu, muitos de nós lidamos com decisões difíceis que afetam nossas comunidades ou nossos próprios valores. Essa conexão humana, entre poder, sacrifício e redenção, torna a trama profundamente ressonante para qualquer espectador, religioso ou não. 

As Mudanças Reais no Vaticano

Enquanto o filme explora os bastidores de um evento fictício, o Vaticano real enfrenta debates profundos sobre inclusão e igualdade. Um marco recente foi a nomeação da irmã Simona Brambilla, de 59 anos, como prefeita do Dicastério para os Institutos de Vida Consagrada e Sociedades de Vida Apostólica, no dia 6 de janeiro, tornando-a a primeira mulher a liderar um dos principais departamentos do Vaticano.

Se existisse a plena igualdade de oportunidades, as mulheres poderiam contribuir para um mundo de paz, de inclusão, de solidariedade e sustentabilidade integral”, afirmou o Papa Francisco no prefácio do livro Mais Liderança Feminina para um Mundo Melhor: O Cuidado como Motor para a Nossa Casa Comum, organizado por Anna Maria Tarantola, ex-diretora do Banco da Itália. A decisão reflete não apenas uma igualdade simbólica, mas um impacto prático no funcionamento da Igreja.

Cardeais e freira em túnicas religiosas.

Outra questão atual que dialoga com Conclave é a aceitação de homens gays nos seminários, desde que vivam em celibato — assim como todos os sacerdotes. Embora o tema ainda encontre resistência em setores mais conservadores da Igreja, o Papa Francisco deu passos significativos ao afirmar que pessoas LGBTQIA+ devem ser acolhidas com respeito e dignidade. O longa reflete que as escolhas que moldam o futuro da Igreja, tanto na ficção quanto na realidade, carregam implicações políticas e sociais.

Reflexos de uma Igreja em Transformação

Essas transformações, que transitam entre o espiritual e o político, fazem de Conclave mais do que um suspense: ele se torna um espelho das crises e adaptações enfrentadas pela Igreja Católica. Desde a substituição de Bento XVI por Francisco, o Vaticano vem promovendo mudanças significativas, como a simplificação de protocolos funerários papais, em 2024, e a declaração da pena de morte como inadmissível no Catecismo, em 2018. Essas decisões demonstram como a instituição busca se reinventar diante de um mundo cada vez mais diverso e plural.

Imagem customizada por Simone Ashmoore (ScreenRant)

Assim como cada cardeal no filme representa uma posição política para o futuro da instituição, o Vaticano atual navega por debates que envolvem não apenas tradições religiosas, mas também questões sociais e políticas de grande impacto global. Se na ficção a cada contagem de votos aparece um empecilho para o candidato “ideal”, na vida real a cada eleição democrática, vemos crescer discursos separatistas e interesses pessoais acima dos dos eleitores. 

Ao explorar as transformações internas de uma das instituições mais influentes do mundo, Conclave nos convida a olhar para nossas próprias estruturas de poder, sejam elas religiosas, políticas ou sociais. Estaríamos prontos para abraçar mudanças que desafiam séculos de tradição em nome de um futuro mais inclusivo? Essa é uma questão que transcende o cinema e ecoa em nosso cotidiano.

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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