Após o segundo final de semana, o filme dirigido por Greta Gerwig chegou a um bilhão nas bilheterias mundiais e é, portanto, um grande sucesso em todo o globo, ou quase. Se no Brasil, Barbie está próxima dos 10 milhões de espectadores, o público coreano está longe disso.
Não é uma questão populacional, caso este seja o primeiro pensamento, mas de acordo com o jornal britânico The Guardian existe uma relutância em relação à mensagem do longa-metragem. Apesar da Coreia do Sul ter sido uma das escolhidas para turnê mundial, no início de julho, com a visita das protagonistas Margot Robbie e America Ferrera, além da diretora Greta Gerwig, a recepção tem sido morna no que se refere a outros filmes em cartaz.
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Bilheterias estagnadas
Desde a estreia nos cinemas em 19 de julho, Barbie atraiu apenas 524 mil espectadores coreanos, em comparação com mais de 3,8 milhões para Missão: Impossível – Acerto de Contas: Parte 1, lançado uma semana antes, de acordo com os números do Korean Film Council, nesta terça-feira, dia 8 de agosto.
Enquanto no Brasil, na América do Norte e Europa, o rosa tomou conta das filas dos cinemas, no primeiro fim de semana de estreia, o longa recebeu apenas 8% da receita total de bilheteria e apenas 3,9% no segundo fim de semana na Coreia do Sul. Além do sucesso da franquia de Tom Cruise, o romance Elementos da Pixar vendeu mais de 6,3 milhões de ingressos, sendo o atual filme estrangeiro de maior sucesso no país em 2023.
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Feminismo é um tema repudiado no país
Como explicar o flop coreano? Segundo Haein Shim, ativista feminista sul-coreana, o motivo é evidente: os temas evocados como o lugar da mulher em uma sociedade patriarcal e o desejo da mulher de seguir seus próprios anseios – não são vistos com bons olhos no país do leste asiático. “Acho que a Barbie, sem dúvida, ressalta o fato de que um filme centrado em mulheres com humor feminista ainda é considerado um assunto tabu”, declarou ao The Guardian em 2 de agosto.
As mulheres coreanas, portanto, podem hesitar em assistir ao filme com receio de ser rotulada como feminista, de acordo com a ativista. Para Haein Shim, o termo “feminismo” chegou a tornar-se um palavrão para muitas pessoas, principalmente por conta das ideias compartilhadas no filme de “reconhecer e enfrentar o patriarcado profundamente enraizado, que governa a sociedade há muitos anos”.
Essa relutância social induziria menos mulheres a correrem o risco de serem “tachadas” socialmente. No Brasil, por exemplo, alguns homens já manifestaram nas redes sociais que saber que uma mulher foi assistir ao filme da Barbie, seria um motivo para não se relacionar com a pessoa. Extremismo? Sim!
O povo coreano, entretanto, é altamente conservador em relação ao lugar da mulher na sociedade. Um dos casos mais recentes discutidos internacionalmente sobre o tema foi durante os últimos Jogos Olímpicos, em Tóquio 2021. Ganhadora de três medalhas de Ouro no Tiro com Arco, a esportista An San teve que lidar com comentários machistas e ofensas misóginas nas redes por conta do seu cabelo curto.
Conservadorismo Latente
De todos os países da OCDE – Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico, a Coreia do Sul tem a maior diferença salarial entre homens e mulheres. Nesse sentido, o país está realmente atrasado em questões de igualdade de gênero, pois, considerando um salário médio, as mulheres ganham 38% a menos que seus colegas do sexo masculino.
A desigualdade econômica soma-se a uma ideologia profundamente conservadora, promovida pelo atual presidente Yoon Suk Yeol. Durante as eleições, ele deixou claro sua oposição às ideias feministas, supostamente prejudiciais à taxa de natalidade do país. Com menos de um filho por mulher, a Coreia do Sul tem a menor do mundo.
Ao que tudo indica o discurso conservador ressoou entre os eleitores jovens. De acordo com uma pesquisa de 2019 da mídia local SisaIN, 62,3% dos homens na faixa dos 20 anos não acreditam que o feminismo seja um movimento para alcançar a igualdade de gênero. Cerca de 78,9% dos homens na faixa dos 20 anos concordaram que se trata de “supremacia feminina”.
Como os coreanos enxergam o filme Barbie?
Antes do lançamento nos cinemas, as versões coreanas dos pôsteres de Barbie não continham os icônicos slogans originais: “Barbie is Everything/ Barbie é tudo” e “He’s just Ken/ Ele é apenas Ken”. Para simplificar, os cartazes mostravam apenas os nomes dos personagens.
A mudança gerou críticas por supostamente minar a mensagem de empoderamento feminino do filme. Após o surgimento das reclamações em abril, a Warner Brothers Korea se posicionou e declarou que a modificação não foi intencional e que — durante os estágios iniciais de sua campanha promocional — a distribuidora concentrou-se nas imagens e nomes dos personagens.
A crítica de cinema Sung Eun Youn declarou ao The Guardian que os sul-coreanos podem concordar com a igualdade de gênero em princípio, mas há seções dentro da sociedade conservadora que se opõem fortemente ao que consideram “feminismo radical”.
“Nesse contexto, a educação para a igualdade de gênero de Greta Gerwig não é muito atraente […] e tais temas sensíveis de forma proeminente pode não ressoar bem”, disse Youn, que concluiu um doutorado em estudos cinematográficos, sobre algumas das possíveis razões para o baixo desempenho do filme.