sexta-feira , 13 dezembro , 2024

Crítica | Bergman Island | Caprichosa metalinguagem em homenagem ao gênio sueco

Falar de cinema dentro de um filme é um fascínio para os amantes da sétima arte. Em estreia na mostra competitiva do Festival de Cannes 2021, a diretora Mia Hansen-Løve (O que Está por Vir) executa com proeza e certa melancolia uma homenagem ao cineasta sueco Ingmar Bergman, falecido em 2007. Ela nos leva em excursão à ilha de Fårö, em Gotlands län, na Suécia, onde Bergman passou seus últimos dias, escreveu seus roteiros e rodou muitas de suas obras. 

Prolífero artista, Bergman deixo um legado de mais de 50 filmes, em que tratava de temas, desde a metafísica (O Sétimo Selo, 1957), até a introspecção psicológica (Persona,1966) e análise da vida de casal (Cenas de um Casamento, 1974), além da reflexão familiar (Fanny & Alexander, 1982). Assim, todos esses elementos são apresentados no roteiro de Mia Hansen-Løve a partir da curiosidade do casal de cineastas Chris (Vicky Krieps) e Tony (Tim Roth), o qual parte em visita à ilha de Fårö, em busca de conhecimento e inspiração.



Ele é um famoso diretor e especialista na obra do autor sueco, já ela é uma roteirista impregnada com a indecisão de qual final dar para o seu atual trabalho. Além do papel de escritora, ela reflete sobre o seu ofício de mãe, já que não para de pensar na filha pequena deixada alguns dias longe de seus cuidados para focar no trabalho. Desse modo, a diretora francesa projeta uma metalinguagem para falar do processo de criação, influência e admiração no cinema. 

Progenitor de nove crianças de seis mulheres diferentes, Ingmar Bergman foi um pai ausente e alguns dos diálogos do filme processam a vida pessoal atabalhoada do diretor em evidência da enorme quantidade de obras realizadas. Em busca de um lirismo para sua aventura “descortinando Bergman”, Chris conhece o jovem cineasta e pesquisador Hampus (Hampus Nordenson), responsável por lhe apresentar curiosidades da ilha e dos suecos com as quais ela começa a compor o seu roteiro. 

Um segundo filme entra em cena com os personagens Amy (Mia Wasikowska) e Joseph (Anders Danielsen Lie). Eles se reencontram depois de um longo tempo para o casamento de um amigo em comum na ilha de Fårö. Durante três dias, Amy tem a chance de reviver os sentimentos alojados no seu peito, enquanto Joseph mostra-se hesitante com a aproximação da jovem. A fábula de Amy e Joseph ganha contornos tão vívidos e febris que por um momento, a escritora e o diretor da narrativa principal tornam-se secundários.

Acompanhar o sofrimento de Amy por um amor fugaz e idealizado invoca mais curiosidade  do que as andanças e compromissos diários de Chris e Tony. Assim, a vida dos criadores e das criaturas dividem a tela e a nossa atenção. Existe, entretanto, uma atração em ambas as narrativas por conta da cumplicidade de querer enxergá-los como parte da história, não como criações para nos provocar precisas emoções. Ao jogar com a metalinguagem, Mia Hansen-Løve brinca com a nossa percepção de vivenciar sentimentos legítimos por frações de segundos diante da tela. 

Bergman Island não é um filme de conclusões e resoluções, mas de processo. Aqueles que sabem apreciar a marcha ao invés da chegada vão admirar o esforço de Mia Hansen-Løve de nos apresentar um outro lado de Bergman e a vertente oposta da construção de uma história. Os percursos dos personagens parecem entreabertos, mas é por conta dessas possibilidades em jogo, que o seu trabalho possui um zelo particular. 

Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Prolífero artista, Bergman deixo um legado de mais de 50 filmes, em que tratava de temas, desde a metafísica (O Sétimo Selo, 1957), até a introspecção psicológica (Persona,1966) e análise da vida de casal (Cenas de um Casamento, 1974), além da reflexão familiar (Fanny & Alexander, 1982). Assim, todos esses elementos são apresentados no roteiro de Mia Hansen-Løve a partir da curiosidade do casal de cineastas Chris (Vicky Krieps) e Tony (Tim Roth), o qual parte em visita à ilha de Fårö, em busca de conhecimento e inspiração.

Ele é um famoso diretor e especialista na obra do autor sueco, já ela é uma roteirista impregnada com a indecisão de qual final dar para o seu atual trabalho. Além do papel de escritora, ela reflete sobre o seu ofício de mãe, já que não para de pensar na filha pequena deixada alguns dias longe de seus cuidados para focar no trabalho. Desse modo, a diretora francesa projeta uma metalinguagem para falar do processo de criação, influência e admiração no cinema. 

Progenitor de nove crianças de seis mulheres diferentes, Ingmar Bergman foi um pai ausente e alguns dos diálogos do filme processam a vida pessoal atabalhoada do diretor em evidência da enorme quantidade de obras realizadas. Em busca de um lirismo para sua aventura “descortinando Bergman”, Chris conhece o jovem cineasta e pesquisador Hampus (Hampus Nordenson), responsável por lhe apresentar curiosidades da ilha e dos suecos com as quais ela começa a compor o seu roteiro. 

Um segundo filme entra em cena com os personagens Amy (Mia Wasikowska) e Joseph (Anders Danielsen Lie). Eles se reencontram depois de um longo tempo para o casamento de um amigo em comum na ilha de Fårö. Durante três dias, Amy tem a chance de reviver os sentimentos alojados no seu peito, enquanto Joseph mostra-se hesitante com a aproximação da jovem. A fábula de Amy e Joseph ganha contornos tão vívidos e febris que por um momento, a escritora e o diretor da narrativa principal tornam-se secundários.

Acompanhar o sofrimento de Amy por um amor fugaz e idealizado invoca mais curiosidade  do que as andanças e compromissos diários de Chris e Tony. Assim, a vida dos criadores e das criaturas dividem a tela e a nossa atenção. Existe, entretanto, uma atração em ambas as narrativas por conta da cumplicidade de querer enxergá-los como parte da história, não como criações para nos provocar precisas emoções. Ao jogar com a metalinguagem, Mia Hansen-Løve brinca com a nossa percepção de vivenciar sentimentos legítimos por frações de segundos diante da tela. 

Bergman Island não é um filme de conclusões e resoluções, mas de processo. Aqueles que sabem apreciar a marcha ao invés da chegada vão admirar o esforço de Mia Hansen-Løve de nos apresentar um outro lado de Bergman e a vertente oposta da construção de uma história. Os percursos dos personagens parecem entreabertos, mas é por conta dessas possibilidades em jogo, que o seu trabalho possui um zelo particular. 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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