Cenário árido, clima de fazenda, música country e um velho cowboy trajado à caráter dão a deixa, logo nos primeiros minutos, do que esperar de Cry Macho. Produzido, dirigido e estrelado pelo lendário Clint Eastwood, o longa segue um ritmo particular semelhante ao do veterano ator de 91 anos, contrastando brutalmente com a frenética narrativa habitual existente no grande circuito atual norte-americano. Escolha que deve definir, rapidamente, o interesse do público, se estará disposto a acompanhar um velho senhor numa aventura desprovida de grandes momentos de ação e ao mesmo tempo repleta de passagens tocantes; ou se irá desistir por achar a trama simplesmente enfadonha e a margem do que se espera no estilo.
Não por acaso, Cry Macho demorou algumas décadas para ganhar às telas, quando, ainda na década de 1970, Richard Nash escreveu este mesmo roteiro, na época chamado de Macho, que foi enviado e duas vezes rejeitado pela 20th Century Fox. Sem muita alternativa, o escritor transformou sua história em um romance e o lançou sob o nome de Cry Macho. O livro teve uma boa repercussão, tanto por parte da crítica quanto do público, despertando em Nash, novamente, a vontade de traze-lo para o cinema. Dessa vez, não só a Fox, mas também outros estúdios se mostraram interessados e compraram os direitos para adaptar a obra de Richard Nash, que morreu em dezembro de 2000 e não teve tempo de ver o seu texto transposto para o audiovisual.
Ainda que, por volta de 1988, o renomado produtor Albert Ruddy, conhecido por títulos premiados como O Poderoso Chefão (1972) e Menina de Ouro (2004), já pensava em fazer Cry Macho, convidando o próprio Clint Eastwood para protagonizar a aventura, que recusou a oferta por estar envolvido no segundo Dirty Harry. No entanto toparia dirigir a empreitada e indicou o ator Robert Mitchum para protagonista, mas acabaram por acertar com Roy Scheider. As filmagens foram até iniciadas, só que a coisa não deu certo e decidiram engavetar o projeto. Este que só voltou para o radar após a morte de Nash, e agora seria estrelado por Arnold Schwarzenegger, e seria gravado em 2003. Contudo, devido a candidatura política de Schwarzenegger, nada aconteceu. E mesmo anos depois, em 2011, com Arnold interessado e Brad Furman definido como diretor, o filme foi igualmente adiado por fatores externos relacionados ao divórcio do ator australiano.
Mas eis que, em outubro de 2020, foi divulgado que finalmente Cry Macho iria acontecer, e, para além disso, voltaria para as mãos de Clint Eastwood, que dessa vez não apenas topou comandar o longa, como também assumiu o papel principal. E para o roteiro chamou Nick Schenk, que foi seu parceiro em Gran Torino (2008) e A Mula (2018) – e, acredite, isto não é à toa, pois Cry Macho segue a mesma estrutura e até parece uma mescla dessas duas obras citadas. Surgindo como mais um “filme de legado” do nosso eterno Clintão, que, pra variar, não faz feio e entrega um filme funcional, bem ao seu estilo, unindo sutileza à toda dureza originada pelos seus icônicos personagens machões.
E no que se refere a enredo, o que temos aqui é um road movie que junta três figuras inusitadas: um velho devastado pela vida, um garoto rejeitado pelos pais e um galo de briga. É isso mesmo, na trama acompanhamos o ex-cowboy texano Mike Milo (Eastwood) que, por ordens do amigo e patrão Howard Polk, interpretado pelo cantor country Dwight Yoakam, é encarregado de cruzar a fronteira do México e trazer o garoto Rafo (Eduardo Minett), que é filho de Polk e mora no país latino com a sua destrutiva mãe, Leta (Fernanda Urrejola). Falando assim fica claro que isso vai funcionar como uma espécie de sequestro, mas, em dívida com Polk, Mike não tem escolha.
Por lá, Mike não tem trabalho em convencer Rafo em ir morar com o seu pai, já que vive nas ruas com o seu galo participando de rinhas por não aceitar o “estilo de vida” seguido pela mãe, que mais parece a dona de um cartel. E o problema reside justamente em Leta que, apesar de tudo, não quer entregar o moleque por ter sido abandona pelo próprio Polk, um covarde de marca maior. E a dinâmica é basicamente essa, a dupla e o galo saindo do México em direção ao Texas e sendo procurados pela polícia e os capangas de Leta. Pelo caminho, Mike e Rafo conhecem diversas figuras e descobrem a verdadeira intenção de Polk.
Através desse meio, Clint Eastwood busca criar um laço inusitado entre um velho texano e um revoltado menino mexicano que pensa diferente e deveria criar um conflito de ideias intenso. Mas, diferente do que víamos em Gran Torino, um sujeito carrancudo e preconceituoso com o povo Hmong, com Mike, por mais acabado que esteja física e mentalmente, possui um olhar mais sóbrio e um tanto paternal em relação ao próprio Rafael. As lições dessa vez são passadas com mais facilidade e sem tanta negação de ambas as partes. Ao ponto que, inevitavelmente, essa amizade não possui o mesmo peso ou passa tanta verdade quanto a ligação entre os personagens de Gran Torino.
De modo que Cry Macho também não é um filme que tem o mesmo brilho cinematográfico, primeira pela condução ainda mais lenta ou até pelo roteiro de Nick Schenk parecer, por muitas vezes, um tanto inocente, na falta de uma melhor definição. Com diálogos que, involuntariamente, soam hilários, mesmo que a produção aposte bastante no humor ranzinza que é natural de Eastwood. E aqui notamos que o nosso inesquecível Homem Sem Nome demonstra um cansaço físico evidente, com certa dificuldade até no andar, ainda que jamais perca sua elegância latente. Todavia, por exemplo, algumas cenas de ação como um embate direto com socos e a trucagem para domar e montar um cavalo – coisa que, segundo o próprio Clint, não fazia desde Os Imperdoáveis (1992) – poderia se resolver de outra maneira. Por outro lado, toda essa fragilidade injeta mais força para tornar Mike um personagem tridimensional, que sabe quando deve parar ou mesmo aceitar algumas situações.
Existe também outro paralelo em relação a Cry Macho e Gran Torino, o chamado elenco de apoio que sofre pela falta de traquejo ou a linha de atuação não casar com a narrativa de Eastwood. Novamente fica a impressão que a preparação de elenco foi um tanto frouxa por não conseguir trazer a organicidade necessária para alguns andamentos. E mesmo gostando mais da presença de Eduardo Minett a despeito de Bee Vang, ator coprotagonista de Gran Torino, o núcleo asiático parecia mais conectado semelhante a uma comunidade. O povo de Cry Macho aparece como um estereótipo mexicano da visão americana.
Ainda assim, é natural que você termine Cry Macho emocionado, por toda narrativa magistral, atmosfera bucólica e principalmente por estarmos tendo o prazer de acompanharmos os últimos personagens do mestre Clint Eastwood. Diria que é até fundamental que Clint interprete figuras com um background tão marcante quanto o de Mike. E que filmes pessoais como estes aconteçam e funcionem à sua maneira, pois além de qualquer opinião, é impossível ficar indiferente a cada nova produção comandada por este que é um dos grandes cineastas americanos da história.