O direito de um indivíduo vai até onde não interfere no direito do outro. Ao menos, em teoria, deveria ser assim; na prática, sabemos que as estruturas sociais diversas no mundo fazem com que determinadas pessoas tenham menos direitos que outras. Na última década, esse debate tem sido cada vez mais intenso, com diversos grupos reivindicando respeito. Porém, esse debate é de mais fácil compreensão quando os elementos são padronizados e evidentes, de modo que qualquer um consegue identificar quem é o opressor e quem é o oprimido, quem é o predador e quem é a vítima. Mas, e se os elementos dessa equação se comportassem tal qual, mas pertencessem a categorias diferentes, será que a equação permaneceria igual? Será que a sociedade reagiria e julgaria igual? Esse é o grande questionamento proposto em ‘Depois da Caçada’, filme de abertura do Festival do Rio 2025 e que chegou esta semana ao circuito nacional.
Alma (Julia Roberts) é professora do departamento de Filosofia em uma prestigiosa universidade. Certa ocasião, ela recebe em sua casa alguns de seus alunos e orientandos para um jantar, junto com seu marido, Frederik (Michael Stuhlbarg), seu colega de departamento, Hank (Andrew Garfield), e outros convidados. Entre drinks, eles debatem filosofia, questões da vida e a tese de Maggie (Ayo Edebiri), aluna favorita de Alma. Quando a noite acaba, Hank acompanha Maggie à casa dela. No dia seguinte, porém, Maggie não aparece na aula. Preocupada, Alma se surpreende com a visita de uma abalada Maggie em sua casa, dizendo ter sido assediada por Hank após a festa. Sem saber o que fazer ou em quem acreditar, Alma se questionará até que ponto a ética e o profissionalismo devem ser considerados quando a vida e a reputação de uma aluna e um professor estão em jogo.
O debate de ‘Depois da Caçada’ é ótimo, mas sua execução, nem tanto.
O roteiro de Nora Garrett levanta uma importante questão: se as peças do xadrez fossem outras, a relevância do fato seria o mesmo? Em ‘Depois da Caçada’ uma estudante mulher, rica, cheia de privilégios, lésbica e negra acusa um professor branco, cis, hetero e classe média de tê-la assediado. Neste caso, o fato de ela ser mulher, negra e lésbica automaticamente lhe dá a razão, ou ela poderia estar mentindo, apesar disso? O fato de o acusado ser um homem, branco, cis, hetero e galanteador automaticamente o torna culpado, ou ele teria o benefício da dúvida, apesar de suas características? E, no meio disso tudo, a protagonista Alma, que almeja um cargo fixo no seu departamento, tendo tudo a perder ao se envolver nesse escândalo, colocaria sua carreira em risco em prol de defender o lado que acha certo, ou não há lado certo quando o episódio não envolve a você mesmo?

Esse debate, extremamente atual e relevante, é de suma importância e poderia ser levantado em todos os locais onde o filme seja exibido. A forma como Luca Guadagnino, transpõe o roteiro em imagens, entretanto, é que cansa em muitos momentos, seja pelas quase duas horas e meia de duração (sem nenhuma necessidade, há pelo menos vinte minutos sobrando aí), seja pela irregularidade com que mantém a narrativa, ora passeando por devaneios estéticos e fotográficos, ora lembrando que precisa contar uma história e que há um tempo limite para tal.
‘Depois da Caçada’ deixa ao espectador a pulga da inquietação e o convite para pensar antes de se manifestar. Com canções brasileiras na trilha sonora de Trent Reznor, ‘Depois da Caçada’ é um filme verborrágico, filosófico e inquietante, que lembra ao espectador que o ser humano é capaz de muitas coisas, inclusive de mau caratismo.

