sexta-feira, abril 19, 2024

Crítica | ‘Evil Eye’ é um ridículo e abismal conto de amor e vingança

O mau olhado é uma crença milenar cuja história data até mesmo da Grécia Antiga – e, apesar de ter passado por modificações ao longo dos anos e ter se transmutado para determinada cultura, sua essência permanece a mesma: uma espécie de maldição lançada sobre alguma pessoa que traz agouros infortunados e má sorte. Suprimido pela utilização de talismãs, é muito comum encontrar narrativas literárias ou audiovisuais que explorem o tema, normalmente embebidos em enredos de vingança e de inveja que culminam em tragédia. É dessa premissa que ‘Evil Eye’, terceiro volume da antologia de terror ‘Welcome to the Blumhouse’, produzida entre a Amazon Studios e a Blumhouse Productions.

A simples história gira em torno de uma família indiana marcada por traumas, centrada no conturbado relacionamento entre uma mãe, Usha (Sharita Choudhury) e sua filha, Pallavi (Sunita Mani). Usha voltou para sua cidade natal, Nova Déli, e deixou Pallavi nos Estados Unidos para seguir seus sonhos, encontrar um rico marido e pavimentar um caminho de puro sucesso que é maltratado por suas ambições independentes e por uma vida que a afasta das raízes familiares. Entretanto, as coisas mudam de figura quando Pallavi começa a namorar um rapaz indiano extremamente rico e misterioso, cuja personalidade beirando a perfeição faz a mãe acreditar que ele talvez seja reencarnação de um ex-namorado abusivo que estava morto há mais de trinta anos.

Quando olhamos para esse cru escopo, é impossível não resgatar algumas outras produções supervisionadas por Jason Blum e por sua companhia – ainda mais levando em conta a óbvia atmosfera de suspense que se ergue desde a primeira cena. Usha tornou-se uma sábia mulher que permanece assombrada por fantasmas perigosos que insistem em perturbar o seu presente, arrastando-a para momentos de puro sofrimento. É por essa razão que ela cria expectativas constantes sobre Pallavi, que nutre de certo ressentimento pela mãe ao perceber que, não importa o que faça, nunca será o bastante para honrar o nome da família – e que, por fim, é fruto de reflexos e de desejos que não sabe se consegue cumprir. Como já é de esperar, essa tênue linha entre o amor e a possessão insurge é um receptáculo evocativo para o incidente incitante da trama: a chegada de um mediador.

Usha, por mais afável que seja ao tradicionalismo social que impacta na sociedade indiana até os dias de hoje, é a matriarca de sua família e não responde diretamente ao marido, Krishnan (Bernard White), mas sim à necessidade de se provar capaz de cuidar daqueles que ama. É por esse motivo quase incompreensível que ela quer fazer parte de uma vida totalmente diferente daquela a que está acostumada, infiltrando-se na autonomia da filha e observando-a de longe, preparada para se postar quando preciso para protegê-la. Considerando que as duas vivem uma de cada lado do mundo, essa tarefa fica um pouco complicada – principalmente com a inesperada chegada do charmoso e bem-sucedido Sandeep (Omar Maskati), que arrebata o coração de Pallavi.

Usha tenta admitir para si mesma que não há qualquer problema nisso, mas tem certeza de que algo está errado – apesar de não saber o quê. Afinal, Sandeep é carinhoso, prestativo e nem um pouco convencional, dando espaço e liberdade para uma mulher apaixonada pela própria criatividade e lutando para conseguir se expressar. O educado jovem é respeitoso a todo momento e até mesmo vem como suporte financeiro e emocional para Pallavi, sua alma gêmea. Ele é impecável – impecável até demais (e é isso que leva Usha a investigar seu passado). E é justamente aqui que o longa-metragem começa a se perder, respaldando-se em fórmulas constantes e em ocasionais reviravoltas que transformam uma até então interessante obra de gênero em um deus ex machina insosso e monótono.

Comandado pelos irmãos Elan e Rajeev Dassani, ‘Evil Eye’ força cada um de seus arcos narrativos em um convulsionado produto sem pé nem cabeça – e sem qualquer ritmo fílmico. De um lado, essa nova construção episódica da saga supracitada se assemelha a qualquer drama independente que tenhamos visto nos últimos anos, valendo-se de momentos preciosistas demais para serem levados a sérios e uma agridoce e previsível repetição de eventos e ações. Usha e Pallavi não saem de onde começaram e caem numa rotina circinal e maçante – aliás, nem ao menos sabendo de que forma sair das obviedades. De outro, o roteiro assinado por Madhuri Shekar não dá espaço para muitas investidas criativas, obrigando os próprios atores a mergulharem de cabeça numa canastrice que supera àquela vista em ‘The Lie’.

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Como se isso não bastasse, a tensa ambientação fica presa a uma vaidade autodestrutiva cuja ideia é infundir a banalidade do cotidiano à mitologia local: em outras palavras, Shekar não tem ideia do que fazer com tantas ideias e, por fim, as aglutina em uma desnorteada presunção guiada por um misticismo barato e a foreshadowings ridículos demais para serem críveis. Há tantos furos na narrativa que o público se desprende com facilidade desse opaco cosmos, pensando duas vezes antes de continuar acompanhando uma história que se leva a sério demais.

‘Evil Eye’ tem potencial – isso não podemos negar. Porém, ao concentrar todo o esforço em uma trama que seria resolvida em pouquíssimos minutos e alongar um enredo natimorto (cujo final é um dos piores já vistos neste século), acaba por jogar a si mesmo dentro de uma cova abismal e se enterrar em um turbilhão de metáforas vencidas.

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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