sábado , 21 dezembro , 2024

Crítica | Incompatível com a Vida – Documentário expõe ACACHAPANTES relatos sobre INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ

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Antes de Michael Moore (Fahrenheit 11 de Setembro, 2004) popularizar o formato de documentário do diretor em frente às câmeras nos Estados Unidos, a belga Agnès Varda já se coloca como sujeito e objeto participativo dos seus registros da vida real, vide os premiados Os Catadores e Eu (2000) e Visages, Villages (2017). Um documentário começa sempre a partir de uma curiosidade ou uma dor do seu criador.

Dessa mesma forma nasce Incompatível com a Vida, de Eliza Capai, que nos remete à dor do tocante Elena (2012), de Petra Costa, e o denunciativo Proibido Nascer no Paraíso (2021), de Joana Nin. A ponte entre as obras existe por conta da escolha da documentarista se colocar na narrativa ao mesmo tempo que dá voz a outras mulheres e homens que passaram pelo mesmo abalo emocional do diagnóstico do título. 



Depois das obras Espero tua (Re)volta (2017) e Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime (2021), a documentarista começou a filmar sua gravidez durante o período de distanciamento social da pandemia de Covid-19. Um momento experienciado de diversas formas por diferentes mulheres, os quais rendem poderosas histórias, sejam de denúncia, como o filme de Joana Nin, sejam por crises existenciais como O Olmo e a Gaivota (2016), de Preta Costa e Lea Glob.

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O momento de cumplicidade e felicidade entre o casal Eliza Capai e João Pina toma outros rumos no momento em que uma ultrassonografia sentencia a malformação do feto e, portanto, sua potencial morte logo após o parto. Com essa sentença nas costas, a diretora coloca a sua dor e grave frustração em formato audiovisual. Para enquadrar um conjunto de sofrimento, ela busca outras mulheres as quais passaram pela mesma revelação durante a gestação, suas lutas e suas adversidades. 

Além da sentença de morte futura, os pais brasileiros passam pelo penoso processo de rejeição do sistema público e privado de saúde, por conta da criminalização do abordo, mesmo com a comprovada incapacidade de vida fora do útero. Com a possibilidade de passar pelo doloroso processo em Portugal, meses após a legalização do procedimento do país europeu, Eliza Capai entrelaça relatos de mulheres de diferentes classes sociais e crenças para expor um sistema extremamente cruel à mulhr.

Seis mulheres Alana, Laís, Isabela, Priscila, Shuane e Tainah revivem a tortura passada durante os meses entre o triste diagnóstico e o luto. De distintas formas, essas mulheres lutaram para ter o direito de não gerar uma vida fadada à morte, outras esperam o predestinado fim. Cada uma delas retrata um percurso sofrido e pedregoso, no qual a justiça brasileira complica uma situação já emocionalmente e fisicamente desgastante.

Entremeadas a essas poderosas narrativas, Eliza Capai coloca imagens simbólicas do seu processo de reflexão, seja um mergulho no mar em intenso e profundo azul como uma fuga das turbulências na superfície, seja em suas imagem à contra-luz numa janela em posições de yoga como um tratamento para acalmar a alma. Outras imagens nos tocam como metáforas da sua trajetória, como a plantação de brotos em um canteiro, ou seja, é necessário condições necessárias e cuidados para a vida florescer. 

Durante a entrevista, algumas participantes citaram o caso da menina de 10 anos grávida em consequência de um abuso sexual que teve seus direitos e identidade violados por fanàticos religiosos. Mesmo após a aceitação da justiça, as entrevistadas relataram a dificuldade de encontrar um centro hospitalar para a interrupção de uma gravidez “incompatível com a vida”. 

Considerado como tabu, a discussão sobre o abordo é uma bandeira negligenciada politicamente por conta de uma luta de poder dos representantes das igrejas sobre as leis nacionais. Enquanto a discussão não for desvinculada de crenças particulares, o Brasil vai continuar a colocar mulheres em situações de vulnerabilidade, pobreza e aflição.

Incompatível com a Vida é uma chama no caminho de mudança dos discursos sobre o que a sociedade precisa fazer para que os seus cidadãos sejam livres e descriminalizados de suas escolhas pessoais. Outra semente nesta trajetória é o longa de ficção Levante, da estreante Lillah Halla, apresentado no Festival de Cannes deste ano. 

 

Eleito o Melhor Documentário Brasileiro do É Tudo Verdade 2023, Incompatível com a Vida estreou nos cinemas brasileiros em 16 de novembro de 2023 e disputa uma vaga na shortlist do Oscar na categoria de Documentário

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Letícia Alassë
Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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Antes de Michael Moore (Fahrenheit 11 de Setembro, 2004) popularizar o formato de documentário do diretor em frente às câmeras nos Estados Unidos, a belga Agnès Varda já se coloca como sujeito e objeto participativo dos seus registros da vida real, vide os premiados Os Catadores e Eu (2000) e Visages, Villages (2017). Um documentário começa sempre a partir de uma curiosidade ou uma dor do seu criador.

Dessa mesma forma nasce Incompatível com a Vida, de Eliza Capai, que nos remete à dor do tocante Elena (2012), de Petra Costa, e o denunciativo Proibido Nascer no Paraíso (2021), de Joana Nin. A ponte entre as obras existe por conta da escolha da documentarista se colocar na narrativa ao mesmo tempo que dá voz a outras mulheres e homens que passaram pelo mesmo abalo emocional do diagnóstico do título. 

Depois das obras Espero tua (Re)volta (2017) e Elize Matsunaga: Era Uma Vez Um Crime (2021), a documentarista começou a filmar sua gravidez durante o período de distanciamento social da pandemia de Covid-19. Um momento experienciado de diversas formas por diferentes mulheres, os quais rendem poderosas histórias, sejam de denúncia, como o filme de Joana Nin, sejam por crises existenciais como O Olmo e a Gaivota (2016), de Preta Costa e Lea Glob.

O momento de cumplicidade e felicidade entre o casal Eliza Capai e João Pina toma outros rumos no momento em que uma ultrassonografia sentencia a malformação do feto e, portanto, sua potencial morte logo após o parto. Com essa sentença nas costas, a diretora coloca a sua dor e grave frustração em formato audiovisual. Para enquadrar um conjunto de sofrimento, ela busca outras mulheres as quais passaram pela mesma revelação durante a gestação, suas lutas e suas adversidades. 

Além da sentença de morte futura, os pais brasileiros passam pelo penoso processo de rejeição do sistema público e privado de saúde, por conta da criminalização do abordo, mesmo com a comprovada incapacidade de vida fora do útero. Com a possibilidade de passar pelo doloroso processo em Portugal, meses após a legalização do procedimento do país europeu, Eliza Capai entrelaça relatos de mulheres de diferentes classes sociais e crenças para expor um sistema extremamente cruel à mulhr.

Seis mulheres Alana, Laís, Isabela, Priscila, Shuane e Tainah revivem a tortura passada durante os meses entre o triste diagnóstico e o luto. De distintas formas, essas mulheres lutaram para ter o direito de não gerar uma vida fadada à morte, outras esperam o predestinado fim. Cada uma delas retrata um percurso sofrido e pedregoso, no qual a justiça brasileira complica uma situação já emocionalmente e fisicamente desgastante.

Entremeadas a essas poderosas narrativas, Eliza Capai coloca imagens simbólicas do seu processo de reflexão, seja um mergulho no mar em intenso e profundo azul como uma fuga das turbulências na superfície, seja em suas imagem à contra-luz numa janela em posições de yoga como um tratamento para acalmar a alma. Outras imagens nos tocam como metáforas da sua trajetória, como a plantação de brotos em um canteiro, ou seja, é necessário condições necessárias e cuidados para a vida florescer. 

Durante a entrevista, algumas participantes citaram o caso da menina de 10 anos grávida em consequência de um abuso sexual que teve seus direitos e identidade violados por fanàticos religiosos. Mesmo após a aceitação da justiça, as entrevistadas relataram a dificuldade de encontrar um centro hospitalar para a interrupção de uma gravidez “incompatível com a vida”. 

Considerado como tabu, a discussão sobre o abordo é uma bandeira negligenciada politicamente por conta de uma luta de poder dos representantes das igrejas sobre as leis nacionais. Enquanto a discussão não for desvinculada de crenças particulares, o Brasil vai continuar a colocar mulheres em situações de vulnerabilidade, pobreza e aflição.

Incompatível com a Vida é uma chama no caminho de mudança dos discursos sobre o que a sociedade precisa fazer para que os seus cidadãos sejam livres e descriminalizados de suas escolhas pessoais. Outra semente nesta trajetória é o longa de ficção Levante, da estreante Lillah Halla, apresentado no Festival de Cannes deste ano. 

 

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Crítica de Cinema desde 2012, jornalista e pesquisadora sobre comunicação, cultura e psicanálise. Mestre em Cultura e Comunicação pela Universidade Paris VIII, na França e membro da Associação Brasileira de Críticos de Cinema (Abraccine). Nascida no Rio de Janeiro e apaixonada por explorar o mundo tanto geograficamente quanto diante da tela.

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