segunda-feira, maio 13, 2024

Crítica | ‘My 21st Century Blues’ marca a espetacular e oficial estreia de RAYE no mundo da música

A cantora e compositora britânica RAYE começou sua carreira no mundo da música em 2014, com o lançamento do ótimo EP ‘Welcome to the Winter’; desde então, ganhou proeminência no cenário mainstream com as canções “By Your Side” e “You Don’t Know Me” – mas não seria até 2023 que ela faria seu début oficial com o aguardado ‘My 21st Century Blues’. O compilado de originais, que discorre sobre temas como abuso sexual, vício em drogas, insegurança, relacionamentos tóxicos e até mesmo transtornos corporais, foi lançado através da Human Re Sources recentemente e, em pouco tempo, consagrou-se não apenas como um dos melhores álbuns do ano, mas uma das maiores estreias da década.

Ao longo de quinze faixas e breves quarenta e seis minutos, RAYE constrói uma emocionante e íntima jornada que amalgama elementos sonoros que vêm tomando espaço no escopo mainstream, à medida que utiliza incursões mais conceituais para arquitetar cada uma das faixas. O glorioso resultado ecoa em uma beleza pungente que não tem papas na língua e que não pensa duas vezes antes de entregar-se a uma indesculpável denúncia da podridão que existe no show business – e de que forma ela conseguiu lidar com os traumas e transformar os fantasmas de um passado não muito longínquo em pura poesia. Não é surpresa, pois, que o disco nos chame a atenção por seu caráter irônico e por uma estruturação metadiegética que quebra a quarta parede da música e convida os ouvintes a serem agentes ativos nessa delicada e vibrante trajetória.

A obra se inicia com um clássico prelúdio intitulado “Introduction”, pegando elementos emprestados do recente ‘Dawn FM’, de The Weeknd, que parte da mesma ideia metalinguística. E, imaginando RAYE subindo aos palcos, somos introduzidos à antêmica semi-balada “Oscar Winning Tears”, que funde incursões orquestrais ao trap-hop e ao R&B, discorrendo sobre um ex-amante que trouxe muita dor à sua vida e que tentou se transformar na vítima (“Baby, siga em frente e chore suas lágrimas dignas de Oscar” tem tudo para se tornar uma das tendências de 2023, principalmente por seu teor sarcástico). E, enquanto a acética composição é um dos pontos altos, são os vocais da artista que explodem em uma rendição impecável e arrepiante.

A primeira metade do álbum é irretocável, explorando e unindo estilos bem diferentes em um microcosmos envolvente, recheado de homenagens aos pioneiros que vieram antes de RAYE. “Hard Out Here”, fincado no hip hop, traz referências de Salt-N-Pepa e TLC para uma análise sobre as dificuldades enfrentadas ao longo da vida e como, não importa quantas vezes caiamos, é sempre possível se levantar e recomeçar; “Black Mascara” já se apoia num soft-dance que dá espaço a uma remodelagem minimalista do dancehall e do microhouse, apostando fichas numa proposital repetição que nos envolve em um abraço inescapável; “Escapism”, a faixa mais conhecida da produção, funciona como um imponente resumo das mensagens que RAYE promove ao público, falando sobre um período pós-término que a levou a buscar jeitos de lidar com a tristeza através do álcool, das drogas e de qualquer coisa que a fizesse escapar da realidade (“eu não quero me sentir como me senti noite passada”) – uma crua constatação pela qual boa parte de nós já deve ter passado.

É notável como, nas devidas proporções, a performer consegue se conectar com um público abrangente, que não necessariamente se restringe apenas à nova geração. Os motes que guiam as tracks são universais, transformados em acepções particulares; dessa forma, a artista humaniza o que poderia facilmente ceder a um academicismo calculista e distante, permitindo que cada verso se transforme em uma metáfora para vivências palpáveis. Nesse âmbito, temos a exuberância do funk de “The Thrill Is Gone” (considerada por este que vos escreve como a melhor faixa do álbum), navegando em movimentos de contração e dilatação e em uma narrativa de um relacionamento tóxico que precisa acabar – além de fazer uma reverência a Prince em cada uma das notas tocadas; “Ice Cream Man” se volta para os sintetizadores e o R&B experimental para falar sobre um predador sexual que abusou de RAYE, lançando-a em uma caminhada de superação e empoderamento que a fez ser obrigada a amadurecer; e “Body Dismorphia” discorre sobre transtorno dismórfico em uma cíclica e angustiante construção (“tenho me escondido, tenho chapado e tenho dormido com fome”).

“Buss It Down” auxilia a alimentar a espetacular versatilidade artística da cantora, retornando para as semi-baladas em uma celebração do gospel, acompanhada de um coro aplaudível e dando espaço a uma humilde despedida (“Fin”) que não encerra só um álbum, mas uma apresentação meticulosamente detalhada que, com certeza, a antecipa como uma das grandes artistas da nova geração.

Não deixe de assistir:

Encantador, surpreendente e dilacerante são apenas alguns dos adjetivos que definem ‘My 21st Century Blues’. Em sua estreia oficial no cenário mainstream, RAYE nos convida para uma melancólica travessia muito mais profunda do que aparenta – e que merece ser apreciada desde os primeiros minutos até seu encerramento.

Nota por faixa:

1. Introduction. – 5/5
2. Oscar Winning Tears. – 5/5
3. Hard Out There. – 5/5
4. Black Mascara. – 5/5
5. Escapism., feat 070 Shake – 5/5
6. Mary Jane. – 4,5/5
7. The Thrill Is Gone. – 5/5
8. Ice Cream Man. – 5/5
9. Flip A Switch. – 4/5
10. Body Dysmorphia – 4,5/5
11. Environmental Anxiety. – 5/5
12. Five Star Hotels., feat. Mahalia – 4,5/5
13. Worth It. – 5/5
14. Buss It Down. – 5/5
15. Fin. – 5/5

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Thiago Nollahttps://www.editoraviseu.com.br/a-pedra-negra-prod.html
Em contato com as artes em geral desde muito cedo, Thiago Nolla é jornalista, escritor e drag queen nas horas vagas. Trabalha com cultura pop desde 2015 e é uma enciclopédia ambulante sobre divas pop (principalmente sobre suas musas, Lady Gaga e Beyoncé). Ele também é apaixonado por vinho, literatura e jogar conversa fora.

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